Francisco Dias d'Ávila
Reginaldo Mirnda (*)
O pioneiro devassador do
vale do rio Gurgueia foi Francisco Dias d’Ávila, no verão de 1674, comandando
um troço de seguidores em perseguição aos índios de mesmo nome. E, assim,
descobriram, conquistaram e povoaram grandes extensões de terras, para isso
praticando violentos massacres contra os Gurgueias e outras tribos indígenas
que habitavam aqueles dilatados sertões.
Nasceu esse importante
conquistador do Gurgueia em 1648, na Bahia, sendo batizado em 9 de agosto do
mesmo ano. Pertencia a uma renomada geração de conquistadores do sertão, sendo
filho do capitão de ordenanças Garcia d’Ávila 2.º e de Leonor Pereira, esta
esposa e tia do marido. Era neto paterno de Francisco Dias d’Ávila(1.º do nome)
e de dona Ana Pereira(irmã da nora Leonor), filha esta de Manuel Pereira Gago e
dona Catarina Fogaça. Por essa linhagem era bisneto de Isabel d’Ávila e de seu
segundo consorte, o mameluco Diogo Dias, este neto materno de Diogo Álvares, o
Caramuru, com a índia Catarina Álvares, da nação Tupinambá. Era ainda trineto
do português Garcia d’Ávila, vereador do Senado da Câmara de Salvador, fundador
da Casa da Torre, e da índia Francisca Rodrigues, também da nação Tupinambá.
Francisco Dias d’Ávila era filho
intermediário de uma família de três irmãos, antecedido pela primogênita
Catarina Fogaça(1643 – 1704) e sucedido pelo irmão mais moço, Bernardo Pereira
Gago(1656 – 1689), que o acompanhou na conquista do sertão.
O velho Garcia d’Ávila herdou
muitas léguas de terras e imenso rebanho bovino, mas não se conformou com o
considerável espólio que lhe deixaram seus ancestrais, continuando a saga de
conquista do sertão. Em 1641, com apenas 19 anos de idade, recebeu a patente de
capitão de ordenanças em recompensa pelos serviços prestados pelo pai no combate
aos holandeses e em sua consequente expulsão de Pernambuco. Em 1642, casou-se
com a tia Leonor Pereira, irmã mais moça de sua mãe, para manter indiviso o
patrimônio familiar. Combateu índios nos sertões de Sergipe e do rio São
Francisco, onde recebeu muitas sesmarias, aumentando o patrimônio que passou
aos herdeiros, quando faleceu em 1675.
Por aqueles dias, uma vaidade dos
pais abastados era direcionar os filhos à carreira das armas ainda na meninice.
Não foi diferente com o segundo Francisco Dias d’Ávila, que, aos 11 anos de
idade começou a acompanhar o pai nas conquistas pelo sertão.
Em 1657, com apenas 9 anos de
idade já é vertiginosamente aquinhoado, juntamente com os dois irmãos, o pai e
um tio materno, o padre Antônio Pereira, com cinquenta léguas de terras, sendo
dez para cada um, no sertão do São Francisco. Então, já começava a vida com um
imenso latifúndio, sem falar na considerável herança que mais tarde iria
receber.
No ano seguinte, nova sesmaria
lhe é concedida no sertão do São Francisco, com área imprecisa situada entre
“as terras povoadas e a aldeia dos índios Amoipiras”. Ora, essa imprecisão
territorial lhe favorecia demarcar a área que bem quisesse, dadas as grandes
distâncias e a ausência de outros limites.
Por esse tempo, com a morte do
pai, teve de assumir a administração de imenso patrimônio, constituído em
regime de morgado, desde o rapto de sua sobrinha Isabel d’Ávila, filha de
Catarina Fogaça, por Manuel Paes da Costa, moço de origem humilde. Por esse
regime, amparado nas Ordenações Filipinas, o patrimônio permanecia inalienável
e indivisível, transmitindo-se, no caso de morte do titular, ao descendente
primogênito varão. Portanto, já era rico e poderoso quando iniciou a conquista
do Piauí.
Mais tarde, o frade capuchinho
Martinho de Nantes, diria em queixa que
todas as terras na margem oriental do rio São Francisco, desde trinta léguas
para baixo até cem léguas para cima pertenciam a Francisco Dias d’Ávila, com
exceção das que eram necessárias à sustentação dos índios aldeados.
Em 5 de agosto de 1672, foi
provido na patente de capitão de ordenanças do distrito da Torre.
Com o avanço dos currais pelo
sertão do rio São Francisco, não tardaram os indígenas a rebelar-se contra a
invasão de suas tabas e as admoestações que sofriam na terra de seus
ancestrais. No princípio de 1674, levantam-se em armas os Gurgueias e outras
nações aborígenes que habitavam aqueles sertões, rechaçando os currais e o
avanço do conquistador lusitano sobre seu território. Governava o Estado do
Brasil, o capitão-general Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça(Visconde
de Barbacena), a quem se apresenta o coronel Francisco Dias d’Ávila obtendo
licença para fazer a guerra ofensiva contra os nativos e a patente de
capitão-mor da dita entrada.
Depois de formar tropa composta
por cem homens brancos armados, acrescida de mulatos, negros e indígenas aliados,
com o auxílio de outros criadores, parte no verão daquele ano ao encalço dos
nativos rebelados, tendo por imediato Domingos Rodrigues de Carvalho,
demorando-se mais de ano e meio nessa conquista. Também, o capitão Domingos
Afonso Sertão comandou um troço de combatentes da Casa da Torre(AHU. Bahia,
verbete 4224).
Na primeira entrada buscam o rio
Salitre, encontrando a caminho a destemida nação Gurgueia ou Guegué, que os
enfrenta com hordas guerreiras combatendo em terra, munidas de arco e flecha, apoiadas
por índios canoeiros no rio. A disparidade de armas era enorme. Depois de
combates e escaramuças com algumas baixas, os combatentes da casa da Torre põem
os indígenas a correr pelo rio São Francisco acima. Alcançam Sento Sé, logo
mais estão no Rio Verde. Correm os índios em desesperada fuga, seguidos pelos
soldados de Francisco Dias d’Ávila, em sanguinária perseguição. Não demoram a
atingir as margens do Rio Grande, afluente do São Francisco, seguindo por seu
curso acima até a barra do Rio Preto, seu afluente, seguindo por este último. A
fuga era desesperadora, correndo homens, mulheres e crianças, sem lhes dar
trégua os soldados da Casa da Torre. É provável que poucas léguas acima tenham
os Gurgueias torcido pela vereda do Sapé, cujas vertentes, por chapadões secos,
distam menos de 17km das do riacho Fresco, afluente na lagoa de Parnaguá, cujas
águas derramam no rio, pela primeira vez conhecido daqueles soldados e que
receberia o nome dos indígenas perseguidos. Felizmente, para os indígenas
começaram a cair as primeiras chuvas do inverno, fazendo retroceder a tropa do
capitão Francisco Dias d’Ávila. Porém, estava descoberto o caminho para o
Gurgueia.
Em 1676, mal principia o verão,
torna Francisco Dias d’Ávila a completar a conquista, estabelecendo arraial no
sertão do Pajeú, ainda em princípio do mês de maio. Contava com tropa composta
por cento e vinte homens montados e os índios aldeados em tropas pedestres,
reforçados pelos índios missionados pelo frade francês Martim de Nantes. Depois
de rastejarem os Gurgueias por seis ou sete dias de marcha, através de agrestes
e caatingas, surpreendem a tribo espavorida e faminta, destroçando-os em
ligeira peleja. Foi no dia 30 de maio, em que os Gurgueias se renderam aos
soldados da Casa da Torre, sendo presos e manietados.
Todavia, dois dias depois, em 1.º
de junho, vai ser escrita a página mais negra dessa conquista. Sob fútil
pretexto, degolam 400 indígenas desarmados e presos, reduzindo à escravidão
mulheres e crianças. Ainda permanecem no mato em busca de outros indígenas por
todo o verão. Quem esclarece essa informação é o coronel Antônio da Silva
Pimentel, ao buscar privilégios em requerimento de 22.7.1699. Diz ele ter
ajudado com homens e mantimentos nessa conquista, acrescentando que a mesma
começou em 1674 e “passou de ano e meio, achando-se sempre todos (os seus
reforços) com o dito coronel aí na peleja do Pajeú, donde tinha assentado
arraial, como em todas as mais ocasiões que teve com dito gentio, em que foram
mortos muitos por se não quererem reduzir a paz, indo em seu encalço mais de
120 léguas”(AHU. Bahia, verbete 4224).
Então, se começou mesmo em final
de abril ou início de maio de 1674, quando começa o verão nordestino,
completaria um ano no mesmo período do ano seguinte e mais meio ano no final de
outubro ou começo de novembro de 1675, e não 1676, como informa frei Martin de
Nantes e alguns cronistas. De fato, em face dessa conquista, Francisco Dias
d’Ávila vai ser promovido à patente de coronel das companhias de infantaria das
mesmas ordenanças em 27 de novembro de 1675.
Em 1676, o coronel Francisco Dias
d’Ávila, juntamente com o irmão Bernardo Pereira Gago, Domingos Afonso Sertão e
Julião Afonso Serra, recebem do governador de Pernambuco, D. Pedro de Almeida,
as primeiras sesmarias nas margens do rio Gurgueia, sendo dez léguas em quadra
para cada um. Pediram em Pernambuco porque, no Estado do Brasil, de onde eram
oriundos, as terras situadas à margem direita do rio São Francisco pertenciam à
Bahia e à margem esquerda a Pernambuco. Logo, em sua concepção, a nova
conquista seria incorporada à Capitania de Pernambuco.
Com o tempo Francisco Dias
d’Ávila adquiriria outras sesmarias no Gurgueia e em outras partes do
território piauiense, formando imenso latifúndio. Foi em seu tempo que a Casa
da Torre chegou ao ápice. Depois de sua morte retrocederia em seu patrimônio,
que se desintegraria com o tempo. Era um homem ágil, de porte diminuto, com
capacidade de liderança e larga experiência na conquista do sertão, onde se
iniciou desde a meninice ao lado do pai.
Em face de suas conquistas foi
também agraciado com o hábito da Ordem de Cristo. Em salvador, foi eleito
vereador do Senado da Câmara.
A exemplo do pai, casou-se com
uma sobrinha, Leonor Pereira Marinho, filha de sua irmã Catarina Fogaça e do
marido desta, Vasco Marinho Falcão. Faleceu em 1695, na Bahia. Vai sucedê-lo na
herança e administração do Morgado o filho Garcia d’Ávila Pereira (1684 –
1734), que viria a fundar arraial no Gurgueia, a fim de proteger os currais e
assegurar a conquista.
Era “ambicioso, tenaz,
dissimulado, implacável, não desdenhando nenhuma empresa e não escolhendo
meios”, diz Barbosa Lima Sobrinho(Devassamento e conquista do Piauí).
Francisco Dias d’Ávila, por suas
conquistas e pelo devassamento do Gurgueia, merece figurar entre os vultos
notáveis do Piauí, em cuja história tem lugar assegurado.
(*) REGINALDO MIRANDA, é membro da
Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e
do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PI. Presidente da Associação de
Advogados Previdenciaristas do Estado do Piauí.
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