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As minhas Copas do Mundo de Futebol (1)
José Pedro Araújo
Romancista, escritor e cronista
Romancista, escritor e cronista
Já que este ano teremos Copa do
Mundo de Futebol na Rússia, ocorreu-me de publicar uma série de textos falando
dos mundiais que eu assisti ou ouvi. Os primeiros mundiais, ouvi pelo rádio, e
depois pela TV, sempre acompanhando as mudanças ocorridas nesse tipo de
transmissão. E começo com uma constatação: a cada nova copa do mundo, uma tevê
com mais recursos e melhor imagem é adquirida pela maioria dos brasileiros.
Esse fenômeno deve ser mundial. Virou mania, assim como os games. Precisamos, é
claro, acompanhar as novas mudanças tecnológicas, e desfrutar de toda a
qualidade que os anunciantes dizem que elas trazem. Neste 2018, ano de copa do
mundo outra vez, não vai ser diferente. Já me antecipei e adquiri a minha 4K
com promessas que vão muito além da minha percepção. Achei que agindo assim,
escaparia dos reajustes de preço que virão pela frente. Mas, deixa-me fazer um
retrocesso para falar deste assunto.
A primeira copa do Mundo que
realmente me traz alguma lembrança foi a de 1966. Da de 1962, quando o Brasil
foi bicampeão do mundo, só me recordo de que a fábrica de bicicletas Monark
lançou um modelo pós-copa que veio com os resultados dos jogos do Brasil
fixados no varão das magrelas. Meu pai acabara de adquirir o tal veículo de
duas rodas, novinha, e nesse dia lembrado ela estava exposta na sala de visita
da sua sogra, d. Zezé, a minha avó materna. É somente do que me lembro mais
intensamente aquele mundial. E olha que eu já tinha quase oito anos na ocasião.
Como desculpa, devo acrescentar que as transmissões eram feitas pelo rádio, ele
veiculava todas as notícias que aconteciam fora das fronteiras do velho
Curador. Eu não ouvia rádio, estava mais
preocupado com outras coisas, como jogar pião, empinar papagaio ou mesmo...
jogar futebol.
A de 1966 disputada na Inglaterra
não, dessa ouvi muitas discussões sobre o potencial da nossa seleção de
futebol. Não que já tivéssemos acesso à TV. Ainda ouvíamos as transmissões via
rádio. Por esse tempo, vizinho ao comércio do meu pai, na Magalhães de Almeida,
existia a farmácia do Sr. Zequinha Enfermeiro que, assim como seus dois filhos,
João e Francisco, apreciava falar de futebol com o meu pai. E nesse período da
copa já citada, eles estavam eufóricos, pois a seleção verde-amarela defendia o
seu bicampeonato conquistado na Suécia e no Chile. Mas, logo na primeira
apresentação do canarinho, deu para eles verificarem que o time havia
envelhecido e perdido a sua condição de favorito. Ganhamos da Bulgária por 2 a
0 sem convencer. Perdemos as duas partidas subsequentes: Hungria por 3x1, e
Portugal também pelo mesmo placar. Estávamos eliminados ainda na primeira fase
de grupos, melancolicamente. Rádio desligado, as conversas se davam na calçada
dos dois comércios, e eu, sem entender muito do que se passava, vi a tristeza
se abater sobre aqueles torcedores sertanejos que se comportavam como se
houvessem perdido um ente querido.
Nos dias seguintes, a tristeza
deu lugar à revolta e as reclamações sobre o desempenho desse ou daquele
jogador tomava conta das avaliações. Eu só ouvia tudo, sem emitir uma palavra.
Não me considerava ainda um dos 85 milhões de técnicos de futebol da época,
apesar de já está em processo de formação bem adiantada. Foi a Inglaterra,
jogando em casa, quem ganhou a sua única copa do mundo, como todos sabem.
A copa de 1970 foi diferente. Já
me achava com a formação de técnico de futebol concluída e, portanto, apto a
participar das discussões sobre o tema. Havia me transferido para Teresina e
aqui a televisão transmitiu tudo ao vivo. Só que na casa que eu morava não
tinha TV, um artigo considerado de luxo, e ao alcance de poucas famílias ainda.
Mas, mesmo assim, sempre encontrávamos receptividade na casa de algum conhecido
e lá nos encantávamos com as atuações da Seleção de Ouro de Pelé, Tostão,
Gerson, Rivelino e Companhia. O título não veio fácil, pegamos adversários
difíceis. O primeiro jogo foi o mais tranquilo: sapecamos 4x1 nos nossos
adversários, a Checoslováquia. Depois a caminhada foi ficando difícil. 1x0 na
Inglaterra, em jogo duríssimo, e 3x2 na Romênia, em jogo que começou fácil e
depois complicou. Estávamos
classificados, com louvor. Nas quartas-de-final(não existia oitavas-de-final
ainda) nos defrontamos com a seleção peruana, treinada pelo brasileiro Didi, e
tacamos 4x2 neles. Foi um belo jogo entre vizinhos sul-americanos.
Na semifinal, outro
sul-americano: o Uruguai. 3x1 em jogo em que perdíamos até o finalzinho do
primeiro tempo, com a borduna dos nossos adversários comendo solta no gramado.
Mas, finalmente conseguimos empatar antes do intervalo, e no segundo tempo a
seleção fez valer a sua superioridade técnica. Passávamos de fase. Nesse jogo
aconteceu um fato que quase me fez perder a transmissão do jogo. Não sei por
que cargas d’água, somente saímos em busca de uma casa com TV já próximo à hora
do jogo. Não dava mais tempo para chegarmos até ao local em que assistimos às
partidas anteriores. Subimos a Rua Jônatas Batista no sentido do Lindolfo
Monteiro e encontramos uma casa em que um grupo de pessoas assistia ao jogo.
Encostamo-nos à janela, eu e um amigo que me acompanhava, e ficamos vendo o
espetáculo dali. O Jogo estava começando naquele instante. Um dos torcedores
que ali estava ao se virar e nos ver ali postados levantou-se, veio até próximo
à gente, e fechou as duas folhas da janela na nossa cara. Ficamos atônitos com
a aquele gesto de nenhuma solidariedade com os sem-tevê e, cabisbaixos, subimos
a rua desnorteados.
Ao chegarmos à esquina da Rua Rui
Barbosa, guiados pelos gritos de revolta de uma inflamada torcida, chegamos ao
janelão de outra casa em que um grupo de aproximadamente cinco pessoas assistia
ao jogo. Encostamos discretamente e vimos que o Brasil já perdia por 1x0.
Apesar de os torcedores estarem tocados por umas geladas, o clima estava meio
em suspense, diante do jogo pegado e do placar adverso. Daí a pouco tempo um
cidadão, ainda jovem, olhou para trás e nos viu ali pegando uma carona na sua
TV. Incontinente, levantou-se e veio até nós. Como gato escaldado tem medo de
água quente, cuidamos logo de bater em retirada antes que outra janela fosse
fechada na nossa cara. Mas o homem nos chamou e nos fez entrar na casa
alegremente. Passamos a integrar a pequena torcida. É claro que ainda um pouco
sem jeito, pulga atrás da orelha. Mas ai veio o gol do Brasil e, muitos abraços
depois, estávamos totalmente integrados ao grupo.
O resultado final dessa copa
todos sabem. Passamos pelo Uruguai por 3x1. E fomos à final contra a Itália.
Deu Brasil na cabeça, com um relaxante 4x1 sobre a também bicampeã do mundo. Ao
final dos jogos os teresinenses saiam às ruas e se esbaldavam em festa até
altas horas. A Praça Pedro II passou a ser o ponto central das comemorações do
carnaval antecipado. E eu participei daquela festa enlouquecedora pela primeira
vez na vida.
Ai veio a Copa de 1974. Naquele
ano eu já estava residindo em Recife e cursava Engenharia Agronômica de UFRPE.
Copa melancólica para uma seleção que defendia o título mundial. Todos
esperavam muito do time que encantou o mundo na copa anterior. Mas
estávamos sem Pelé, Tostão, Gerson e
Carlos Alberto. Depois de dois empates sem gols nas duas primeiras partidas,
conseguimos vencer o Zaire, país sem nenhuma tradição em copas do mundo, e nos
classificamos para a outra fase pelo saldo de gols. De bom mesmo apenas o
aspecto de já assistir tudo em imagem colorida pela TV do nosso alojamento na
UFPE.
Na segunda fase ganhamos da
Alemanha Oriental e da Argentina, e perdemos para o Carrossel holandês. Fomos
disputar o terceiro lugar, mas a Polônia nos mandou de volta para casa com um
melancólico quarto lugar. Foi uma copa sem brilho e que iniciava um período
longo sem título. O título, aliás, ficou com a Alemanha, para desgosto do mundo
inteiro que torcia pelo exuberante futebol da Holanda de Cruyff.
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