Navio do Sal...E os pesadelos
continuam
José Maria Vasconcelos
Cronista,
josemaria001@hotmail.com
A tentação de poder e egolatria
vem da primeira civilização humana, metaforizada num casal, em mundo
paradisíaco, por saborear o fruto proibido de se igualar ao divino. A história
humana continua a mesma, plasmada de sonhos malucos, à custa do suor e sangue
de inocentes, na construção de pirâmides, fortalezas, muralhas chinesas,
mausoléus, jardins suspensos e confrontos bélicos. Piauí, também, tem pesadelos
feitos de Navio do Sal, Porto de Luís Correia, Centro de Convenções, Rodoanel,
estripulias tantas.
Noite de maio de 1988, à beira do
cais, rojões fogueteavam, repórteres e câmeras de televisão registravam a
multidão eufórica aguardava a chegada do Navio do Sal. Mal atravessou a Ponte
Metálica, o monstro iluminado rompia a escuridão, lotado de autoridades
militares e políticos, soltava surdos roncos. Canhões pirotécnicos iluminavam o
céu, refletindo sobre as águas do Parnaíba.
O cerimonial de desembarque
seguiu, rigorosamente, as praxes militares, continências, palavra do governador
Alberto Silva. Tomás Teixeira, fidelidade canina ao governador, exaltava, ao microfone, “o novo
capítulo da história do Piauí”.
Alberto Silva, um engenheiro com
ideias geniais - para muita gente, loucas, cujo mérito despertava na população
enorme autoestima.
Na década de 1960, o Piauí
envergonhava, pelas avenidas sem asfalto e escuras, praças abandonadas da
capital. O estado sofria a pior chacota nacional, publicada pela famosa revista
Realidade: “Visite o Piauí antes que acabe”. Alberto Silva, no primeiro
governo, conseguiu, com apoio de entusiasmados representantes do estado, no
governo da ditadura militar, alavancar o estado, especialmente a autoestima da
população. Urbanizou e iluminou a capital, construiu obras como o metrô e o
Hospital Evangelina Rosa.
Tirar as dezenas de obras do
governo Alberto Silva, sobra pouca coisa. Fez bocado de besteiras, tangido por
sonhos malucos que não resultaram em nada, como a engenhoca Globinho, de aço,
um horror pedagógico; o arranca toco, sem pé nem cabeça tecnológica; fontes
luminosas nas praças da capital, que só serviam para deleite de crianças de
rua; o Porto de Luís Correia, inacabado, que só avançou em pedras e verbas
públicas desviadas, hoje com lâmina d’água de um metro de fundo; o Navio do Sal
(ou Barca do Sal).
À beira do cais do Parnaíba, eu
assistia à chegada do Navio do Sal, arrastado, na marra, desde o litoral, sobre
bancos de areia. Nem lembrava outro navio, bem maior, cheinho de convocados
para a Guerra do Paraguai, século 19, partia, depois da missa e despedidas na
Igreja do Amparo. O rio Parnaíba do passado aguentava embarcações pesadas,
desde Amarante ao litoral. Hoje, anêmico, assoreado, imundo, mais de cinquenta
esgotos, só em Teresina, vomitam porcarias no Velho Monge. Alberto Silva e
outros que o precederam perderam a chance de ouvir os clamores mais urgentes da
população e da natureza, reflexo do ancestral pecado da egolatria, presunção e
poder. E o povo, tadinho, permanece, à beira do cais, a ver navio.
Difícil, ainda hoje, engolir tanta fanfarronice. Tinha que haver algo mais por trás da história da construção dessas barcas de ferro pesadíssimas, e com nome de navio.Um homem inteligente como Alberto Silva tinha que saber que uma embarcação tem que se adequar ao rio, e não o contrário. Não fui à beira-rio esperar pelo que não poderia dar certo. Não fui também ver os japoneses trazidos até aqui, a peso de ouro, enterrar toras de madeira para melhorar a profundidade do rio. Tivessem tido o cuidado de ler o trabalho do engenheiro Gustavo Dodt, feito ainda no século XIX, teriam aprendido que o Parnaíba é um caso raro de rio largo para pouca água, entre outras coisas. Lá ele ainda diz que para aprofundar o seu leito seria necessário estreitá-lo em alguns locais, adequando o seu volume à sua largura.
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