A saudável leitura dos gibis
José Pedro Araújo (*)
Sem querer polemizar com ninguém, sobretudo com aqueles que
acham que a leitura de revistas em quadrinhos mais atrapalha do ajuda a
criançada, acredito fortemente que o gosto que tenho hoje pela leitura adveio
das minhas revistinhas e livretos de aventura. Posso afiançar mesmo que gostava
muito, e ainda gosto, pois continuo lendo todo e qualquer gibi que me cai nas
mãos. Atrai-me o cheiro de tinta fresca que emana das publicações novas. Não
dispenso um bom gibi, pois também evoca lembranças que permaneciam escondidas
no mais recôndito espaço da minha memória. Hoje, a leitura de um bom livro tem
uma importância fundamental na minha vida. Eu diria até que é a minha principal
forma de diversão. É através deles que faço viagens memoráveis pelo mundo
inteiro sem sair da poltrona da minha sala. E a preços módicos. Por
conseguinte, a boa leitura é uma viagem sem o cansaço e sem os custos das que
fazemos quando visitamos outras regiões ou outros países.
Tudo isso começou quando me deparei com a primeira revistinha
do Pato Donald. Encantei-me com a história singela daquele estabanado bípede
emplumado e suas peripécias incontáveis para ganhar o coração da sua amada, a
charmosa pata Margarida. Depois vieram as revistas do Mickey e do Pateta, as do
Zé Carioca e do Tio Patinhas. Com o tempo, avancei para as de Cowboy, editadas
pela EBAL. Depois, misturei tudo. Vieram a do Zorro, o cavaleiro solitário (Não
o de capa e espada, mas o Lone Ranger) e Tonto, David Crockett, Judas, Tarzan,
Roy Rogers, Juvenil Mensal – com ídolos como Buck Jones, Tim Holt e Tom Mix.
Também transitei por outras HQs como Nevada Kid, Chacal, Epopéia Tri, Durango
Kid e, a principal delas, Tex Willer. Tex, aliás, é uma legenda. Revista italiana
criada pelo roteirista Gian Luigi Bonelli e pelo desenhista Gallep, ainda hoje
pode ser encontrada nas bancas. Existe em todo mundo uma verdadeira legião de
leitores que não permitem que ela desapareça como aconteceu com a maioria dos
quadrinhos que citamos atrás. Eu me incluo entre esses leitores que nas horas
vagas relaxam da dureza da vida apreciando as correrias de Tex Willer, Kit
Carson, Kit Willer e Jack Tigre, contra bandoleiros sanguinários e índios em pé
de guerra.
Aventura também era conseguir alguma dessas revistas para
ler. À falta de uma banca de revistas no nosso velho e querido Curador,
recorríamos a parentes e amigos em viagem para Teresina, São Luís ou Fortaleza,
para lhes pedir que comprasse para nós alguma das revistinhas de que mais gostávamos.
Deixávamos de gastar os poucos trocados que conseguíamos juntar em outras
coisas para poder ter em mãos um desses livretos mágicos que tanto nos
encantava.
Para superar a falta de uma banca de revistas na cidade, um
grupo de leitores organizou um sistema de trocas que funcionava
maravilhosamente bem. Funcionava assim: Ao término da leitura de uma nova
revista, partíamos em busca de algum colega para lhe propor uma troca por outra
ainda não lida. Nesse sistema, as revistas nunca eram emprestadas, somente
trocadas. Depois, lida aquela segunda revista, recorríamos a outro colega para
trocá-la por outro exemplar inédito. E assim, a revista que havíamos comprado
se transformava em várias outras, multiplicando o nosso suado dinheirinho.
Desgosto maior mesmo somente quando sabíamos que alguma nova
revista ia fazer parte da coleção que um leitor estava organizando. Ai, adeus!
Era pouco provável que aquele exemplar viesse a ser movimentado na nossa rede
de trocas. Os colecionadores não nos davam nenhuma chance de vir a ler aquela
revista tão ansiada.
Guardo boas recordações daqueles tempos. Ler uma revista em
quadrinhos é um ato de profunda concentração. Concentração na história,
concentração nos detalhes dos desenhos e, principalmente, concentração no
desfecho da trama. São histórias simples e que não podem ser comparadas à de um
bom romance, é bem verdade. Mas, elas têm o seu charme, a sua beleza plástica,
pois engloba a criatividade do roteirista com a arte do desenhista. Talvez
esteja na simplicidade e pureza da história, o seu maior chamariz, a sua
principal atração. Todavia, e sem a mínima dúvida, está na afirmação do hábito
da leitura a sua principal vantagem.
(*) Servidor público federal, historiador e escritor.
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