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Metapoemas comentados
Alcenor Candeira Filho
NOTA PRELIMINAR
Este livro se constitui de COMENTÁRIOS
sobre quinze METAPOEMAS de minha autoria.
Todos os poemas são anteriores aos
comentários. Estes foram escritos no limiar de 2017, enquanto os poemas são dos
anos 1990 (“No Reino da Poesia”) e 2006 (“Teoria do Texto”).
A novidade neste livro está na inserção de
comentários sobre os poemas, alicerçados na minha experiência de poeta desde
1967 e na de professor de português e de literatura brasileira a partir de
1972.
Os poemas de “Teoria do Texto” foram
escritos em poucas semanas, imediatamente após meu afastamento da atividade de
professor para assumir o cargo de secretário municipal de educação.
A distribuição dos poemas corresponde de
certa maneira à sequência de aulas que
ministrei na Unidade Escolar Alcenor Candeira (Cobrão) no período de 1972 a
2005.
Tanto
os poemas deste livro quanto os comentários só foram escritos em razão
de minha condição de poeta e de
professor. Tudo em casa, portanto, como se
poema e crítica fossem capazes de preencher a ausência de sala de
aula.
NO REINO DA POESIA
1. INTRODUÇÃO
“Quanto à ideia de, em poesia, falar de poesia
ou de outras formas de criação, crê o autor que
ela só parecerá coisa
estranha a quem ignora tu-
tudo do que
escreveu.”
(João Cabral de Melo Neto)
Escrever poesia é uma atividade que requer
muito trabalho. Quando se trata de metapoema, o trabalho torna-se mais
extenuante, superado apenas pelo despendido na criação épica. Por ser a expressão de um sentimento
coletivo centrado em discurso de grande extensão, a epopeia exige do poeta um
esforço inigualável. Por isso é que o número de poemas épicos é bem inferior ao de líricos.
A poesia lírica, gênero predominante na
história da literatura de qualquer povo, não tem necessariamente o propósito de
conceituar a matéria que trata, podendo até deixar de lado qualquer referencial
conteudístico. As manifestações puramente sonoras e imagéticas são suscetíveis de, por si mesmas, exprimir
estados d’alma, enquanto a presença do dado definidor, sem exclusão dos outros
elementos, é indispensável numa proposta metapoética, que só se realiza
plenamente com a transmissão de ideias sobre a poesia.
No gênero lírico, o significado e o
significante do signo linguístico se alternam e se completam com um
elemento podendo sobrepor-se ao outro, ou até mesmo um excluir o outro,
resultando numa maior liberdade de ação criadora.
Na poesia sobre a poesia, os elementos
intelectivo, imagético e acústico se fundem tão intimamente, que é impossível a
exclusão de um desses recursos, ou a qualquer deles atribuir maior importância.
Tentar esboçar por meio de versos uma
síntese recognitiva do fazer poético pode parecer enorme pretensão de um poeta
provinciano. Contudo, o que me moveu a trabalhar em cima do complexo tema foi a
experiência forjada ao longo de trinta anos de dedicação à literatura, como
professor, crítico, poeta e, sobretudo, leitor.
Na ARTE RETÓRICA E ARTE POÉTICA, Aristóteles desenvolve a ideia de
que a poesia é imitação (mimésis) pela voz e, dessa forma, se diferencia das artes plásticas que imitam
pela cor e pela forma. A mimésis, a que a expressão metafórica está intimamente
ligada, é o ponto central na caracterização da natureza da poesia. Partindo
dessa premissa, Aristóteles passa a estudar as diferentes espécies de poesia
segundo os objetos imitados, a origem da poesia e seus gêneros.
Se
a poesia é mimésis e metáfora, conclui-se que ela representa a verdade
através da mentira. “A arte é uma mentira que revela a verdade” (Picasso).
O entendimento de que o real é a verdade
fingida se encontra num dos textos mais instigantes de outro gênio do século
XX:
“O poeta é um
fingidor.
Finge tão
completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras
sente”.
(Fernando Pessoa –
“Autopsicografia”)
Adotando uma posição influenciada por Ezra
Pound, que distingue a musicalidade verbal
(melopeia) , a imagística (fanopeia) e o jogo de conceitos (logopeia)
como requisitos básicos do fenômeno
poético, - Mário Faustino reporta-se à poesia como aquilo que não pode
ser conceituado :
- “Que é poesia ?
- Nenhum de nós pode pretender,
lucidamente, apresentar sobre isso um conceito definitivo. O mais que podemos
fazer é procurar estabelecer, discutindo o assunto por algum tempo , o que
representa para nós, a esta altura, aquilo que chamamos de poesia.”
No Prólogo da primeira edição de PRIMEIROS
CANTOS (1846), Gonçalves Dias, coerente com a sua posição romântica, refere-se
à poesia como algo “indefinível” mas “compreensível”, concluindo que apesar de
tudo vale sempre a pena o esforço:
“Casar assim o pensamento com o sentimento - o coração com o entendimento - a ideia com a paixão - colorir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com a vida e com a natureza, purificar tudo isto com o sentimento de religião e da divindade, eis a Poesia - a Poesia grande e santa - a poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder traduzir. O esforço - ainda vão - para chegar a tal resultado é sempre digno de louvor, talvez seja este o só merecimento deste volume.”
A noção de que a linguagem literária - expressão intuitiva
e individual - é
impotente para representar a realidade real ou imaginada está presente em
vários poemas de reflexão sobre o próprio fazer poético:
“Ah! quem há de
exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não
diz, o que a mão não escreve?”
(Olavo Bilac -
“Inania Verba”)
“Impotência cruel,
ó vã tortura!
Ó Força inútil,
ansiedade humana!
(...)
Ó Sons
intraduzíveis, Formas, Cores!...
Ah! que eu não
possa eternizar as dores
Nos bronzes e nos
mármores eternos!”
(Cruz e Sousa -
“Tortura Esterna”)
“Que a voz do
poeta nunca se levante
Para ter
ressonâncias nas alturas.
Que o canto, das
contidas amarguras,
Somente seja a gota transbordante.”
(Mauro Mota -
“Humildade”)
Embora partindo da premissa de que são
muitas as limitações que a palavra impõe ao poeta, vários metapoemas realçaram
bem a sensação de angústia que assalta o artista no seu labor, decorrente
dessas forças antagônicas: “a vontade de dizer”
e “a impossibilidade de dizer”:
“Lutar
com palavras
é a
luta mais vã.
Entanto lutamos
mal
rompe a manhã.
(...)
Luto
corpo a corpo,
luto todo o tempo
sem
maior proveito
que o
da caça ao vento.”
(Carlos Drummond de Andrade – “O Lutador”)
“Também seu corte às vezes
tende
a tornar-se rouco
e há
casos em que ferros
degeneram em couro.
O
importante é que a faca
o seu
ardor não perca
e
tampouco a corrompa
o
cabo de madeira.”
(João Cabral de Melo
Neto - “Uma Faca Só Lâmina”)
Ao comparar o poeta ao albatroz
imobilizado pela brutalidade humana, Charles Baudelaire expressou de forma
admirável o conflito entre a “vontade” e a “impossibilidade”:
O Poeta se compara
ao príncipe da altura
Que enfrenta os
vendavais e ri da seta no ar;
Exilado no chão, em
meio à turba obscura,
As asas de gigante
impedem-no de andar.”
Charles Baudelaire - “O
Albatroz”)
Apesar dos pesares, trabalhar é preciso,
ainda que, como diz Mário Quintana em metapoema famoso, trabalhar
“com a ingrata
linguagem alheia...
A impura
linguagem dos homens.”
O fazer poético, efetivamente, mais do que
inspiração é expiração:
“Longe do estéril
turbilhão da rua,
Beneditino,
escreve! No aconchego
Do claustro, na
paciência e no sossego,
Trabalha, e
teima, e lima, e sofre, e sua!”
(Olavo Bilac - “A um Poeta”)
E assim como a fruta faz o fruto, que é
alimento material, é necessário que faça o poeta o poema, que é alimento
espiritual:
“Elabora o
poema como
a fruta elabora
os gomos
a fruta elabora
o suco,
a fruta elabora
a casca,
elabora a cor e
sobretudo
elabora a
semente.”
(Mauro Mota -
“Arte Poética”)
Embora trabalhando sobre o indefinível, o poema metalinguístico,
ao fazer a abordagem dos elementos básicos que coexistem no espírito do
autor -
forma e fundo - acaba formulando uma mensagem que fala à
sensibilidade e principalmente à inteligência, conscientizando o leitor acerca
da arte poética.
Foi o que tentei, bem ou mal, nos poemas
agrupados sob o título genérico de “No Reino da Poesia”.
2. COMENTÁRIO GENÉRICO
Diferentemente do que ocorre com as sete
poesias que integram a 2ª Parte deste livro, sob o título de “Teoria do Texto”,
mais focados nos aspectos formais do poema (gêneros, espécies, ritmo, simetria,
assimetria, metrificação, versos, estrofes, rimas, figuras de palavra, de
sintaxe e de pensamento)
-
as oito composições da 1ª Parte (“No Reino da Poesia”) tratam da poesia
nos seus aspectos essenciais: palavra, criatividade, fonte, fundo, forma , finalidade.
Segundo o “Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa”), metapoema é “um poema em
que o autor atua como crítico para analisar o próprio poema e julgar sua
capacidade criativa”.
Os poemas das duas partes deste livro,
portanto, embora tratando do mesmo tema
- a poesia - se distinguem na medida em que a análise
pode referir-se às duas camadas do texto literário: a) a que surge graficamente
disposta, isto é, a “forma”; b) o
conteúdo ou o “fundo”.
Na nomenclatura usada por Ferdinand de
Saussure, no “Curso de Linguística Geral”, “fundo” e “forma” correspondem
respectivamente a “significado” e “significante”.
(Continua na próxima quinta-feira)
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