Elmar visto por Gervásio Castro |
Sobre o poeta Elmar Carvalho
Cunha e Silva Filho
Caro leitor, saindo da formalidade de alguns artigos,
crônicas, traduções ou mesmo ensaios, me veio à mente a oportunidade de tecer
alguns comentários sobre o meu amigo, Elmar Carvalho, poeta nascido em Campo
Maior, estado do Piauí. Agora, depois de
um longo período de atividades exercidas na vida, se aposenta como juiz de
direito, merecendo, pois, seu otium cum dignitatem.
Acompanhei grande
parte de sua produção poética. Resta, aqui, desejar-lhe que, a propósito de um texto
que escreveu em seu blog de título “Enfim, a aposentadoria” (Blog do poeta
Elmar Carvalho), onde manifesta, no final, o interesse de poder, com o tempo maior
que lhe vem, agora, livre dos compromissos e horários da magistratura, dedicar-se
à condição de escritor e, quem sabe, retomar o entusiasmo de produzir poesia
como nos velhos tempos da juventude e da mocidade.
Aos 58 anos, podemos
dizer, ainda moço, tem muito chão pela frente. Há algum tempo, vem escrevendo uma
obra a que deu o título de Diário incontínuo (a citada crônica faz parte dessa
obra), no qual vem reunindo um pouco de tudo, do passado e do presente, uma
espécie de “baú de tudo,” onde cabem a crônica, a ficção, o memorialismo e
sobretudo reflexões sobre homens, paisagens, bichos, a natureza,
as histórias vividas ou inventadas na cidade ou no campo,
narradas com limpidez estilística, com um certo
acento de sabor clássico de algumas expressões
usadas nos seus textos, com relatos
de natureza sobrenatural, com
relatos de fundo onírico.
Todas essa narrativas ou relatos se referem a temática piauiense, se não incorro em erro.
O melhor disso
tudo é que Elmar escreve praticamente tudo que lhe vem das andanças por dever
do oficio. E, ao passar-lhe pelos olhos tão diferentes lugares, tantas
variedades de costumes interioranos, de seres humanos variados, de situações dramáticas,
ou até jocosas, esse material ele o transforma em prosa bem cuidada, com
domínio dos seus recursos de forma e linguagem. Não foi sem motivo que, uma
vez, denominei seu estro de ‘voz poética, histórica e geográfica do Piauí. ’
(Ver meu texto “Encontro, poesia e vida”, apud CARVALHO, Elmar. Rosa dos ventos
gerais. 2 ed. Teresina: SEGRAJUS, 2002,
p. 17-20), incluído como uma das
introduções desse livro. Para não me alongar, vejamos os comentários, em forma
de carta, já anunciados no início deste texto:
Estimado amigo Elmar Carvalho:
Ainda me lembro do meu primeiro encontro com V. em Amarante.
Era o ano de 1990. Data para mim sempre repassada de alguma tristeza, pois foi
naquele ano que para aquela cidade me dirigi com familiares a fim de visitar a
sepultura de Cunha e Silva, meu pai. Foi o encontro da crítica com a poesia,
encontro, sim, porque, de certa maneira, para mim poesia e crítica se
complementam. Foi um encontro feliz regido pelo mero acaso das circunstâncias
da vida terrena.
Quando lhe perguntei pelo nome, V. me respondeu: "Elmar
Carvalho." Lhe disse na época que tinha nome de poeta, talvez por associar
a sílaba "El" à "mar", que, para meus ouvidos, me soam
liricamente, ou seja, a natureza simbolizada pelo significante/significado
"mar" sempre me recorda o apego de alguns poetas ao mar, às ondas, à
força da natureza, bela e por vezes desafiadora. Camões, Fernando Pessoa, Vicente de Carvalho.
O encontro foi duradouro, permanece até hoje, em outra época,
a da pressa, das virtuais formas de comunicação. Porém, o verdadeiro encontro
foi com a sua poesia, uma vez que é no domínio estético que os espíritos mais
se identificam e se entendem, mesmo no silêncio, mesmo na distância. E a poesia
sua me disse o que V. talvez não me pudesse dizer no ramerrão da vida apressada
e avassaladora de tempos pós-modernos.
Li toda a sua poesia que me chegou às mãos vibrei com alguns
poemas seus e, de alguma forma, me tornei seu crítico, ou, pelo menos, quem
mais tenha escrito sobre o que produziu.
Reafirmo-lhe que logo senti em V. a força da poesia, tanto na
expressividade das metáforas, quanto na originalidade dos ritmos, das
aliterações, no jogo complexo da linguagem poética, sempre formulada com o
suporte técnico, experimental do fazer poético com a sensibilidade de nos
mostrar que se ama a natureza, a geografia poética, os fatos históricos,
através da comunicação poética. E, durante os anos de maior fervor de produzir
poesia, V. deu muito de si e procurou a companhia das musas por direito do
talento e da preparação para esse gênero literário, quiçá o mais importante de
todos porquanto é na poesia que se dá o encontro com o visível e o invisível,
com a imagem e as virtualidades, com a existência humana e suas contradições e,
sobretudo, com o encontro final, em vida, que é um ajuste de contas com o mundo
das palavras pelas palavras, pelo que possam dizer ou ocultar, afirmar e negar,
e até mesmo exprimir o indizível, o que, no caso, a leva ao hermetismo, ao
puramente estético. A leitura poética não é conduzir o leitor a conhecer uma
história, a mas a pensar os sentidos das palavras, ou as formas (metafóricas)
de tentar entender o mundo, os seres e sobretudo a magia da linguagem e dos
sons tão próximos da música.
Fico feliz porque cumpriu, na vida pessoal, as funções que
exerceu e o seu texto rememorativo o faz com a elegância e a dignidade de um
escritor que sabe respeitar-se e respeitar seus pares.
Um abraço do
Cunha e Silva Filho
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