terça-feira, 3 de outubro de 2017

ALOCUÇÃO PRONUNCIADA NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA


ALOCUÇÃO PRONUNCIADA NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA

 Cunha e Silva Filho

          Hoje, às 14:00h, numa tarde meio chuvosa, na Academia  Brasileira de Filologia, situada  numa das dependências da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ),  fui empossado na cadeira nº  30, antes ocupada pela Professora Doutora Maria Antonia da Costa Lobo, cadeira cujo  Patrono é o  Professor Candido Jucá,  e que tem  como  antecessores  os  eminentes professores Candido Jucá (filho) e Jayr Vasconcellos Calhau.
       A ABRAFIL, como é abreviadamente  conhecida, é   uma das mais  importantes  instituições  culturais  a serviço  dos estudos  e pesquisas  de Filologia,   Linguística e Língua Portuguesa do país  e foi fundada em 26 de agosto de 1940, numa reunião composta por 30  estudiosos da língua  portuguesa. Esse primeiro encontro naquele  já distante ano aconteceu numa das salas do Colégio Militar do Rio de Janeiro.
       Atualmente,   consoante ocorre com outras academias, a ABRAFIL  se constitui de  40 membros efetivos  e vitalícios  com seus correspondentes  Patronos. Ademais,  ela mantém  um Quadro Especial de Membros  Honorários, os quais, antes,  já  haviam a ela  pertencido como membros efetivos e vitalícios
     Na composição da mesa estavam presentes  o Professor Doutor Amós Coelho  da Silva (Presidente da ABRAFIL) e o Professor Doutor Manoel P. Ribeiro, a quem coube dirigir a sessão. Segue abaixo o meu texto:
  
Estimados acadêmicos:
  
      Antes de tudo, quero  de coração agradecer  aos ilustres confrades  e confreiras   da Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL) que me honraram, no escrutínio,  com a escolha do meu nome a fim de  que  pudesse  ser o sucessor da cadeira nº 30 que tinha como  ocupante a distinta  Professora Doutora Maria  Antonia  da Costa Lobo, prematuramente   falecida, porquanto ainda  tinha muito  o que dar de si como estudiosa das questões de linguística e de filologia  portuguesa. Além do pesar por sua repentina ausência do nosso convívio,  a estudiosa era minha amiga  de muitos anos.
      Ao adolescente do final dos anos 1950 e princípios dos anos 1960,   jamais passaria a ideia de que,  um dia,  seria galardoado com o privilégio   de ser membro da Academia  Brasileira de  Filologia. Naquele  dia em  que li, num  capítulo do compêndio de Língua e Portuguesa de Modesto de Abreu em coautoria com Enéas Martins de Barros, destinado as cursos científico  e clássico, informações  sobre a fundação da Academia Brasileira  de Filologia, sobre seus objetivos   culturais voltados  para os estudos de  língua  portuguesa e de filologia, reparava atentamente nos  nomes dos  patronos e membros ocupantes,  então,  das  quarenta cadeiras (inclusive de um dos autores  daquele mencionado compêndio  didático, Modesto de Abreu, de quem li  algumas obras  importantes.
      É claro que, em conversa com meu pai,  ele costumava falar-me de nossos  grandes  filólogos  e gramáticos  bem antigos, como, entre outros,  Mário Barreto, Carlos Góis, Eduardo Carlos Pereira,  Otoniel  Motta,  Laudelino Freire, Carlos de Laet,  Rui Barbosa, Ernesto Carneiro Ribeiro, Said Ali, Antenor Nascentes, João Ribeiro, algumas obras dos quais  ele possuía em sua  biblioteca, em Teresina.
    Ora, sempre  tive em casa  a presença de obras filológicas, gramáticas normativas,  gramáticas históricas, de sorte que o adolescente  ia-se  familiarizando  com  elas, assim como  com a saudável  mania de ler dicionários  de línguas, como  os de português,  latim,  inglês,  francês. Por isso mesmo,  é que,  vindo para o Rio de Janeiro estudar medicina,  logo  me afastei dessa ideia  e resolvi   cursar Letras na  famosa Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ. Desse fascínio não mais me afastei e faria tudo de novo se me perguntassem  hoje. Parte dessa passagem de  minha vida  narro  no meu livro de memórias, de título Apenas memórias ( Rio de Janeiro: Quártica, 2016).
   Não tive  tempo para  pesquisar  sobre o patrono  da cadeira nº 30,  o acadêmico Candido Jucá. No entanto,  cheguei a conhecer pessoalmente o filho dele, Candido Jucá (filho), douto  estudioso  de língua e literatura  portuguesa, autor de valiosos livros didáticos  e de estudos  fundamentais  no campo  filológico,  alguns deles  lidos  por mim. Conheci-o  uma vez, à noite,   quando fui, na companhia de outros jovens  estudantes secundários,  pela primeira vez,  assistir a uma conferência,  antes mesmo de ser estudante universitário,  na Academia Brasileira de Letras. A conferência versava sobre   o capítulo 63, do romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis.
        Naquele mesmo  local,  tive o prazer de conhecer, além do  citado professor Modesto  de Abreu, já cego, uma  pessoa  simpática e educada, que estava acompanhada de um  familiar, o gramático e filólogo Arthur de Almeida Torres, igualmente bem receptivo à mocidade e o historiador  e grande orador  Pedro Calmon, membro  do Petit Trianon. Este último,  pessoa  polida e de  trato  agradável, olhando para nós, falou-nos  com entusiasmo: “Esta é  a geração  futura.”   
        Do  segundo ocupante da cadeira nº 30, o filólogo Jayr Vasconcelos Calhau,  em síntese, diria que foi  um  estudioso  da língua  portuguesa, do latim, cuja obra talvez mais destacada, segundo o professor Horácio Rolim, foi um estudo sobre o eminente  filólogo  Clóvis Monteiro, intitulado Clóvis monteiro e a filologia portuguesa (1974), com o qual obteve o grau de Doutor e Livre Docente pela PUC do Rio Grande do Sul.
      A terceira ocupante da cadeira nº 30 foi a Professora  Doutora Maria Antonia da Costa Lobo. Após  concluir seu  curso de licenciatura em  Português-Literatura nas Universidade Gama Filho e na  Sociedade Universitária Augusto Mota (SUAM) e em Francês pela Universidade de Nancy e complementação na Universidade Santa Úrsula,  a Professora Maria Antonia não se deu por  satisfeita. Almejava  muito mais.  Incentivada  por professores, como, entre outros,  o Dr, Walter Verga e pelo Professor Dr.  Antonio Hauila e principalmente a Professora Maria  Aparecida Lino Pauliokonis e Luis Marques de Sousa,  que nela perceberam   forte potencial  para avançar  no campo do magistério  superior de Letras. Maria Antonia  matriculou-se no curso de Atualização, em 1987,  da Faculdade de Letras da  UFRJ. Posteriormente,  fez o curso de Mestrado e Doutorado pela mesma  Universidade; no Mestrado,  defendeu a Dissertação  sob o título Meios e instrumentos de transporte: uma abordagem onomasiológica e, no  Doutorado,  defendeu, no ano  de 1997, Tese  nas áreas de Linguística e Filologia Românica sob o título Chão de ferro: a gênese textual de uma obra de Pedro Nava, numa abordagem de crítica genética.
Nesse estudo recebeu  nota  “Excelente.”
     A Dra. Maria Antonia lecionou  na rede municipal  do Rio de Janeiro, na Universidade Estadual  do Rio de Janeiro (UERJ), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e na  Universidade   Castelo Branco (UCB), da qual foi, durante um período,  Coordenadora  do Curso  Letras. Foi nessa função que, pela primeira vez e graças ao seu  dinamismo  e profícuo trabalho de Coordenação, que conseguiu, decerto com o apoio do então Diretor  do Centro de Ciências Humanas, Professor  Reinério Luiz Moreira Simões, ver realizada a publicação de uma  revista  semestral do Curso de Letras, com o sugestivo título Itinerarium, que, pela qualidade  e alto nível de seus  textos,  prometia  ter  outras edições. Ao que eu saiba, só tenho notícia  do 1º número de estreia, Ano, jul/dez. de 1999.
     Maria Antonia, a par de inúmeros artigos,  comunicações  de congressos nas áreas de Linguística,  Filologia   e Língua Portuguesa,  nos legou  trabalhos  como Conservatória, uma topônimo na unicidade, As relações sintáticas, semânticas e pragmáticas: uma aplicação (edição do autor, 1993, 51 p.), Discurso: um problema de busca, seleção, ordenamento, arranjo e intenção (Itinerarium, op. cit., p. 46-47.Riode Janeiro. Faculdade de Letras,  Universidade Castelo Branco).
      A Professora Maria Antonia, segundo me informou,  estava há algum    tempo escrevendo um ensaio sobre a linguagem do compositor Noel Rosa. Entretanto,  sem haver lido grande  parte da obra por ela deixada,   e me apoiando na leitura de sua citada  obra, As relações sintáticas, semânticas e pragmáticas: uma aplicação, é  possível  tirar uma  ilação: seu interesse de filóloga seguramente a levava  também aos estudos linguísticos.         
     Por conta disso,  igualmente,  sua grande acuidade e mente  especulativa a meu ver,  por força haveria, como complemento de sua formação  intelectual, de direcioná-la  aos modernos estudos de linguística   textual,  análise do discurso, gramática textual,  tanto quanto  outros colegas   que enveredavam por esses domínios  dos estudos  da linguagem, muito deles até provenientes da área de literatura.
     Espírito  afinado com um pensamento  lógico, para as minúcias   do desvelamento    da compreensão e análise  do discurso não só  o de viés  referencial, do âmbito da  propaganda,  da publicidade, da mídia escrita,  quer dizer, , tanto quanto o da linguagem   técnica, donde se pode entender  sua atividade  de tradutora técnica exercida durante  bom tempo.
    Tenho informação de que  Maria Antonia  foi muito firme ao lutar  pela  autonomia dos estudos filológicos, os quais não  considerava  que poderiam ser  subordinados  aos estudos  linguísticos. Não concordava, no tocante  às divisões de áreas no curriculum de Letras, que a filologia  se tornasse uma sub-área dos  estudos  linguísticos, os quais  tomaram  vulto  desde o surgimento  do estruturalismo  no país na década de  1970.   Por esses e outros argumentos  não arredou  pé  da grande  prevalência que  dava à filologia românica, por exemplo.  
    Isso  já é suficiente para que  essa estudiosa,  tão amiga dos dicionários,  seja reverenciada   pelos seus pares   da Academia Brasileira de Filologia,  instituição científico-cultural  que soube  dignificar e da qual  fora  admiradora  até ao último instante  de sua   produtiva   vida.
  Chego a esta gloriosa  instituição com  um experiência não de um   filólogo,  linguista ou gramático,  stricto sensu, mas de um crítico literário, ensaísta,  articulista cronista e tradutor não profissional. Por outro lado,  a meu favor e talvez por uma dessas boas  coincidências,  tanto no meu Mestrado quanto no meu Doutorado, não descurei da pesquisa  filológica e da linguagem literária, pois no primeiro  destinei um capítulo  inteiro a comentar a origem da palavra “saudade, me valendo sobretudo da  filóloga Carolina Michaelis  e do  filólogo alemão  Karl  Vossler, a par de autores  galegos. Isso para  analisar  o lexema  “saudade” na poesia  de Da Costa e Silva (1885-1950), o famoso poeta  piauiense, autor  do  conhecido  soneto  “Saudade,” que se encontra na obra “Sangue;” no segundo  curso, desenvolvo todo um  capítulo para abordar  a linguagem  criativa   no contista  paulista-carioca,  João Antônio (1937-1996), numa tese   na qual  estudo  o conceito de “malandro” em quatro  importantes contos  do autor.

    Muito mais, meus confrades e confreiras poderia avançar nas minhas preocupações com assuntos  da Língua Portuguesa. No entanto, só desejo, finalmente, expressar o meu contentamento em pertencer a uma instituição nacional de alto porte intelectual, que é a Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL). Espero estar à altura para tão elevado encargo e compromisso no campo do saber humano. Muito grato mesmo.

2 comentários:

  1. Caro escritor insigne Cunha e Silva Filho,

    Na qualidade de leitor assíduo dos seus primorosos textos, hoje me pus a ler a mensagem originária de sua lavra, cuja temática trata de sua posse na Academia Brasileira de Filologia. Desde já parabenizo-lhe, desejando pleno sucesso. Quem sabe, se o próximo passo seja o sodalício de Machado de Assis? Aproveito a deixa para também falar sobre o título acima: "ALOCUCAÇÃO..."; com a devida vênia, professor, mas procurando nos meus parcos alfarrábios, confesso-lhe que não achei a bendita palavra. A não ser que se trate de um neologismo. Porque no sentido semântico, perdoe-me o meu saber minguado, o termo ALOCUÇÃO, existente nos dicionários, é que vem definir, como s. f., o discurso curto, lacônico, proferido em ocasião solene. Conforme exprimem os filólogos Aurélio, Houaiss. Já no VOLP, tal vocábulo é inexistente.
    Abraço, professor.

    Evaldo Lopes

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  2. Estimado Evaldo Lopes:

    Saudações

    Muito grato lhe sou pelo comentário feito, com elegância e muita simpatia, a propósito do meu breve discurso feito por ocasião de minha posse na Academia Brasileira de Filologia (ABRAFIL).
    Não, não é nenhuma neologismo o que usei. Cometi um lapso de digitação (sou péssimo digitador. Rssrs) ao escrever o texto em questão.
    Fui examinar o mesmo texto no site "Entretextos" do meu amigo, o escritor Dílson Lages, e lá - graças a Deus -, não havia cometido o mesmo engano de digitação.
    Entretanto, vou pedir ao Elmar que faça a devida correção.
    Ao dar o título ao discurso me utilizando do substantivo feminino "alocução"( do latim allocutione), apenas imprimi deliberadamente um tom solene (próprio aos discursos acadêmicos).
    Além disso, estou com um probleminha de catarata e isso pode me levar a gralhas desse tipo, imperdoáveis a quem se dedica à língua e à literatura como eu e tantos outros.
    De qualquer maneira, mais uma vez, lhe sou grato por me apontar essa falha.
    Com um abraço sou-lhe

    cordialmente,

    Cunha e Silva Filho

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