NOS SEBOS DO RIO DE JANEIRO
Cunha e Silva Filho
Na segunda metade dos anos 1960, época em que iniciara a graduação em Letras,
comecei a frequentar os sebos cariocas.
No Rio havia, então, muitos e muitos sebos espalhados,
principalmente pelas ruas do Centro. O
número era tão grande que dois professores da UFRJ, publicaram duas obras informativas
acerca desses sebos. A primeira
foi a do professor de literatura brasileira,
Wellington de Almeida Santos, que foi meu orientador no Mestrado. O opúsculo foi lançado justamente em 1991, quando era seu
aluno. Tem por título Guia comentado dos sebos do Rio de Janeiro
(Rio de Janeiro:UFRJ, 1992, 38 p.).
Este Guia é precedido de uma
elucidativa “Apresentação,” na qual aquele professor dá as razões da organização do livrinho. E, o mais curioso é que,
pela primeira vez tomei conhecimento
do termo “sebo” para significar livro antigo destinado à venda.
Assim, o professor Wellington,
recorrendo à informação contida no livro
de Memórias do Visconde de Taunay, faz uma pequena citação que esclarece esse ponto. Os antigos vendedores de livros
usados eram chamados de “caga-sebo.”
Eles eram os mais antigos livreiros
desse comércio de livros. Taunay,
portanto, registrou esse primeiro
vendedor, entretanto, não nos falou
do nome dele, apenas acena para a data em que ocorreu o fato histórico, que é o ano de 1856.
Mais adiante, o professor Wellington, estendendo suas observações, acresce ainda
que, com o tempo, a forma composta “caga-sebo’ reduziu-se, por
eufemismo, ao termo “sebo.” Este,
sozinho, perde o sentido pejorativo da
primitiva forma composta.
Devo
anotar aqui que o pequeno livro
do meu ex-professor teve a
colaboração do professor e hoje membro da Academia Brasileira de Letras,
Antonio Carlos Secchin, também meu ex-professor de literatura brasileira no Doutorado.. Foi de Secchim que surgiu a ideia de
organizar uma publicação dessa natureza. De resto, o próprio Secchin,
posteriormente, lançou seu Guia de sebo das cidades do Rio de Janeiro e
de São Paulo ( Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
do Rio de Janeiro e São Paulo 4 ed.rev. e ampliada, 2003, 166 p.).
A edição de Secchim inclui ainda no
volume 15 cidades brasileiras. Além disso, a enriquece uma “Apresentação do
Editor” que, de forma erudita, dá
novas sentidos e origens ao termo
“sebo”. E mesmo ao composto “caga-sebo.”
O que, porém, mais me leva ao passado
de, pelo menos, 4 décadas, era o contentamento de, naqueles
tantos anos, entrar nos
sebos, ir até às prateleiras c cheiro de livro velho, ver as seções que me interessavam mais, ou seja, as que diziam respeito a línguas estrangeiras(algumas no
original), literatura brasileira, teoria literária, linguística, filologia, língua portuguesa,
língua inglesa, francesa, espanhola,
latina, de outras literaturas
ocidentais, de romances brasileiros sobretudo, de gramáticas
portuguesas.
Ficava encantado quando me deparava com
um a obra que me parecia de grande
utilidade aos meus estudos. Algumas eram verdadeiros achados. Como eram
mais baratos, não deixava de comprar uns três ou
quatro volumes sempre que dava uma passada naquele sebo
durante anos. Ainda guardo comigo várias
obras, algumas raras de se encontrarem hoje, a não ser se contarmos com a
sorte nas chamadas livrarias
virtuais.
Dos muitos sebos cariocas o que
mais visitei foi o que se
originou da Livraria São José, do antigo
proprietário, o livreiro conhecido
Carlos Ribeiro (ex-funcionário da velha Livraria Quaresma) junto com o seu sócio, Walter Alves
da Cunha, que depois se separaram.
A Livraria São José foi também, por algum tempo, editora. Em tempos que não os meus, a Livraria São José era um point famoso de
encontro de altos intelectuais cariocas
e de talentosos escritores
vindos de outras regiões do país, sobretudo do Norte e Nordeste.
Tempos de Manuel Bandeira,Carlos Drummond de Andrade, Cecília
Meireles, Gilberto Freyre Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, entre tantos outros.Até
escritores do porte de Ferreira de
Castro, Miguel Angel Astúrias ( prêmio
Nobel de Literatura), Neruda( também Nobel de Literatura). O local não era somente visitado por escritores,
jornalistas, cronistas, críticos, mas também por
presidentes da República,
políticos em evidência ..
Tempos também de memoráveis
lançamentos de livros de grandes
escritores brasileiros. A instalação da livraria São José se deu em 1939. Antes ela, abrigava
a antiga Livraria Briguiet. Nos anos 1980 a Livraria São José foi considerada como “o maior sebo da América Latina.” No seu apogeu(anos de 1947 a 1967), além da loja-matriz na Rua
São José, nº 38, a livraria dispunha de mais três lojas na mesma rua, nos números 40, 42 e 70.s..
Sendo a Livraria situada na própria Rua São José, desconfio de que a razão social do ramo de
livros se deve também por contiguidade e aproximação física com a bela Igreja
de São José, na qual meu filho Francisco Neto se casou. Aquele entorno no passado se chamava Morro do Castelo, o
qual foi demolido, sofrendo, com o tempo, completa modificação paisagístico-arquitetônica.
As lembranças da Livraria São José são do tempo em que conheci
um dos seus funcionários, o
Germano, que ali começou a trabalhar bem moço, como
funcionário do Carlos Ribeiro, citado
acima. Quem me apresentou ao
Germano foi a minha mulher, na época,
minha namorada. Era no tempo em que iniciara o meu curso de Letras.
Elza, que estudava química na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), da
antiga Universidade do Brasil, uma vez
foi apresentada ao Germano por outras colegas da Faculdade que já eram compradoras
da São José e muito bem
atendidas pelo Germano, vendedor
da preferência delas.
Os áureos tempos da São José foram declinando, Carlos Ribeiro faleceu. A
Livraria deu origem, mais tarde, ao sebo da São José. Carlos Ribeiro, afetivamente chamado de
“Carlinhos,” com o agravamento
financeiro da livraria e já com a saúde bem abalada em razão das péssimas
finanças da livraria, decidiu vendê-las
a seus ex-bons funcionários, sendo o
Germano um deles.Os outros dois
eram o Carlos dos Santos Ribeiro e o Adelbino de Marins Spíndola.
Em seguida, a Livraria passou à
condição privilegiada de ser um bom
sebo, mas não mais funcionava na
Rua São José. mudou-se, primeiro, para a
Rua do Carmo, bem perto do antigo endereço. Desse endereço,
após algum tempo, transferiu-se para a Rua 1º de Março, igualmente no Centro.
O sebo era mais especializado em obras jurídicas, mas tinha ainda um acervo
de muita importância nas seções
de línguas estrangeiras, didáticas ou não, dicionários de alta relevância, e um
número grande de obras em várias
literaturas.Em todo esse tempo, não
deixei de ir ao sebo São José.
Uma circunstância que não deveria
esquecer de comentar. Elza, ao referir-se ao Germano, sempre o chamava de Seu José, levada seguramente por associação de ideias e pela proximidade com o nome da antiga
Livraria São José. De tanto visitar ao sebo da São José, com o tempo estreitei amizade com o Germano que, além
disso, me fazia sempre um bom
desconto nas compras de livros.
Germano me contava, nos últimos anos,
que o aluguel da loja para o
funcionamento do sebo estava cada vez
mais caro com as mudanças econômicas havidas
no país e isso ia num crescendo a ponto de atingir situação ainda mais
delicada para destino das livrarias de sebos que começaram a fechar as portas de forma crescente.O curioso
é que não só os sebos sofreram os
embates de crise econômica, mas as próprias livrarias mais conhecidas que não vendiam livros
usados. Do Centro várias boas e excelentes livrarias fecharam as portas.
Germano teve que praticamente
interromper os negócios do sebo do último
endereço na 1º de Março. A
situação ficou insustentável. Vendeu o estoque quase por inteiro. Ficou apenas
com uma parte do acervo de livros
jurídicos, obras raras nessa área. Fez sua mudança novamente. Obrigado
pela crise, alugou umas salas pequenas na Rua da Quitanda, nº 67, Sala 402.
Germano, diante da grave crise dos sebos e mesmo do fechamento de grandes e luxuosas livrarias
do Centro, a fim de sobreviver,teve que
entrar no meio digital da venda de livros, associando-se ao conglomerado
chamado de Livraria Virtual.
O costume de ir aos sebos é bem antigo. Escritores, estudantes,
pessoas interessadas em cultura
habituaram-se às visitas nos
sebos.Acredito, porém, que hoje, com a
venda de livros usados via internet, os sebos ao vivo estão em franca
decadência., com baixas sensíveis nas vendas.
As vendas virtuais, segundo me
informaram, estão dando mais lucros,
Mudanças de tempos e de hábitos, ainda com a concorrência dos e-books, dos
downloads de livros nos tablets, nos celulares
de alta potência e complexidade.
Eu perguntaria a mim mesmo:
“Está satisfeito com isso? Não.” Sinto nostalgia? Sim.” Sobretudo do tempo de estudante de Letras e, depois, mesmo do tempo em que iniciara, muito jovem, o magistério.
Comprei muitos livros. Achava-os, naqueles tempos, mais baratos. Hoje, penso que os livros
usados se valorizaram e, por isso, são
mais caros, sobretudo algumas obras que ficaram
raras.
Não é só o prazer de comprar esses livros
usados que nos faz ir aos sebos. Há o prazer de encontrar uma obra que há tempos
procurávamos. Eureka!”Além disso, é agradável quando podemos travar um bom
relacionamento com o livreiro, principalmente quando ele tem bom humor, é
solícito, dá bons abatimentos que nos
contentam e, sem nenhuma dúvida, nos fazem ali sempre voltar com alegria.
Nos
apegamos às vezes a um sebo como foi o meu caso e o de minha família com
o do Germano. Não há como não visitá-lo a fim de verificarmos se o estoque
possui o que procuramos. O ideal seria se todos pudéssemos ter o mesmo sebo e desfrutar do convívio com o livreiro amigo e camarada,
além da felicidade de encontrar o livro desejado. Ah, velhos sebos de
outrora!
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