Missiva a um jovem poeta (*)
Elmar Carvalho
Com data do dia 20/10/2016, recebi o seu e-mail, com o
seguinte e sucinto conteúdo:
“Senhor Elmar lhe escrevo com sinceridade para pedir-lhe que
leia o material que lhe envio e me remeta um feedback. Tenho escrito poesias,
algo muito amador já que não sou tão versado nas letras, mas tenho um enorme
interesse em aprender mais sobre a escrita e suas artes, portanto tenho buscado
alguém que possa dividir conselhos sobre como tornar melhor o material que
tenho escrito, portanto lhe envio algumas de minhas poesias para que possas me
ajudar se assim for possível. Desde já agradeço.”
Tentarei respondê-lo.
Por e-mail, pedi a Ualace Costa, remetente do bilhete eletrônico,
que me dissesse a sua idade e a sua instrução formal, para que eu pudesse ter
uma ideia de como deveria formular a minha resposta.
Fiquei sabendo que tem curso superior e que tem a idade de
apenas vinte e poucos anos. Isso me fez lembrar estes versos da música de
Belchior, que tanto ouvi no início de minha já distante e bisonha juventude: “Tenho
25 anos de sonho, de sangue / E de América do Sul”.
Também tive meus sonhos, e um deles era ser poeta, o melhor
que eu pudesse ser. Contudo, não faço mais versos. Não os faço, não por desejo próprio,
mas porque eles não mais me procuram. E não os desejo fazer à força. A genuína
poesia é caprichosa e só nos aparece quando bem deseja.
De início, devo dizer que é uma tarefa muito difícil, e
acredito que mesmo impossível, um poeta ajudar outro poeta a tornar melhores os
seus poemas. Talvez possa dar algumas dicas, algumas pistas ou alguns “bizus” como
dizem os professores de pré-vestibular.
Prefiro fazê-lo em forma de breve depoimento, que você deverá
aplicar à sua própria experiência, mutatis mutandis, para gastar um pouco de
meu incipiente latinório.
Senti que a poesia ganhava força em mim a partir de meus
dezenove anos, e sobretudo quando alcancei a idade que você tem agora, mesmo
tendo sido um leitor de poesia desde os meus dez anos.
Não tive pressa em publicar livros, apesar de que publiquei
algumas crônicas e contos no jornal A Luta (de Campo Maior), a partir de meus
16 anos. Depois, aos 19, em jornais de Parnaíba e Teresina, comecei a publicar
meus poemas. Muitos, apesar de não renegá-los, não os recolherei em livros;
fazem parte de minha experiência literária.
O fato de você ir publicando de forma esparsa e entre amigos
e professores, faz com que o poeta sinta a receptividade que seus textos estão
tendo. Também não podemos ter a pretensão de achar que todos eles são bons. De qualquer sorte sempre é bom que a nossa autocrítica seja rigorosa.
Mas é saudável que ouçamos os nossos leitores, amigos e críticos.
Penso que é indispensável ler muito mais do que escrever. Ao escrevermos,
não nos devemos esquecer da borracha, da caneta vermelha ou da tecla de
deletar. A concisão é necessária, mormente nos dias de hoje, em que há várias
mídias, em que há uma multidão de livros, que abarrotam as livrarias, em que há
escritores e poetas de mais e leitores de menos.
Por outro lado, pelo menos no Piauí (mas não só), a “carreira”
literária é quase sem retorno, tanto de reconhecimento como em termo financeiro.
Escreve-se a vida inteira em troca de pouco ou nenhum reconhecimento.
Não sou daqueles poetas que dizem acreditar apenas no
trabalho. Acredito na transpiração, mas também acredito na inspiração. Posso
dizer que muitas vezes tive o lampejo de um poema, que só veio à luz muito
tempo depois. Alguns poemas já nasceram quase prontos, enquanto outros tive que
polir, desbastar e acrescer, caso viesse a ter uma ideia que achasse
interessante.
Outros poemas os imaginei por vários meses, e até mesmo por
alguns anos. Tive que pesquisar para fazê-los. Deixei-os em estado latente, em
meu cérebro, até que um dia senti a compulsão irrefreável de escrevê-los. Por
vezes busquei esse momento e essas emoções, vendo prédios antigos, olhando
velhas fotografias, rememorando certos fatos e situações.
Imprescindível ler os grandes poetas, tanto os do passado
como os contemporâneos, para que possamos lhes descobrir as técnicas e macetes,
os jogos de linguagem, mas sem que tenhamos a necessidade de nos tornarmos
cerebralistas e artificiais. E lermos, um pouco, os maus poetas, para que
percebamos muito bem a diferença entre um verdadeiro poeta e um poetastro. Aprendi muito com isso.
Um poeta deve ter coragem de ser poeta. Isto é, dizer o que
deve ser dito, calar o que deve ser calado, mas sem a poda da autocensura. E
sempre é válido, sem descurar do estudo da crítica e da teoria literária, ser
também intuitivo, e não excessivamente racional e metódico.
Um pouco de humildade não faz mal a ninguém. Sobretudo a
humildade para nos mantermos abertos a novas aprendizagens. Ao recomendar a
humildade estou falando principalmente para mim mesmo. Manuel Bandeira, que era
Manuel Bandeira, escreveu este verso: “Sou poeta menor, perdoai!”
Deixo que você medite sobre minhas pobres palavras, e tire as
suas próprias conclusões. Desejo que elas possam lhe servir para alguma coisa.
Considero o homem como uma obra em construção, e que ele próprio deve buscar o
seu autoaperfeiçoamento. Caso sejamos crentes, poderemos orar, e pedirmos a
ajuda de Deus.
Você é poeta. Tem garra para ser poeta. Seus poemas têm
substância. Prossiga, sem pressa; prossiga com cautela, estudo e labor.
E sem esquecer a intuição e a inspiração, se é que essas duas
palavras não nomeiam uma só e mesma coisa.
Atenciosamente,
Elmar Carvalho
(*) É bom que se leia “Carta a um jovem poeta”, do excelso
vate Rainer Maria Rilke, que não consultei para escrever o vertente texto.
Ualace,"a gratidão é o mais nobre dos sentimentos". Sou grsto aos amigos: Carlos Said, William Soares, Jornalista José Fortes, Herculano de Moraes, José Maria Vasconcelos e Elmar Carvalho pelo incentivo que deles tenho recebido nesta minha invertida em literatura.
ResponderExcluirUm abraço
José Itamar Abreu Costa
Presidente da Academia de Medicina do Piauí
Eu que costumo ler quase tudo o que é publicado no seu blog, caro amigo, mas quase passei em branco na leitura desse texto que considero uma aula de literatura, pois deve ser lido e relido por todos os que pretendem um dia enveredar pelo mundo sofrido da escrita. Portanto, não somente os poetas, mas todos nós. Se o seu missivista eletrônico(?) tiver tido o cuidado de ler o que foi aqui escrito, e principalmente interpretar o seu desejo, caro Poeta, deve ter tirado ótimo proveito.
ResponderExcluirE aqui agradeço, por todos nós!
Grato
JPA
Obrigado, caro José Pedro, pela leitura atenta, e pela compreensão e apreço.
ResponderExcluirAbraço,
Elmar