Oh abre alas, que eu quero passar
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Antes de a maior festa coletiva do
Brasil começar, que tal um passeio ao passado? Afinal, em se tratando de
qualidade musical, carnavais antigos dão ainda de letra na mediocridade atual e
continuam a encantar foliões e apreciadores do belo artístico. Velhas
marchinhas que seduzem, em momento em que só restam rebolados regados a
bebedeira, erotismo e refrãos insossos.
Iniciemos por
Chiquinha Gonzaga (1847-1935), filha de escrava com general do império, que a
adotou e a privilegiou com educação aristocrática: afilhada de Duque de Caxias,
aluna de famosos professores, entre os quais Maestro Lobo. Chiquinha Gonzaga ou
Francisca Edwiges Neves Gonzaga estudou e compôs músicas, a partir dos 11 anos.
Pianista, Chiquinha produziu sambas, polcas e choros, regeu orquestra. Mulher
avançada para seu tempo de cultura machista e preconceituosa. A mulata
pesquisava suas raízes musicais em contato com escravos. Casada com almirante,
separou-se, anos depois, um escândalo para época. Aos 52 anos, apaixonou-se por
aluno de música de 16 anos. Para fugir à rejeição da família e da sociedade,
adotou-o como filho, ambos apaixonadamente perdidos, tiveram filhos.
Em
1899, Chiquinha Gonzaga compôs a primeira música carnavalesca, o celebre Ó ABRE
ALAS, QUE EU QUERO PASSAR/ Eu sou Lira/Não posso negar/Ó abre alas/Que eu quero
passar/Rosa de Ouro/É quem vai ganhar. Canção composta para o cordão
carnavalesco Rosa de Ouro. Muitas outras composições de Chiquinha
popularizaram-se, graças à adaptação das mesmas a instrumentos menos
aristocráticos que piano. Chiquinha tocava em saraus do Catete, ritmos
populares que sofriam críticas da sociedade, que não aceitava vulgaridades
artísticas em ambiente nobre. O presidente Hermes Lima acatava, porém, o gosto
de sua esposa, amiga de
Chiquinha Gonzaga.
Marchinhas de carnaval, depois de Chiquinha Gonzaga, caíam na boca do
povo, esquentavam salões de clubes sociais, dão, até hoje, audiência às rádios,
neste período. Lembro-me bem da obra-prima de Zé Kéti, MÁSCARA NEGRA (Tanto
riso/ Oh quanta alegria/ Mais de mil palhaços no salão/ Alecrim está chorando
pelo amor de Combina/ No meio da multidão/ Foi bom te ver outra vez/Tá fazendo
um ano/Foi no carnaval que passou/Eu sou aquele pierrô/Que te abraçou/Que te
beijou, meu amor/A mesma máscara negra/Que esconde o teu rosto/Eu quero matar a
saudade). A canção estourou no final dos anos de 1960. Tantas e tantas que
pipocavam, a partir do réveillon, até chegar o carnaval, vendidas aos montes e
decoradas à exaustão: Mamãe, eu quero; Cidade Maravilhosa; A Banda; Atrás do
trio elétrico; Chiquita bacana; Tomara que chova três dias sem parar; Alá laô,
mas que calor, ôôô; Acorda Maria bonita...
Carnaval,
origem pagã, depois adaptada ao espírito cristão de alegria, comes-e-bebes com
racionalidade. Caro Valet, vai-te carne,
carnaval, porque, depois de três dias, vem o período quaresmal de jejuns e
reflexões. Queira Deus que a indisciplina carnavalesca não reviva o império
romano da comilança, que desembocava nos vomitórios construídos nos salões
nobres. Uma farra que encurtava vários anos de vida. E pode se repetir.
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