Francisco Dias de Siqueira - O
Apuçá
Reginaldo Miranda
Historiador e membro da APL
Foi Francisco Dias de Siqueira, por muitos anos, o
mais antigo colonizador do Piauí, aonde chegara no verão de 1662, como um dos
líderes de uma bandeira paulista que devassou a bacia do Poti, fundando um
arraial com o nome de Santa Catarina, que deu origem à cidade de Valença do
Piauí, e onde permaneceu por largos anos.
Era ele natural da vila de São Paulo, onde nascera
provavelmente no ano de 1641, filho primogênito de Francisco Pires de Siqueira,
cidadão de São Paulo, onde ocupou importantes cargos públicos, falecido com
testamento em 8 de abril de 1671 e de sua esposa Helena Dias (f. 1669), com que
casara na matriz de São Paulo, em 6 de fevereiro de 1640; era neto paterno do
português Francisco de Siqueira, natural da vila de Caminha e de sua esposa Ana
Pires de Medeiros, falecida em São Paulo, com testamento, em 4 de maio de 1668;
neto materno do casal paulista Custódia Gonçalves e Francisco Dias, este filho
de Pedro Dias, que foi jesuíta leigo, e de sua segunda esposa, Antônia Gomes da
Silva, natural de Braga, em Portugal. Francisco Dias de Siqueira possuía duas
irmãs, Ana Maria de Siqueira e Ana Pires (LEME, Pedro Taques de Almeida Paes.
Nobiliarquia Paulistana. São Pauli: USP, 1980).
Desde cedo Francisco Dias de Siqueira, abraçou o mesmo
sonho de seu conterrâneo Domingos Jorge Velho, ingressando ambos nas mesmas
bandeiras e, mais tarde, seja por morte do capitão de uma delas, seja por
vontade própria, se fizeram líderes de uma partida de paulistas, trilhando os
íngremes sertões, até atingirem a bacia do Poti, ou do rio dos Camarões, nos
Sertões de Dentro. Ali esses bandeirantes fundaram o poderoso arraial já
mencionado e que, denunciando a origem de seus moradores, ficara mais conhecido
como “Arraial dos Paulistas”. Também, o maior rio desse território, que antes
possuía os nomes indígenas de Pará, Paraguaçu ou Punaré, sendo também chamado
por europeus, que o desconheciam, de Rio Grande dos Tapuias, foi por esses
bandeirantes denominado de Parnaíba, em homenagem à vila de onde partiram.
Francisco Dias de Siqueira e seu sócio Domingos Jorge
Velho, viveram por largos anos caçando índios para venderem-nos como escravos
na faixa litorânea de Pernambuco e Bahia. Porém, parece que, com o tempo, foram
se distanciando, atuando Jorge Velho mais para os sertões do Poti, Longá,
Ibiapaba e nas extensas áreas da Paraíba e Pernambuco, ao passo que Dias de
Siqueira passou a atuar no sul do Piauí e Maranhão, inclusive nos sertões de
Parnaguá, onde depois de alguma luta e despesa conseguiu fazer as pazes com as
nações Guacupês e Ananás, abrindo, assim, a possibilidade de comunicação entre
S. Luís do Maranhão e a Bahia. Em face desse e de outros serviços úteis à
Coroa, por ele praticados nos últimos quatorze anos em que atuara no território
piauiense, durante o verão de 1676 foi pedir favores na Bahia. Então, a Junta
Trina de Governo Provisório do Estado do Brasil, com sede na Bahia, antevendo a
possibilidade do descobrimento de minas auríferas, inclusive da lendária lagoa
dourada, além da implantação de fazendas no novo território, louva seu feito
pelas “grandes utilidades que se podiam
seguir ao serviço de Deus, na redução daquelas almas, e no de Sua Alteza, na
comunicação dos Estados do Maranhão e Brasil”. E, por essa razão, a 1º de
fevereiro de 1677, concede-lhe a patente de capitão-mor e administrador dos
índios, cuja amizade conquistara. Juntamente, conseguiu as patentes de capitão
de infantaria da ordenança para seus imediatos João Costa e Francisco Dias
Peres, além de três arrobas de pólvora e oito de balas.
Por esse tempo, Francisco Dias de Siqueira se
destacava pelos inumeráveis serviços prestados à Coroa nos Sertões de Dentro,
tendo, inclusive, feito incursões pelo vale do rio Tocantins, em perseguição a
indígenas. Esses feitos de repercussão surpreenderam o governo do Maranhão,
que, em represália, promoveu as entradas de Afonso Rui(1676) e Vital Maciel
Parente(1679), ambas de quase nenhum resultado prático.
Prosseguindo nessa atividade incessante, Francisco
Dias de Siqueira, conhecido entre os seus por “Apuçá”, que significa “surdo”,
na língua tupi, foi nomeado pelas autoridades baianas, em 1692, como imediato
de João Raposo Bocardo para, no Ceará, Rio Grande e adjacências, buscar
pérolas, prata e outros minerais. Contudo, porque Bocardo desaparecera, será
esse “legítimo piratiningano da era
seiscentista”, sempre incansável quem vai executar a incumbência, sem muito
proveito. Porém, mais tarde, já desiludido dessa missão, retorna por S. Luís do
Maranhão, onde obtém munições e mantimentos do governador Antônio Albuquerque
Coelho de Carvalho, para reprimir índios de corso e abrir caminho para a Bahia.
Todavia, não demora a ser denunciado por extorsão a fazendeiros e índios
catequizados. De outra feita, já havia prestado serviços ao governo do
Maranhão, no frustrado combate aos Caiscaís.
Em 1697, há registro do padre Miguel de Carvalho, de
que o capitão-mor Francisco Dias de Siqueira residia num arraial de tapuias,
com os quais fazia entrada ao gentio bravo, possuindo algumas plantas de
mandioca, arroz, milho, feijão, batatas e bananeiras voltados para o próprio
sustento. Era o mencionado “Arraial dos Paulistas”, a única povoação existente
no Piauí, naquele tempo. Em 11 de fevereiro desse ano esteve presente na
fazenda Tranqueira, residência de Antônio Soares Touquia, na reunião que elegeu
o lugar para a construção da nova matriz do Piauí, hoje cidade de Oeiras.
Odilon Nunes se refere à sua presença nessa reunião como sendo “provavelmente o mais antigo morador do
Piauí e o homem mais poderoso daquelas redondezas” (Pesquisas... p. 60).
Algum tempo depois, durante o governo de D. João de
Lencastre, são remetidos alguns paulistas do S. Francisco para subjugarem os
índios rebeldes do Maranhão, a pedido de seu governo e sob autorização do
Conselho Ultramarino. Entre eles, mais uma vez parte Francisco Dias de
Siqueira, ajudado por João Pires de Brito e Amaro Velho, no combate ao
ameríndio.
Depois dessa entrada, já sexagenário, retira-se para a
Bahia, onde falece, deixando rico cabedal, viúva e uma única filha: Joana
Corrêa de Siqueira(3ª do nome), natural de São Paulo, que fora casada com
Garcia Rodrigues Paes Betim, falecido em 1719, em Pitangui, deixando quatro
filhos. A esposa de Francisco Dias de Siqueira, também era chamada Joana Corrêa
(2ª), falecida 20 de abril de 1714, natural da vila de Santos, filha de Simão
Rodrigues Henriques (f. 1656) e de Joana Corrêa (1ª), natural da Bahia.
É provável que o óbito do capitão-mor Francisco Dias
de Siqueira, na Bahia, tenha se dado antes de 1704, porque em dezembro desse
ano, quando Jerônima Cardim Fróis, viúva de Domingos Jorge Velho, e mais treze
signatários, requerem, em forma de extensa sesmaria, as terras da bacia do
Poti, não firma ele o requerimento. Também, na exposição de motivos que
justificam o direito dos signatários não há referência ao seu trabalho no lugar
– testemunhado pelo padre Miguel de Carvalho –, forte indício de que se
indispusera com o antigo companheiro Domingos Jorge Velho, dividindo a
liderança e a tropa dos paulistas. Assim pensamos porque, mesmo falecido, seus
atos de posse poderiam reforçar o pleito dos requerentes, embora gerassem
direitos à viúva e a herdeira única, que retornaram para São Paulo, depois do
óbito do patriarca da família.
Enfim, foi esse paulista o principal devassador do sul
do Piauí, com larga folha de serviços prestados à Coroa Lusitana, tendo chegado
ainda no alvorecer da juventude e permanecido até às vizinhanças da morte. Seus
feitos não foram devidamente reconhecidos, embora maiores do que o de outros
que figuram com maior grandeza nas páginas de nossa história.