Zé Francisco, Neto, Elmar, dona Socorro e o casal Celso e Nevinha |
Elmar, Neto e Zé Francisco, em memorável manhã, no Sítio Carajás |
Vista observada do Sítio Carajás |
BUCHADA DE BODE
NA FAZENDA DO ROCIO (*)
Elmar Carvalho
No dia do
lançamento de meu livro Bernardo de Carvalho – O Fundador de Bitorocara,
encontrei-me com o amigo João Luís Queiroz. É ele médico veterinário e dono de
uma loja de produtos destinados à agricultura e à pecuária. Fundou, juntamente
com Elton Andrade e outros companheiros, a Associação dos Criadores de Caprinos
e Ovinos de Campo Maior – Ascamcco, que funciona na antiga sede da Fazenda
Rocio, no Bairro São João, no local onde outrora eram realizadas as exposições
agropecuárias.
Em presença do
professor Zé Francisco Marques, disse-lhe que minha mãe havia descoberto uma
senhora que era uma exímia preparadora de buchada de bode, e que eu iria
encomendar essa iguaria por ocasião de minha próxima visita a meus pais. O João
Luís ficou interessado e me perguntou a data de minha vinda. Em seguida, disse
que ele mesmo iria mandar preparar uma buchada, a ser feita com bode de seu
próprio rebanho. Marcamos a data e o local do repasto.
No domingo
agendado, nos encontramos na casa grande da extinta Fazenda do Rocio. Ficamos
no alpendre que possibilitava a visão de umas árvores frondosas e de uma nesga
do tabuleiro campomaiorense, apesar de o imóvel ficar atualmente encravado em
área urbana. Fizeram parte do ágape, além do anfitrião, o Zé Francisco, o
professor Neto Chuíba, senhor feudal do sítio Carajás, o universitário
Guilherme Queiroz, filho do João Luís, e este cronista.
Além do
multicitado quitute, vieram outras iguarias, entre as quais um delicioso
sarapatel. Tudo foi preparado pela moradora da sede da Acampi, que se esmerou
no preparo do repasto, que além de farto foi supimpa. Todos fomos unânimes em
reconhecer a qualidade gastronômica dos pratos ofertados, que deglutimos com
muito brio e entusiasmo, em meio a alegre e descontraída libação. Sendo João
Luís Queiroz um grande apreciador da cultura nordestina, sobretudo das
cantorias, dos desafios de repentistas, dos poemas de cordel e do autêntico
forró nordestino, nos brindou com belíssima camisa em homenagem a Luiz Gonzaga,
o insuperável e eterno Rei do Baião, que passamos a envergar imediatamente.
Parecíamos estar em sua fazenda do Exu. Ao final, fomos enquadrados pelo meu
irmão Antônio José, que como um legítimo cangaceiro virtual nos colocou sob a
mira de uma câmera fotográfica.
Como é de minha
praxe, propus que fizéssemos uma rodada do que chamo de discursos-relâmpagos,
referentes ao evento. Para dar o exemplo e estimular os demais amigos, iniciei
a peroração. Enalteci as qualidades e virtudes de cada um dos presentes.
Recordei que quase oito anos atrás, a saudosa mãe do João Luís, a pedido de meu
pai, orou por minha saúde, e me enviou um escapulário, que me acompanhou
durante muitos anos, em sinal de Fé e de agradecimento pela minha cura. Seus
pais, Francisco e Nazaré, foram amigos dos meus. A seguir fiz a louvação da
bela paisagem do entorno, ainda um tanto bucólica, o que mais se acentuou com a
presença de algumas reses bovinas, que coroaram a festa, dando-lhe um aspecto
também pastoril. Alinhavei considerações sobre o histórico da velha fazenda do
Rocio, mormente a respeito dos familiares de seus antigos proprietários.
Disse que ela
pertencera à família do grande teatrólogo Francisco Pereira da Silva, um dos
maiores do Brasil, filho ilustre de Campo Maior, que teve a peça Chapéu de Sebo
encenada, durante vários anos, em Berlim, na Alemanha. Falei de minha amizade
com os filhos dos saudosos João Capucho do Vale e dona Consolação. Recordei que
no início da década de 70, quando eu tinha 16 ou 17 anos de idade, o poeta
Odylo Costa, filho, e sua mulher, a pintora campomaiorense Maria de Nazareth
(irmã de Chico Pereira), visitaram Campo Maior. Cheguei a ver o casal na casa
do senhor João Capucho, situada perto do Centro Operário.
A minha timidez
da época e de sempre não me deixou cumprimentar Odylo, e lhe dizer que eu
também fazia versos, ainda que tortos ou capengas. De qualquer sorte, pedi
emprestado, através do Otaviano Furtado do Vale, o seu livro Cantiga
Incompleta, que ele autografara para os seus parentes João Capucho e dona
Consolação, pais do meu amigo. O poeta era sabidamente um mestre na arte da
convivência, e soube construir e conservar belas amizades, entre as quais as
dos bardos Carlos Drummond de Andrade, Ribeiro Couto e Manuel Bandeira, que
foram seus padrinhos de casamento. Por sinal, esses vates são de minha
admiração, e de todos eles tenho livros em minhas estantes.
A minha
retração me impediu de ganhar – quem sabe? – um exemplar de Cantiga Incompleta,
autografado pelo autor, mas hoje tenho a sua Poesia Completa, edição organizada
por Virgílio Costa, seu filho, em lugar de honra em minha biblioteca, que fui
forçado a “enxugar” bastante no ano passado, por falta de espaço físico. Para
minha maior satisfação, na oportunidade em que consegui essa obra, adquiri
também os três volumes de Teatro Completo de Francisco Pereira da Silva,
publicados pela Funarte em 2009, igualmente organizados pelo Virgílio Costa,
que é escritor, historiador e pintor.
Na apresentação
da obra, que enfeixa 32 peças, o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, diz que o grande dramaturgo “fez da pobreza e
da secura do Nordeste sua temática principal e formou, com Ariano Suassuna e
Osman Lins, uma tríade de expoentes da dramaturgia regionalista”, mas reconhece
a universalidade de FPS quando diz que a sua obra “extrapola os temas regionais
e, em muitos casos, se volta para a realidade cultural do país”. Grandes
diretores e atores, entre os quais Gianni Ratto, Fernanda Montenegro, Ítalo
Rossi, Francisco Cuoco, Zilka Salaberry, Maria Gladys, José Wilker e Sérgio
Britto, encenaram obras de sua autoria. Uma de suas peças foi transformada em
filme. Não obstante tudo isso, Sérgio Mamberti, em nota introdutória, reconhece
que Chico Pereira foi um artista extremamente modesto. Sua timidez já me fora
relatada pelo ator Tarciso Prado, que foi seu amigo e lhe tinha profunda
admiração.
Ele era tio de
Olavo Pereira da Silva Filho, arquiteto, um dos mais destacados lutadores da
preservação arquitetônica do Piauí, autor de importantes obras sobre os velhos
solares do Piauí e do Maranhão, e que arrebatou um dos maiores prêmios
nacionais dessa área cultural. Era primo de Abdias Silva, campomaiorense, com
quem tive a honra de me corresponder, que foi um dos maiores jornalista do
país, e do memorialista Francisco Cardoso da Silva.
A alta
qualidade de sua obra, o seu estilo apurado, a sua técnica esmerada, no momento
em que o teatro nacional enveredou pelo experimentalismo e em busca de
pretensas ou verdadeiras vanguardas, fez com que a sua fatura teatral, embora
bem recebida pela crítica, fosse “bastante ignorada pelo público”, segundo foi
observado na cronologia, na qual consta que sua dramaturgia fora escrita numa
hora errada, ipso facto, além de haver encontrado “certa hostilidade da elite
sulista à cultura e ao desnudamento da pobreza nordestina”, de onde o
dramaturgo teria extraído sua principal temática.
Ao contemplar a
velha sede da Fazenda do Rocio, não pude deixar de me lembrar dos versos em que
o poeta H. Dobal disse ali haver tomado banho de leite. E não pude deixar de
lamentar que o notável teatrólogo campomaiorense pouco seja lembrado e
festejado em sua terra natal, apesar de há muitos anos uma lei estadual ter
determinado a criação do Memorial Francisco Pereira da Silva. Até hoje essa lei
nunca foi executada. Não sei o que impede a criação desse Memorial, uma vez que
o autor já é falecido e é um dos maiores teatrólogos brasileiros.
17 de janeiro de 2013
(*) Crônica republicada como uma homenagem ao professor Neto Chuíba (Antônio José Araújo Silva), falecido em 27/07/2013, em Campo Maior, em sua residência no Sítio Carajás, onde estive várias vezes, acompanhado de nosso amigo comum Zé Francisco Marques, professor e musicista.
Nunca me esqueço em 2001,aos 15 anos fui convidado por um colega de sala para passar os festejos da cidade de Piripiri, terra natal dele. Então fomos nos dois, mais um outro colega de sala, fomos e voltamos para Piripiti de onibus. Acho que passamos tres dias na cidade,coincidia com o feriado da Proclamação da República. Um certo dia houve na casa do meu colega anfitrião um almoço de buxada de bode, nunca tinha comido,talvez até ouvido falar. Só lembro com certeza o esforço muito grande de esconder que não tinha gostado dessa comida típica.Sim, eu degustei, não podia fazer essa desfeita na casa onde eu estava hospedado.
ResponderExcluirAmigo Poeta Elmar,
ResponderExcluirMais uma vez você nos brinda com uma belíssima crônica, onde os personagens ricamente retrataram o cotidiano da nossa gente. A abordagem sobre a buchada de bode e o sarapatel foi de dar água na boca!
Gostaria de agradecer o exemplar de "Rosa dos Ventos Gerais", gentilmente presenteado e autografado por você em nosso recente encontro.
Abraços,
Ben-Hur Sampaio
Na época das campanhas eleitorais, certos políticos que sentem até nojo de buchada, comem essa iguaria, dizem que gostaram muito e inclusive lambem os beijos. Vejam só a que ponto chegam certos hipócritas, sacripantas e demagogos.
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