Dolores,
esfinge e enigmas
Elmar Carvalho
Encontrei há
pouco, no restaurante Gula-Gula, em Regeneração, a professora Maria Dolores.
Com o seu jeito alegre e expansivo, disse que estava com saudades de mim, mas
do poeta, e não do juiz. É que estive de recesso e de férias, e fazia meses que
não nos víamos. Tempos atrás, num ato falho, chamei-a de professora Maria da
Cruz. Pareceu-me que ela não me ouviu, o que me causou estranheza.
Quando a
abordei, explicou-me haver pensado que eu não estava falando com ela, uma vez
que seu nome era outro. Imediatamente, respondi-lhe, em tom de blague, que
Cristo morrera na Cruz, mas que certamente sentira muitas “dolores”, e fora por
isso que eu a chamara de Maria da Cruz, e não, Dolores. De qualquer modo, a
cruz tornou-se o símbolo da Fé em Cristo e mesmo do cristianismo (e não
propriamente de um instrumento de tortura e morte).
* * *
Soube, por uma
nota do Simão Pedro, publicada no blog Bitorocara, que falecera em Campo Maior o
decano dos comerciantes. Vendia miudezas, como equipamentos de pesca, tubos de
linha, balas, guloseimas etc., no centro comercial da cidade. Morava num
pequeno apartamento, no fundo de sua loja. Pelo que interpretei do texto e da
conversa que mantive com Simão Pedro, ao telefone, ele era um celibatário, de
hábitos um tanto esquisitos.
Embora fosse
comerciante, e como tal tivesse que manter contatos com seus clientes e
fornecedores, levava uma vida reclusa, quase um ermitão, fechado em si mesmo e
no seu pequeno aposento. Tempos atrás, saía a noite, para passear em sua Rural,
provavelmente no intuito de se desanuviar de suas tristezas e preocupações.
Criava, no quintal, mais de duas centenas de gatos, o que, só pela quantidade,
já era uma excentricidade.
Por que ele
criava tantos gatos? Dois ou três não lhe seriam o bastante? Seria uma maneira
de driblar e compensar a tristeza e a depressão, se é que as tinha? Gato é um
animal que aguça e excita o imaginário popular, inclinado a acreditar em
crendices, lendas e superstições. Diz-se que o gato tem sete vidas e que vê e
pressente coisas, que ninguém mais percebe.
Esse
comerciante, de nome Moisés, não recebia visitas, não tinha amizades íntimas.
Era recluso, calado, sem expansões emotivas, embora fosse educado e tratasse
bem os seus clientes. Sentia-se uma nota de tristeza, escondida em seu olhar. Fico
imaginando em que pensaria ele, na solidão de seu quarto, à noite, morando num
local que era movimentado durante o dia, mas que, nas madrugadas,
transformava-se numa cidade morta, num quase cemitério.
Que emoções
sentiria ele? Que segredos guardaria? Seria infenso às emoções humanas? Seu
segredo seria não ter nenhum segredo, e levar a vida comum de um homem simples
e bom, mas que optou em viver sozinho? Não sei. Talvez ninguém saiba. E ele,
para sempre, levou as respostas consigo.
Respostas que –
quem sabe? – nem mesmo ele as tivesse, posto que, muitas vezes, o homem é a
esfinge e o enigma de si mesmo.
3 de março de 2010
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