terça-feira, 5 de maio de 2015

Insaciável cobiça de poder e consumo


Insaciável cobiça de poder e consumo

José Maria Vasconcelos

            Se se tratasse de mentira ou exagero, eu desligaria imediatamente o rádio do carro ou mudaria de estação. Dois jornalistas comentavam sobre a trajetória da política piauiense, desde décadas atrás, a se perpetuar no poder, de bisavô, avô, netos, bisnetos, filhos, sobrinhos, primos. Uma dinastia a se apropriar de verbas, cargos, envolvimento em mapismo. Exatamente quando eu trafegava em frente ao Palácio do Karnak. Pouco mais adiante, o templo de São Benedito, santo negro franciscano e despojado, a estátua entre duas torres.

         Da minha infância na Piçarra, não me fogem à memória o sagrado hábito de assistir a missa, aos domingos. Meus pais Martinho e Dedé levavam-nos à Igreja de São Raimundo Nonato. À tarde, não podia faltar ao catecismo. Não consigo esquecer os dez mandamentos da Lei de Deus, o paradigma da plena felicidade neste mundo e a certeza do reino eterno. Décimo mandamento: “Não cobiçar as coisas alheias. Nem casa, nem mulher, nem boi...” Sétimo: “Não roubar”. Nono: “Não cometer adultério”. Aposto que poucos saibam recitá-los de cor e exercitá-los onde estiver, inclusive entgre quatro paredes, dissimulando  a vigilância da consciência divina. Escolho o último mandamento, por escancarar perverso cancro que arruína a saúde física e mental de muita gente.

         A cobiça consiste no voraz apetite de enriquecimento e poder, custe o que custar, inclusive puxar o tapete de concorrentes. Cobiça, faro de inveja e aniquilamento do próximo. Sacrifica-se a própria moral, relações familiares, casamento, amizades, por um par de pernas roliças, falcatruas com dinheiro público, desvios de conduta em geral.

         Há vinte séculos, apóstolo Paulo escrevia ao amigo Timóteo: “Os homens que almejam enriquecimento expõem-se a tentações. Caem em armadilhas, diante de toda espécie de desejos.”

         O ambicioso nunca se contenta com o que tem. Cobiça sempre o que outros têm. Esfolam-se para trocar o carro por outro igual ou melhor do amigo, casa, utensílios, até o cônjuge alheio. Frequentam e patrocinam banquetes e eventos vips. Torram cartões de crédito, por inveja, exibicionismo, culto ao social, ao grupo de damas do terço regado mesquinha fé e indomáveis interesses.

         Metas e objetivos incorporam ambições naturais e proporcionam prazer de viver. A cobiça, entretanto, alcança extremos tresloucados, como a de Renê Rocha, cinquentão pobre, diabético, pernas amputadas, preso a uma cadeira de rodas. Sorteado em 52 milhões de reais da mega sena, logo se apaixonou por uma bela garota, 25 anos mais jovem, namoro de duas semanas, casamento de arromba. Dias depois, assassinado. A mulher abocanhou metade da fortuna e a liberdade na Justiça.

         Sedução desvairada por conquistas materiais não traz felicidade plena, só insatisfações, no final. Clínicas entopem-se de pacientes vítimas de estresse, úlceras, gastrite, câncer e desajustados. A medicina, muito bem, bota sempre a culpa na falta de atividade física, nas viroses, na alimentação. Pouco vai ao fundo da alma, do espírito perturbado de cobiça, das conquistas sem mérito, do ódios, inveja, carência afetiva. Parece que falta a receita milagrosa do décimo mandamento. De costas para o palácio dos poderosos, de frente para o exemplo do despojado São Benedito.    

2 comentários:

  1. Texto profundamente relacionado com os dias que estamos vivendo. A vaidade excessiva, o apego aos bens materiais e a total incapacidade crítica, tem levado grande quantidade de pessoas ao abismo. Pobre gente rica!

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  2. Ao comentário acima, acrescento: e a ganância por cargos e poder, sem o necessário desejo de realmente servir, e não de ser servido e de se cevar nas tetas do erário ou cofre público.

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