Isótopo Césio-137 ou Jesus Cristo?
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Dezembro de
confraternizações e euforia comercial. Espírito natalino de festejar Jesus se
concentra, paradoxalmente, no figurino lojista de papai noel. A indústria do
visual e dos belos presentes encanta, mas confunde e entorpece o exercício do
transcendental e invisível. O espírito natalino transforma-se pó descartável e
venenoso. Então me vem à lembrança o isótopo Césio-137, que vitimou centenas de
incautos e desinformados.
13 de
setembro de 1987, Goiânia, Goiás. Dois caçadores de lixo vasculhavam as antigas
instalações do Instituto Goiano de Radioterapia (também chamado de Santa Casa
de Misericórdia), no centro de Goiânia. Os caçadores se depararam com um velho
aparelho de radioterapia abandonado. Levaram o equipamento em um carrinho de
mão. Desmontaram o aparelho e venderam as peças em oficinas de ferros velhos da
cidade. Não tinham a mínima ideia do perigo a que se expunham.
Nem tudo
que resplandece e parece sobrenatural é divino, mas maligno e mortal. Devair
Alves Ferreira comprou o resto da máquina, desmontou-a. Encantou-se com pequena
porção de um produto que, no escuro, brilhava, irradiando coloração azul.
Devair não sabia o perigo a que estava se expondo, manipulando apenas 20 gramas
de isótopo de cloreto de césio-137, um pó branco parecido com sal de cozinha.
Resolveu exibir o achado aos familiares e vizinhos. Todos acreditavam tratar-se
de algo sobrenatural. Passavam o produto nos braços. O pó que resplandecia e
parecia sobrenatural espalhou-se em grande área da população. Os dois caçadores
também foram expostos ao césio-137 e contaminaram dezenas de pessoas.
Encantamento geral.
Em uma
semana, apareceram as primeiras vítimas da contaminação, com vômitos, náuseas,
diarreias, tonturas. Médicos descobriram que se tratava de Síndrome Aguda de
Radiação. Só no dia 29 de outubro de 1987, a esposa de Devair levou o
equipamento à sede da Vigilância Sanitária, que constatou a existência de
material radioativo. Físicos nucleares compareceram à cidade. Colheram roupas
das vítimas, terra e objetos do local, tudo que manifestava efeitos da radiação
atômica. Já era tarde. Mortes ocorriam. Devair, a filha e sua esposa
faleceram. Dezenas de mortes. Outras
vítimas adquiriam câncer. Montou-se um lixão de material atômico de 6 mil
toneladas de roupas, utensílios, materiais de construção e ferramentas em 2.900
tambores e contêineres revestidos de concreto, que durarão 180 anos de
descontaminação. O césio-137 causou um dos maiores desastres radioativos do
planeta. E, olhe, com apenas 20 gramas de césio-137.
A todo
instante, em todo mundo, cristãos repetem a ceia de Jesus Cristo: Isto é o meu corpo
... meu sangue ... comei, bebei. Fazei isto em memória de mim ... estarei
convosco... Uma pequena porção de pão e vinho, milagrosa presença de Cristo. Difícil entender ou
aceitar tamanha irradiação divina. No entanto, contam-se histórias fantásticas
de quem tocou, comeu e bebeu a pequena porção milagrosa, que já curou muita
gente de males, especialmente do espírito.
Coisas tão
fugazes e transitórias, como presente de um celular ou vidro de perfume, nos
fascinam tanto quanto a translucidez de um césio-137. Nem sabemos distinguir o
que acumulamos, se nos seduz para a verdadeira felicidade. Desculpe a analogia,
o espírito natalino exige escolha mais significativa, talvez em forma de
pequena porção que não seja cloreto de césio-137, mas partícula de pão e
gotículas de vinho sagrados. O espírito natalino precisa se encantar com Jesus
Cristo e descartar papai noel, reluzente, mas falso.
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