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P A S S E I O S A V
I Ç O S A D O C E A R Á
Alcenor Candeira Filho
A primeira vez que visitei Viçosa do Ceará
foi nos anos 70, quando em companhia de Evandro Cardoso Mourão e Renato Diniz
Machado, cada qual na sua motocicleta XLX 250-R, fomos até Ubajara, com
regresso previsto para o final da tarde. Na passagem por Viçosa estivemos na
Casa dos Licores, pertencente ao senhor Alfredo Miranda, exímio tocador de
pífaro, ou pife na preferência popular. Depois de alguns tragos de cachaça e de
bom papo com o anfitrião, pé na estrada de novo rumo a Ubajara, onde almoçamos.
Nem mesmo o aborrecimento com o fato de o motor da minha moto ter pifado na
estrada, na escuridão da noite nevoenta e chuvosa, arrefeceu a alegria da
aventura, marcada para sempre na minha memória.
Na década de 1980, membros da Academia
Parnaibana de Letras – APAL com respectivas mulheres passamos um fim de semana em Viçosa para
participar de uma solenidade promovida
pela entidade para homenagear o poeta Lily Pery, pseudônimo de Lívio Pacheco,
patrono da cadeira nº 25 da APAL, cujo
primeiro ocupante é Caio Passos, conterrâneo e amigo do poeta.
Lily Pery nasceu em em 1887, em Viçosa do
Ceará, onde faleceu em 1941.
Morou algum tempo em Parnaíba e já na
primeira edição do “Almanaque da Parnaíba” (1924) publicou dois sonetos.
Em discurso pronunciado em Viçosa, em
10.11.1984, na referida sessão solene promovida pela APAL, Caio Passos lembrou
o bucolismo presente na obra de Lily Pery
- “o magistral versificador que cantou
os pássaros, os animais silvestres, os rios, os mares, enfim, a deslumbrante
epopeia da Natureza em festa, estampada no suave sorriso de Deus”, como se vê
no seguinte soneto:
Da serra junto à altiva cordilheira,
Quando o sol cai à
tarde ao poente,
No mais alto dos
galhos da aroeira,
Solta a cauã seu canto tristemente.
A sua voz sentida e
costumeira
Tem um quê, que
comove a alma da gente,
Muita gente lhe
chama de agoureira,
Porque solta o seu
canto em som dolente.
Sempre que escuto aquele canto d’ave,
Justamente na hora
da trindade,
Penso que aquela
voz, aguda e grave,
De dor alguma coisa
estranha encerra!
Pois que lembra uma
fada de outra idade
A vagar no sertão de minha terra.
(Lily Pery - “Cauã”)
Ainda que poeta
essencialmente lírico, escreveu também versos satíricos:
Quem isto aqui compra ou herda
E põe o nome de
“Bem Posta”,
Se comprou,
comprou uma merda,
Se herdou, herdou
uma bosta.
Lily Pery deixou um livro inédito -
“Mané Burro” - estória folclórica, em versos de sadio
humor.
O passeio foi organizado
por Caio Passos, jornalista, escritor , autor do livro “Parnaíba” Cada Rua Sua
História” e membro da APAL. Recordo que na chegada, ônibus estacionado na praça
Clóvis Beviláqua, fomos festivamente recepcionados com abraços, banda de
música, foguetes.
Ficamos hospedados em casas
de amigos de Caio Passos. Acadêmicos: Lauro Andrade Correia,
Cândido de Almeida Athayde, Salmon de Noronha Lustosa Nogueira, João Nonon de
Moura Fontes Ibiapina, José de Anchieta Mende de Oliveira, José Pinheiro de
Carvalho, Bernardo Batista Leão,
Raimundo Fonseca Mendes e Maria da Penha
Fonte e Silva.
Eu e Batista Leão nos
hospedamos no sobrado do coronel Chico Caldas, de quem ouvimos interessantes
histórias sobre a cidade.
O coronel Chico Caldas
cultivava o hábito de servir aos visitantes cachaça e tangerina como
tira-gosto. Confessou-nos que desde criança bebia cachaça diariamente. O dr. Lauro indagou: -
Quantas doses por dia, coronel?
- Depende do número de visitas.
Ultimamente eu e Ana Lúcia
temos ido a Viçosa com certa frequência, sempre em companhia de Edvan
Cerqueira, Adélia Mota Cerqueira, Luís Beré e Tatyane Vieira. Estivemos lá no
carnaval de 2017 e no de 2018 e recentemente na semana santa, quando tivemos
também a companhia de Tiago (neto do Luís) e sua namorada Cibele, além de Lúcia
Mota, irmã de Adélia.
Hospedamo-nos sempre na
Pousada Serra Verde, logo na entrada da cidade. O proprietário é João Batista
Frota, de quem nos tornamos amigos.
Com algumas dezenas de
apartamentos, alpendre, rede, piscina para adulto e para criança, muitas
plantas, árvores, flores, pássaros, jardins
- a pousada serve fartíssimo café
da manhã: frutas, geleias, sucos, iogurte, queijo, presunto, ovos, vitamina,
sanduíche, cuscuz, tapioca, bolos de
goma e de milho, caldo de carne, leite,
café, chocolate, biscoitos, etc.
A cada dia almoçávamos em restaurante diferente, todos
localizados na microrregião da Ibiapaba:
Viçosa, Tianguá, Ubajara.
Num desses passeios
resolvemos seguir por uma estreita e sinuosa estrada de areia para conhecer a
Cachoeira do Boi Morto. O automóvel do
Luís s e distanciou do nosso e acabamos entrando em trilha errada. Ana Lúcia em
mensagem a Tatyane pelo celular: “Estamos perdidos no mato sem cachorro”.
Acrescentei: “E sem o boi morto”.Gargalhada
geral. Tudo muito divertido. O Luís que seguia na direção certa orientado pelo
GPS também não alcançou a cachoeira. Um motoqueiro lhe recomendou que desse
meia volta porque não conseguiria atravessar profundas poças dágua adiante
existentes.
Cidade turística e de povo
simpático e acolhedor, com aconchegantes
pousadas, hotéis, restaurantes, lanchonetes,
- Viçosa do Ceará era uma aldeia que passou em 1759 “à condição
de Vigararia Amovível e transformada em vila, com o nome de Vila Viçosa Real,
por ordem de El Rei Dom José I
(...) e elevada à categoria de
Cidade em 1882”, conforme Vicente Miranda no formidável livro “Três Séculos de
Caminhada”. Localizada na microrregião da Ibiapaba, é uma cidade charmosa, formosa, viçosa, limpa, belas praças,
casas e sobrados antigos bem conservados e habitados, árvores, jardins, flores,
pássaros, neblina...
Dentre os filhos ilustres
de Viçosa do Ceará destacam-se o general Antônio Tibúrcio Ferreira de Souza
(1837/1883), herói da Guerra do Paraguai , e o jurista Clóvis Beviláqua
(1859/1944), autor do anteprojeto do código Civil Brasileiro e membro da
Academia Brasileira de Letras.
Viçosa é também terra de
poetas líricos e telúricos como Lily Pery, Francisco Ayres, Heloísa Helena
Mapurunga de Miranda, dentre outros.
Encerro estas
reminiscências com a transcrição do soneto “Musa de Artista”, verdadeiro hino à
natureza, de autoria de Francisco Ayres, patrono da cadeira nº 10 da Academia
Parnaibana de Letras:
Manhã, os
horizontes aparecem
e a
natureza põe-se em alegria...
Canta à beira do ninho a cotovia
e os
filhos sob a voz materna crescem.
As
meigas plantas no pomar florescem
despertando o perfume que
inebria;
o
mar, cantando em dúlcida harmonia,
enlaça as águas que da praia descem.
A
linda juriti geme saudosa,
qual
amada que firme e esperançosa
relembra o seu amante em longe terra!
Trina o canário em verde galho,
e eu, na bigorna quando bato
o malho,
canto os amores que o meu peito encerra!
Quem vai a Viçosa volta. Com apenas duas horas de asfalto a partir de
Parnaíba, a turma já está de olho no calendário com planos para novas viagens.
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