sábado, 5 de dezembro de 2015

Navio do Sal...E os pesadelos continuam


Navio do Sal...E os pesadelos continuam

José Maria Vasconcelos 
Cronista, josemaria001@hotmail.com

A tentação de poder e egolatria vem da primeira civilização humana, metaforizada num casal, em mundo paradisíaco, por saborear o fruto proibido de se igualar ao divino. A história humana continua a mesma, plasmada de sonhos malucos, à custa do suor e sangue de inocentes, na construção de pirâmides, fortalezas, muralhas chinesas, mausoléus, jardins suspensos e confrontos bélicos. Piauí, também, tem pesadelos feitos de Navio do Sal, Porto de Luís Correia, Centro de Convenções, Rodoanel, estripulias tantas.

Noite de maio de 1988, à beira do cais, rojões fogueteavam, repórteres e câmeras de televisão registravam a multidão eufórica aguardava a chegada do Navio do Sal. Mal atravessou a Ponte Metálica, o monstro iluminado rompia a escuridão, lotado de autoridades militares e políticos, soltava surdos roncos. Canhões pirotécnicos iluminavam o céu, refletindo sobre as águas do Parnaíba.

O cerimonial de desembarque seguiu, rigorosamente, as praxes militares, continências, palavra do governador Alberto Silva. Tomás Teixeira, fidelidade canina ao  governador, exaltava, ao microfone, “o novo capítulo da história do Piauí”.

Alberto Silva, um engenheiro com ideias geniais - para muita gente, loucas, cujo mérito despertava na população enorme autoestima.

Na década de 1960, o Piauí envergonhava, pelas avenidas sem asfalto e escuras, praças abandonadas da capital. O estado sofria a pior chacota nacional, publicada pela famosa revista Realidade: “Visite o Piauí antes que acabe”. Alberto Silva, no primeiro governo, conseguiu, com apoio de entusiasmados representantes do estado, no governo da ditadura militar, alavancar o estado, especialmente a autoestima da população. Urbanizou e iluminou a capital, construiu obras como o metrô e o Hospital Evangelina Rosa.

Tirar as dezenas de obras do governo Alberto Silva, sobra pouca coisa. Fez bocado de besteiras, tangido por sonhos malucos que não resultaram em nada, como a engenhoca Globinho, de aço, um horror pedagógico; o arranca toco, sem pé nem cabeça tecnológica; fontes luminosas nas praças da capital, que só serviam para deleite de crianças de rua; o Porto de Luís Correia, inacabado, que só avançou em pedras e verbas públicas desviadas, hoje com lâmina d’água de um metro de fundo; o Navio do Sal (ou Barca do Sal).


À beira do cais do Parnaíba, eu assistia à chegada do Navio do Sal, arrastado, na marra, desde o litoral, sobre bancos de areia. Nem lembrava outro navio, bem maior, cheinho de convocados para a Guerra do Paraguai, século 19, partia, depois da missa e despedidas na Igreja do Amparo. O rio Parnaíba do passado aguentava embarcações pesadas, desde Amarante ao litoral. Hoje, anêmico, assoreado, imundo, mais de cinquenta esgotos, só em Teresina, vomitam porcarias no Velho Monge. Alberto Silva e outros que o precederam perderam a chance de ouvir os clamores mais urgentes da população e da natureza, reflexo do ancestral pecado da egolatria, presunção e poder. E o povo, tadinho, permanece, à beira do cais, a ver navio.  

Um comentário:

  1. Difícil, ainda hoje, engolir tanta fanfarronice. Tinha que haver algo mais por trás da história da construção dessas barcas de ferro pesadíssimas, e com nome de navio.Um homem inteligente como Alberto Silva tinha que saber que uma embarcação tem que se adequar ao rio, e não o contrário. Não fui à beira-rio esperar pelo que não poderia dar certo. Não fui também ver os japoneses trazidos até aqui, a peso de ouro, enterrar toras de madeira para melhorar a profundidade do rio. Tivessem tido o cuidado de ler o trabalho do engenheiro Gustavo Dodt, feito ainda no século XIX, teriam aprendido que o Parnaíba é um caso raro de rio largo para pouca água, entre outras coisas. Lá ele ainda diz que para aprofundar o seu leito seria necessário estreitá-lo em alguns locais, adequando o seu volume à sua largura.

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