Cunha e Silva Filho
Um amigo, arguto
ensaísta e leitor voraz (sou testemunha
de sua grande capacidade
de ler muito e continuadamente), nascido, na Bahia, conversando
comigo pelo telefone sobre literatura, projetos de escritor, vida de escritor, subitamente
comentou que um seu colega ou amigo havia desistido da literatura. Ficara decepcionado, desestimulado, triste, enfim, com
os grandes espinhos que pontilham
a travessia de quem se decide a ser escritor no
Brasil.
O amigo, antes tão
entusiasmado com a vida
literária, com toda a sua
longa quilometragem de
leituras, de dedicação
à área, finalmente deu um adeus, não às armas, mas às letras. Adeus definitivo, não sei, mas adeus. Foi o que meu amigo ensaísta
me contou.
Estranho essa
atitude que, por vezes, ocorre a quem escreve e deixa a
caminhada beletrista no meio do caminho ou até mesmo no início do caminho. As razões que o levaram
a tomar
esta decisão não sei quais
foram.Tampouco sei se foram informadas
ao meu amigo ensaísta.
Um ato extremo
desses me leva a procurar os
fundamentos da decisão drástica. Na
história da literatura brasileira, não são muitos os que desistem
da vida de escritor, ou
seja, da vontade de continuar produzindo independente de ser
ou não aceito pela crítica e pelo público. Tomemos o exemplo de Raduan Nassar, o
consagrado autor de Lavoura arcaica (romance,1975), Um copo de cólera
(novela,1978) e Menina a caminho (1994).
O escritor não mais escreveu.. Preferiu outra atividade alheia à criação artística. Ressalta encarecer que esse
ficcionista foi muito premiado,
traduzido para outras línguas, ou seja,
tinha tudo para dar continuidade à sua produção. Preferiu, no entanto,
abandonar a literatura, a celebridade,
para morar num sítio de sua cidade
natal, Pindorama, São Paulo, onde nasceu em 1935 e, em seguida, fixar residência em Buri, interior de São Paulo.
Entretanto, o tema me instiga a aprofundar minhas
reflexões, quer dizer, o que na realidade
leva um escritor a mudar o rumo
de uma atividade criativa, seja
na poesia, seja na ficção, seja
no teatro? Creio que isso mais acontece no campo da literatura,
mas não tenho conhecimento de que essa ruptura com a arte da palavra se dê também em outros campos da vida artística,
na escultura, pintura, na dança,
na música, na arte cênica, no
cinema.
Vou arriscar algumas
razões de uma decisão deste
porte. Uma delas seria o
desestímulo de que se vê cercado o
escritor, querendo afirmar com isso que
este precisa, como qualquer outro artista ou mesmo indivíduos
de outras profissões, de
reconhecimento, de ter alguma
certeza de que sua obra é válida, tem
qualidades, merece ser lida. A
não-constatação disso talvez seja um dos
motivos básicos que conduzam
o autor a desistir de si mesmo
como personalidade artística, e a
de seguir outro curso
de vida produtiva.
Uma segunda razão é
a competitividade que, hoje mais do que antigamente, enfrenta um
escritor na sua área de produção. Competitividade - diga-se melhor
-, em virtude de que no
mundo de hoje o número de escritores em todos os gêneros, aumentou
assombrosamente, com o agravante de que, no exemplo dos
ficcionista, os ensaísta, críticos e
teóricos, também se enveredam pelo
universo ficcionistas. Ora, esta situação aumenta ainda mais o número de escritores não só no país mas no mundo inteiro.Tem-se a impressão de que todo mundo quer ser
ficcionista, sobretudo os já
possuem grande visibilidade no
seu campo específico não-ficcional.
Vasto é o mundo, diria Carlos Drummond de Andrade( 1902-1987)),
e o
escritor espantado com esse cenário regional, nacional e mundial se sente
diminuto, impotente, como se
fora um pingo de areia no oceano
da imaginação criadora.
Em geral, pode-se
adiantar, ensaísta e teóricos
podem produzir obra
ficcional que não vingam, porque,
muitas vezes, não passam de projetos
fertilizados com arcabouço teórico,
numa estratégia bem diferente
dos escritores de talento
indiscutível. Há quem possa apresentar
argumentos até fortes, como, por exemplo, Machado de Assis (1839-1908)).Contudo, se a crítica
que escreveu Machado é boa, ele
não se distinguiu
soberanamente neste gênero, nem
tampouco na grande poesia,
mas na ficção apenas, que o consagrou
até nosso dias.
Uma outra razão da
desistência está vinculada
diretamente ao mercado
editorial, aos interesses
do lucro, às acomodações que se obrigam a fazer
os escritores sem público e
sem nome. Diante disso, como
enfrentar os obstáculos vários do mundo da publicação, das editoras
que necessitam de vender seus
estoques e, portanto, se sustentam
e se mantêm com o indispensável sucesso dos livros que lhes passaram pelo crivo,
quer subjetivo, quer objetivo,
de seus editores?
Quem apostaria num
desconhecido ainda que tivesse
valor a sua obra? A não ser nos
casos de autores consagrados nos seus diversos gêneros (aqui
incluindo até os chamados
grandes poetas), os quais têm ainda
fácil acesso a republicações de suas obras, que
espaço teriam os
anônimos e numerosos escritores de todos os gêneros com seu
livros encalhados e sem
perspectivas de um salto para o
reconhecimento.
É nesse ponto que vejo mais um
motivo da desistência.Todavia,
alguns teimosos, novos ou velhos, continuam resistindo
aos solavancos da
indiferença pela suas obras, pelos seus
possíveis méritos.Na minha
opinião, são verdadeiros heróis na adversidade de seus ideais. Não os reprovo
por serem assim. Afinal, eles
ainda acreditam que, a despeito de tudo,
persistem como Sísifos na vida
literária, ainda que de certa forma anônima.
A dificuldade de ser
bem acolhido, os óbices para ser
editado, o gigantismo da competição, a
indiferença dos editores, o cansaço
que faz parte da vida de quem
escreve, os gastos com as compra de livros novos
para atualização, entre outros fatores de desestímulos, concorrem seriamente
para que alguns desistam da
vida de escritor e se encaminhem para o isolamento coberto de
frustrações e mágoas.
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