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Fogo na mata
Hermes Vieira (1911 – 2000)
Um dia, um campônio malvado
lançou à floresta
Com as aves em festa, uma chama
maldita
Que, dentre as gramíneas sem
seiva e vigor,
Dilata o calor, estremece e se
agita.
O Sol declinava em demanda do
ocaso,
A Lua, em atraso, à distância o
seguia,
E, em toda a floresta sentida e
plangente,
Um vento pugente, raivoso rugia.
Ouviam-se estrondos, fragores,
ruídos,
Sibilos, zunidos, estalos de
espata,
De lenhos sem vida, de vidas
tombando
Ao fogo bailando no ventre da
mata.
As caças adultas às tontas
fugiam,
As tenras morriam detidas nas
camas,
E as aves, aflitas, voavam dos
ninhos,
Deixando os filhinhos expostos às
chamas.
As nuvens de insetos, dispersas,
sem rumo,
No bojo do fumo revolto, giravam;
Lagartos e ofídios, de ensombros
ausentes,
Aos golpes ingentes do fogo,
expiravam.
E o lume macabro, lançando
torpedos
De lava aos balcedos que davam
guarida
Aos filhos das selva, a mata
deforma,
Desfeia e transforma-a em deserto
sem vida.
Qual bravo guerreiro, coberto de
glória,
Que canta a vitória da pátria
adorada,
Saía o campônio do bosque
inditoso,
Cantando, garboso, singela toada.
Mas nesse momento em que o Sol
expirava
E um cheiro exaltava de estranho
churrasco,
Ouviu-se uma voz ressonante e
temível
De um gênio invisível chamando o
carrasco:
“Campônio perverso,
brutal,execrando,
Que estás entoando tão negro
epinício,
Quem foi que te disse, cabeça
insensata,
Que o fogo na mata te traz
benefício?
Tu, ontem, tirano, daqui
conduzias
Batatas macias e loiras espigas,
Os pomos fragrantes, arroz e feijão,
E o mel,- doce pão,- das abelhas
amigas.
E agora, tu voltas,, ingrato
campônio,
Trazendo um demônio com chispas
nas assas,
E a mata feraz, generosa e
benigna,
Com flama maligna, transformas em
brasas ?
Tupã, da cabana de estrelas
broslada
Na tela azulada, distante, sem
fim,
Em face do crime por ti
praticado,
Te manda, malvado, castigo por
mim.
Por isso, em chegando ao teu
rancho dileto,
Verás, em seu teto, com grande
pavor,
Fantasmas horríveis, espectros
horrendos,
Duendes tremendos gerando o
Terror.
São vultos de agentes das leis
invisíveis,
-Titãs invencíveis,- que há
séculos comando;
Na choça a que vão e à qual vais
retornar,
Irás expiar o teu crime nefando”.
Ouvindo a sentença do sacro juiz,
Ao peso infeliz de uma cruz
abstrata,
Qual tardo quelônio que lento se
arrasta,
Do Nume se afasta o verdugo da
mata.
Em casa, a mulher do carrasco
deixara.
Num berço de vara, o filhinho a
sonhar
E fora ao regato lavar-lhe a
roupinha,
Voltando num manto de chamas,
ardia.
E enquanto o casebre trajava a
mortalha
De fogo, retalha-se o peito
ofegante
Da pobre matuta que aflita
chorava
E, aos gritos, chamava o marido
distante.
Mas, nesse comenos de extrema
aflição,
Surgiu-lhe a avisão do filhinho
que a Sorte
Ingrata lançara, do berço
risonho,
Ao antro medonho e dantesco da
Morte.
Em face daquele episódio
esquisito,
-Cenário maldito de monstros em
luta,
Aos lances da dor, a infeliz
entontece,
Delira, ensandece... depois,
resoluta.
Da Vida esquecendo-lhe o sacro
dulçor,
Arrosta o furor do sinistro
cruento :
Seus passos velozes à porta a
conduzem...
Lá dentro reluzem brasidos ao
vento.
No palco do fogo, em profana
comédia,
Gingava a Tragédia em compasso
lascivo;
Na borda do páteo, que ao drama
assistia,
Exausto, surgia o campônio
nocivo.
O bosque murmura, a campina
emudece,
A tarde esmaece, a Natura
suspira,
E a jovem campônia,- demente
heroína,
À gula assassina das chamas se
atira.
Contudo, a infeliz, num velado
gemido,
Emite ao marido dorida
mensagem...
Seu rudo consorte, com falso
desdém,
Se envolve também nos lençóis da
voragem.
E a Noite, arrastando da gruta
das sombras
Escuras alfombras, recolhe as
montanhas,
Os bosques e os prados, os vales
e os montes,
Os lagos e as fontes às negras
estranhas.
E enquanto, no topo de anosa
aroeira,
Rezava a agoureira e assustosa
acauã,
O Gênio, benzendo a floresta
combusta,
Voltava à venusta mansão de Tupã.
Fonte: Rádio Poran
Fonte: Rádio Poran
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