O
NATAL E O TRÊS
José Miranda Filho
Escritor e compositor
O asterismo Três Marias não deixa
por menos a concorrência com a Estrela Guia, ou Estrela do Oriente, e direciona
seu brilho para minúsculo ponto perdido na Via Láctea – o hemisfério sul do
planeta Terra –, nesta noite sobremaneira especial. Seus feixes de prata alcançam, cá embaixo,
três legionários do exército angelical, que, com sons jubilosos, participam a
venturosa notícia relacionada ao cumprimento da milenar promessa sobre a
encarnação do Verbo – o início da boa-nova para a salvação da humanidade –,
clamando
“Glória a Deus nas alturas e paz
na terra aos homens de boa vontade, por Ele amados!”
à mente e ao coração de três
pastores atarefados no pastoreio de seus rebanhos. Eles, cheios de regozijo e curiosidade,
rumam para uma manjedoura – estábulo, estrebaria, curral, em vocábulos mais
brasileiros.
Em seguida, apresentam-se três
homens de raro traje para aquela região tão simples, próprias vestes
reais. Estes conduzem, cada um, três
elementos: ouro, incenso e mirra, dádivas que depositam na palha, aos
pés do pequenino. Os três significam,
na seguinte ordem, realeza, fé e oração, embalsamento.
Três plácidos animais completam a
cena singela e mística – jumento, boi e ovelha.
No entanto, três pessoas
constituem-se no centro deste presépio vivo – a Sagrada Família. Sob a amorosa proteção dos pais – José e
Maria –, dorme aquele que acabou de nascer – Jesus –, a segunda dentre as Três
Pessoas, as quais, envoltas em indevassável mistério, compõem a Trindade
Santíssima – o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
* * *
Eis que, repentinamente, retornou
do seu abismo interior, o olhar fixo no infinito espaço, depois de criar
imagens de menino gerado e que se educava no seio da cristandade. Despertou, então, do encantamento em que se
achava fazia hora, ao escutar a última das três badaladas esfuziantes da torre
da matriz, conclamando os fiéis para a Missa do Galo.
Já se havia asseado de modo
conveniente, desde a noitinha. Mesmo assim, ergueu-se e lavou o rosto para
afugentar o sono insistente. Meteu-se em
roupa e sapatos novos, que lhe foram presenteados com antecedência, para uma
noite muito especial, na qual é dado presente divino, incomensuravelmente maior
que todos. E saiu sozinho, ainda
ouvindo, na calçada, o que exprimiu seu pai dentro de casa:
— Ele tá um rapazinho mesmo!
Isso era quase meia-noite – Natal
de muito tempo atrás.
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