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AH!, ESSAS PESSOAS SIMPÁTICAS DO
TELEMARKETING.
José Pedro Araújo
Romancista, historiador e cronista
Romancista, historiador e cronista
Que o individualismo hoje é inerente a
todos nós, isso ninguém discorda. Nem discorda também que até mesmo os
vizinhos, os parentes, os amigos, afinal, raramente nos procuram para aquele
bate papo gostoso, aquela troca de confidências, e até mesmo inconfidências,
aceitável entre amigos de longas datas. Houve um afastamento doloso entre as
pessoas, ao ponto de passarmos anos sem ver um amigo residente na própria
cidade em que moramos. Tudo, devo dizer, depois do aparecimento das novas
tecnologias que tanto tem contribuído para a nossa separação das pessoas que
gostamos tanto de ter à nossa volta. Existem já pesquisadores, estudiosos
trabalhando para descobrir o verdadeiro estrago que esse afastamento causa às
pessoas. A cada dia que passa tomamos conhecimento de algum trabalho dedicado
ao assunto. Quer a ciência descobrir como o isolamento pode afetar a vida de
cada um de nós.
Em um passado não muito distante,
costumavam acusar a vida corrida atrás do próprio sustento como a principal
vilã a trabalhar incansavelmente para a causa. Nos dias de hoje malsinam pelo
malefício a internet, os aplicativos dedicados ao contato pessoal - que começou
com os e-mails, depois o twitter e seus 140 caracteres, e hoje o whatsapp, ou
os demais aplicativos de conversa à distância. Os novos tempos realmente trazem
preocupação aos psicólogos ou analistas da personalidade humana, pois tem
produzido pessoas cada vez mais arredias ao contato pessoal, ao caloroso abraço
ou a um simples aperto de mão.
Até mesmo o nosso velho telefone dito
fixo – é isso mesmo, hoje temos o telefone móvel, o Skype... – através do qual
poderíamos ouvir uma voz amiga do outro lado da cidade, do estado ou do país,
esse permanece calado o dia todo, quase não toca. E quando toca, é sempre algum
desconhecido quem se encontra do outro lado da linha. Bom, menos mal que esse
tipo de telefone não comporta o envio de mensagens escritas, ainda podemos
ouvir a voz das pessoas que estão nos chamando. Pelo menos isso. Quando Graham
Bell inventou essa tecnologia tinha como propósito aproximar as pessoas, e não
afastá-las do convívio umas das outras, como ocorre nos dias de hoje.
Felizmente temos os jovens do
telemarketing a nos ligar vinte vezes ao dia. E começo dizendo que essas
pessoas que ligam para a sua casa para oferecer algo à venda, talvez sejam as
únicas de fora da sua casa a falar com você em semanas. E são elas também quem
nos propiciam momentos de puro êxtase, pois nos oferecem ótimos produtos de
consumo, como os cartões de crédito, por exemplo, sem que precisemos sair de
casa, e somente através de uma chamada telefônica. E nesses momentos você pode
perguntar a ela pela família, como os filhos estão se saindo na escola, caso os
tenha, essas coisas que costumamos indagar aos parentes e amigos mais próximo,
uma vez que esses estão cada vez mais distanciados da gente.
Outra coisa: se alguma dessas pessoas
ligarem para a sua casa em uma hora imprópria, assim como logo após o almoço,
horário que você costuma reservar para uma gostosa e demorada sesta, não se
aborreça, ela pode ser portadora de boas notícias. Como, por exemplo,
oferecer-te um cartão de crédito sem limite predeterminado. Ou mesmo um
empréstimo consignado a ser reembolsado em longos e apetitosos setenta e dois
meses.
Pode ocorrer também de alguém te ligar
para oferecer um plano funerário como, por exemplo, da simpática “Funerária
Santa Luzia – Sua morte, nossa alegria”. Ai já será tirar a sorte grande.
Afinal, algum dia todos nós iremos morrer mesmo!
Não se aborreça, portanto, se o
telefone lá da sala de visitas começar a tocar no meio da noite, quando você
tiver conseguido, enfim, conciliar no sono, após duas ou três horas de
tentativas infrutíferas. Pode ser alguém te oferecendo a sorte grande.
Outro dia recebi uma ligação de uma
simpática moça que estava começando a trabalhar em uma dessas empresas de
telemarketing. Era o seu primeiro emprego, e também o seu primeiro dia de
trabalho. Não, não era a sua primeira ligação naquele dia! Ela já havia ligado
para noventa e nove pessoas e não havia ainda conseguido vendar nada. Era eu o
centésimo. Mas, eu contribui para que o seu primeiro dia de serviço fosse
proveitoso: ela aprendeu a se livrar de um cliente que a fez perder muito
tempo, tempo que poderia ser utilizado para oferecer, e talvez conseguir algum
sucesso, com, pelo menos dez outras pessoas.
Deste modo, quando o telefone tocou lá
na sala eu havia acabado de entrar no Box do banheiro para tomar banho. Já
havia até ligado o chuveiro e os primeiros jatos de água começavam a encharcar
os poucos fios de cabelo que ainda me restam. Fechei a torneira, ao ouvir o
trinado da campainha, e sai correndo enquanto me enrolava na toalha de
banho. Talvez fosse algum parente ou
amigo que estivesse querendo conversar um pouco, depois de meses de mudez, e eu
não poderia perder a oportunidade que me era dada. Não era. Era a mocinha simpática de quem
falei algumas linhas atrás. Eu, ofegante ainda, respondi que era eu mesmo quem
estava falando com ela. E ela então me deu a notícia feliz: eu havia sido
escolhido entre milhares de outras pessoas da cidade de Teresina para receber
os cartões do banco tal, que ela representava. É lógico que fiquei feliz. Não é
todo o dia que te escolhem para receber um brinde desses.
Disse-me mais que o limite do meu
cartão seria de R$ 25.000,00 reais, dinheiro que eu poderia utilizar em
compras, ou simplesmente sacar na boca do caixa, em cash. Aí fui à loucura.
Agradeci penhoradamente pela minha escolha e, empolgado com a minha sorte,
comecei a lhe perguntar como estava a família, os filhos – ela me respondeu que
não tinha filhos. Nem casada era ainda – e se não tinha interesse em conhecer o
nordeste, essas coisas que dizemos quando queremos parecer simpático a outras
pessoas.
Mas a minha alegria não durou muito.
No auge da minha empolgação, falei para ela que aquela ligação ia ficar marcada
para sempre na minha vida como o dia em que a minha estrela veio até mim
através dos fios da telefônica. E que, pródigo como sou, adoro usar os meus
cartões em compras de produtos que, na maioria das vezes, nem preciso. E ainda
mais. E então cometi uma imprudência. disse-lhe que, como não havia conseguido
pagar as faturas dos meus dezessete cartões, tive todos eles bloqueados, até o
último. Que o novo cartão que ela me oferecia, portanto, seria a minha
salvação, me levaria de volta aos shoppings. E com voz embargada arrematei: se
estivéssemos falando pessoalmente, afirmei com lágrimas nos olhos, com certeza
lhe daria um abraço bem apertado. Acho que essa parte final da nossa conversa
ela não ouviu, pois desligou o telefone rapidamente.
O tempora, o mores!
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