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NATHAN SOUSA: UMA POETA EM
ASCENSÃO
Cunha e Silva Filho
Não se pode negar ou ocultar
fatos concretos e realidades palpáveis, mas tudo está levando a crer que a
produção vertiginosa do poeta e ficcionista Nathan Sousa, natural do Piauí, se
encontra em franca ascensão. A princípio. o julguei um tanto narcisista ou
autocentrado porque vivia falando de si, dos seus projetos sucessivos, nos
dando a impressão de que era uma máquina de fazer literatura que veio para se
dedicar de corpo e alma à nobre atividade da poesis, com a qual divide as suas
incursões no campo da ficção e do ensaio breve e atilado em que tem a destreza
incomum de fazer belos perfis sobre autores/obras em panorâmicas que dão gosto
de ler.
Ele é desses autores que não dão
trégua ao tempo, transformando este em novos trabalhos de sua lavra incansável.
Procurou ler o máximo em reduzido tempo do que seja melhor da grande
literatura, dos grandes poetas e ficcionistas, até mesmo das respeitadas obras
de história da literatura universal. Parece querer devorar o tempo exíguo em
tempo de antropofagia literária assimilando rápido e se inteirando célere no
meio ainda hostil aos novos quanto é a vida literária e cultural brasileira.
Já lhe saíram da sua pena, pelo
menos uns 8 livros. Conquistou, por quatro vezes, prêmios da UBE, foi finalista
em concursos literários, como o famoso Jabuti e, agora, foi também contemplado
entre os finalistas de um concurso literário de peso, o I Prêmio Internacional
de Poesia Antonio Salvado, com a obra poética O tecido das águas, reunindo uns
400 concorrentes de outros países e em concurso destinado à obra de estreia em
português e espanhol.
Natan Sousa atende bem àquele
pensamento em inglês que li alhures: “Cuide bem dos seus talentos.”´ É assim
que, a meu ver, ele faz com o que foi dotado literariamente. Digo isso porque
geralmente no Piauí, por exemplo, há bons e grandes talentos poéticos que são
prejudicados por falta mesmo de dedicação e de continuidade a seus projetos
literários. Ora, uma poeta de raça tem que sustentar-se no tempo e no espaço.
Faz seu percurso até onde lhe é possível escrever mas não desiste nem desanima
diante dos reveses inerentes à própria condição de ser poeta, a não ser que
seja tolhido pela morte ou por alguma doença que impossibilite o vate a
escrever mais, tal como se deu com o poeta-mor do Piauí, Da Costa e Silva (
1885-1950).
Ainda não li a produção poética
de Nathan . Entretanto, só com a leitura de uma de suas obras, Dois olhos sobre
a louça branca (Guaratinguetá, SP.: Penallux, 2016, 86) que resultou numa
resenha minha sob o título “Diálogo com todas as coisas, objetos e seres: a
poesia de Natan Sousa”, de certa forma, pude fazer algumas considerações
preliminares sobre o poeta piauiense, campeão de concursos. Aproveito o ensejo
para inserir aqui a referida resenha, a qual já foi lida em alguns países
importantes do mundo:
DIÁLOGO COM TODAS AS COISAS,
OBJETOS E SERES: A POESIA DE NATHAN SOUSA
CUNHA E SILVA FILHO
Com pouca informação sobre o
autor, o poeta piauiense Nathan Sousa, 43 anos, sem lhe conhecer a produção até
agora editada, me agarro a seu mais recente livro publicado, Dois olhos sobre a
louça branca(Guaratinguetá: Penalux, 2016, 85 p.). Essa editora vem publicando
outros poetas e ensaístas, alguns dos quais conheço, como Luiz Filho de
Oliveira, poeta piauiense, e Valdemar Valente, ensaísta.
Residindo no Rio de Janeiro há
tanto tempo, não tenho condições de acompanhar tudo que tem sido publicado no
Piauí, sobretudo seus autores mais jovens ou menos jovens..O que me vem ao
conhecimento é quase por acaso. As minhas referências aos novos autores vou
buscar nos poucos historiadores literários de que o Piauí dispõe, como
Francisco Miguel de Moura e Herculano Moraes.
Como diria os mais velhos até do
que eu, de um assentada li o livro em exame. Leitura rápida que me impulsionava
a ir adiante. Foi o que fiz e posso adiantar: não foi tempo perdido. O jovem
poeta como aconteceu com Luiz Filho de Oliveira, me surpreende por várias
razões, (com a sensação estranha e satisfação com que li o poeta Elmar Carvalho
nos anos 1990 e quando lhe analisei a obra poética nos anos seguintes), em
especial pela qualidade inquestionável de seus versos.
Eu tentei ver se na obra de
Nathan poderia encontrar uma imperfeição, seja de natureza da linguagem
literária, seja da própria elaboração da sua fatura poética, a meu singular,
original, na qual, a palavra, a frase, a estrofe e o poema inteiro vão-nos
deleitando pela leque de situações formais e humanas levantadas pelo autor.
Aposto na consagração desse poeta e logo logo na sua visibilidade fora dos
limites do Piauí.
Nathan Sousa nos enseja uma
poética que muito se aproxima do âmbito filosófico, sem, no entanto, desprezar
a concretude da vida, a realidade quotidiana e seus problemas e impasses, os
objetos inanimados, a flora, a fauna, coisas em geral, i.e. o mundo natural e o
mundo cultural, Tudo no livro parece querer atingir uma dimensão universal. Em
Nathan nada lhe escapa ao que se convenciona denominar de mundo real e mundo
abstrato. Luz, sombra e mitos. Por isso, sua poesia é tão invadida por objetos,
coisas, seres humanos ou irracionais, pela frequência alusiva, ou seja, pelo
intertextualidade, quer endoliterária, quer exoliterária (Cf. Vítor Manuel de
Aguiar e Silva. Teoria da literatura. 8 ed. 19ª impressão. Coimbra: Livraia
Almedina, 2011, p. 629-630), um traço muito comum nos poetas de hoje e já
anunciado, conforme amiúde tenho repetido, desde a previsão do crítico
literário inglês I.A. Richards (1893-1979).
Optou – seria o termo certo para
uma poesia constelada de signos, metáforas e símbolos? - por um poesia de corte
contraditoriamente aristocrático, na qual os verso resultam de poderosa
imagística que toca em muitos ângulos do se podia rotular de grande poema em
todas as épocas. Contudo – cabe ressaltar - o adjetivo “aristocrático,” aqui
particularmente empregado, não tem nada a ver com um poesia tradicional
parnasiana ou neo-parnasiana. Longe disso. O adjetivo refere a um tipo de
poesia inapelavelmente pós-moderna no sentido mais lato possível. Quer dizer,
uma poesia que supera as vanguardas brasileiras a partir das mudanças efetuadas
pelo Concretismo de 1956 e outras formas de vanguardas pós-concretistas. Nathan
faz parte de um grupo de poetas que pertenceriam a uma fase na qual os ismos
datados forma superados e, em lugar dele, a poesia teria em cada poeta uma forma
individual de composição. Não significa por isso que há nesses novos poetas que
estão surgindo no pais a anarquia da forma e de temas, mas um percurso poético
pessoal que tenha recebido as mais diversas contribuições tanto da tradição
literária quanto das diferentes vanguardas pelas quais passou a poesia
brasileira.
A poesia de Nathan Sousa, em
alguns aspectos formais e de comportamento com a linguagem, me lembra outro
poeta brasileiro que conheci muito, o Jurandyr Bezerra (1928-2014), autor de um
único livro publicado, Os limtes do pássaro (Belém: Editora SEJUP, 1993), bem
recebido pela crítica especializada. Tinha prontos, pelo menos oito livros de
poesia a serem editados. Bezerra nasceu no Pará e, em seguida, radicou-se no
Rio de Janeiro. Recebeu prêmios e teve poemas traduzidos para o italiano e eu
mesmo verti um poema dele para o inglês, de título “Poema para Izabel,”
extraído do livro já mencionado, Os limites do pássaro.
Como Nathan, ostenta uma poesia
de fino senso de beleza, onde o sentido do poema se encontra no próprio fruir
da linguagem e dos seus recursos imagéticos, em sua potência criativa e no seu
substrato profundamente humano além de musical, visível influência dos
simbolistas.
Jurandyr Bezerra foi leitor voraz
dos grandes poetas não só brasileiros (Cecília Meireles, Cruz e Sousa, Murilo
Mendes, Fernando Pessoa), mas um do porte do expressionista alemão Georg
Trakl.(1887-1914). Tinha especial interesse pela leitura de respeitados
ensaístas, por exemplo, um Mário Faustino, um Benedito Nunes, um Antônio
Olinto, um Antonio Carlos Secchin, um José Guilherme Merquior.
Recordo vivamente que Jurandyr
citou especialmente o último dos citados poetas no parágrafo anterior, da mesma
maneira que gostava de citar Cecília Meireles, os simbolistas. Foram, assim,
uns mais outros menos, os que, segundo ele, lhe ensinaram finalmente o que é
poesia depois de tanto tempo e canseiras de releituras, porque, acrescentava
ele, a poesia é também um aprendizado do domínio técnico – uma espécie de
epifania, uma porta aberta aos olhos espantados dos que amam e querem para si a
entrada firme e certeira do sentido da linguagem e da matéria poética que se
traduz, ao fim, em criação verbal e de apreensão do que seja o grande verso, a
grande poesia.
Jurandyr, tal qual todo bom
poeta, passou a vida inteira lendo o que havia de melhor na poesia universal
tanto de brasileiros quanto de estrangeiros. E como sabia ter a vocação e a
maneira cavalheiresca de ofertar obras da grande poesia aos amigos! Uma desta
ofertas foi uma antologia de poetas expressionistas alemães.
O livro Dois olhos sobre a louça
branca, de resto, de título insólito e enigmático, compõe-se de quatros partes,
respectivamente intituladas “Ogiva de Vidro” “Lágrima de quartzo,” “China,” e
“Estuário / Saliva.” As quatro partes reúnem cinquenta e um poemas. É obvio
que, numa simples resenha, não daria conta de um comentário abrangente o
suficiente para apreender a riqueza facilmente detectável em seus poemas, em
que a linguagem da poesia é medida milimetricamente e se encaixa no tema
eleito.Esse frêmito também, em relação a novos poetas do Piauí, experimentei na
leitura da poesia de Sonia Leal Freitas, O cedro do Éden (2002) e na poesia
satírico-social mas também estruturalmente refinada de Luiz Filho de Oliveira
na obra Das bocadas infernéticas (2016).
Não seria neste espaço que
adensaria minha análise da poesia de Nathan Sousa, mas me impulsiona o desejo
de tecer alguns breves comentários gerais do livro. Tomemos, por exemplo, três
poemas, entre tantos no livro, que me suscitam a curiosidade crítica: “Eu e a
Cidade” (p.32-33), “Sabor”(p.75) e “Ceia de cegos” (p.85) e
O primeiro escolhido retoma um
tema já poetizado por outros autores piauienses, um deles sendo Paulo Machado.
Todavia, o tratamento entre este o de Nathan é bem diverso e reflete outros
tempos poéticos. Nos poemas de Paulo Machado sobre Teresina a poesia, num
lirismo distanciado, se entronca com a denúncia social e o testemunho do tempo
histórico, enquanto que em Nathan Sousa existe uma relação mais íntima entre o
sujeito lírico e o tema de Teresina, ou seja, entre o sujeito lírico e o objeto
amado complicado desta vez pelos tempos de agora, líquidos e apressados no
torvelinho da pós-modernidade impessoal e brutal.
O poema é uma mini-autobiografia
do poeta que se debruça corajosamente sobre o seu tempo presente e o passado.
Fala do presente da sua cidade, Teresina, em constante metamorfose. É um belo
poema, um dos melhores do livro costurado entre a saudade dos entes queridos e
as transformações que o amadurecimento vai exercendo sobre o homem-poeta:
“retorno à cidade onde nasci/e onde vi meu pai e (pouco depois) minha mãe
partirem/para sempre”.(p.32, primeira estrofe).
Nesse poema há um controlado halo
de nostalgia indefinida do que foi a cidade do período existencial do autor por
ele mesmo situado: “Será esta a Teresina/que se abriu em cores e vozes/ naquele
distante ano de 1973? (p. 33, estrofe 7). É evidente que essa sensação de
estranheza sentida por alguém que se afastou da sua cidade berço é
compartilhada por outros pessoas, até pelo “homem comum,” porém sobremodo pelos
artistas, poetas, escritores em geral, gente com maior sensibilidade de
transmitir emoção e beleza através da comunicação literária.O poema é um grande
mergulho no sentimento da saudade contida pela emoção controlada pela mensagem
sintética tão afinada que deve ser com o ato poético e pela consciência e razão
metapoética.
No poema ‘O sabor,” existe um
“topos,” o da imagem da “louça branca” que, por sinal,faz parte do título do
livro. Ele, portanto, é recorrente, aparece aqui e ali na obra.Não é meu
intuito aqui me éter neste sintagma ou no lexema “louça.” Sua hermenêutica será
certamente uma das linhas de força do poema. Nathan, tanto quanto outros poetas
de hoje, usam de alguns artifícios que já foram empregados por poetas da
modernidade, como um Vasco Graça Moura (1942-2014)poeta português, ou um mais
antigo, e o norte-americano e.e.cummings (1894-1962). Eles usaram letra
minúscula para nomes próprios, assim também as empregaram depois de um ponto.
Outra traço tipográfico semântico-visual igualmente encontrado na poesia de
Luiz Filho de Oliveira) é, entre parênteses, incluir um enunciado alusivo ao
poema ou mesmo de sentido enigmático ou indecifrável.
Cumpre não esquecer que a poesia
atualizada de Nathan Sousa tematicamente se irradia para múltiplas direções, não
somente para o olhar dirigido aos objetos, coisa e seres, segundo assinalei,
mas para outras questões que embutem no poema voltadas ao universo das artes,
da temas sociais e globais, Combina os mundos ocidental e oriental. Desloca-se
como uma espécie de globe-trotter.
Há uma visada para uma
abrangência universal atingindo, além disso, outros espaços naturais, a água, o
líquido, os pássaros (frequente nele também é suas referência a essa espécie
animal. Voltemos ao poema “Sabor.” Há sempre um segundo ou terceiro ou mais
sentidos num só poema que converge para uma opacidade de sentido abrindo-se ao
hermetismo e a um esteticismo acessível a poucos iniciados.
Neste ponto, sua poesia é muito
mais sofisticada do que foram os poetas da geração-70, com o mimeógrafo, com
alguns poetas reunidos em antologia a cargo de Heloísa Buarque de Holanda,
antologia que se tornou, por assim dizer, um clássico, sob o título de 26
poetas hoje ou mesmo com os da geração-90, que teve duas edições (Editora
Aeroplano) e mereceu uma outra antologia intitulada Esses poetas, também
organizada por Heloísa Buarque de Holanda.
No poema “sabor” é evidente uma
dicotomia entre o abismo de uma hecatombe natural insinuada pelo binômio “goela
e o big bang e um desejo meio que incerto, a despeito do risco, do recurso à
poesia. O poema se inscreve entre o disfêmico ( big bang, “mefistofélico”,
“combustão desavisada” e “armas” e o eufêmico ( “louça branca,” “canto de
louvação,” “educada”). O poema não afirma abertamente, se camufla semanticamente.
No poema “Ceia dos cegos,” o
derradeiro do livro, que exibe uma epígrafe de escritor português Miguel Torga,
está associado à religiosidade cristã na acepção do conhecimento atento do Novo
Testamento, do qual é citado uma frase de Mateus (não sei por que o poeta
grafou em inglês mathew, quando poderia fazê-lo em português).
As referências ao “mito” e ao
“sono da caverna” são bem indicativas das intenções oblíquas (se é que há
intenções num poema) da natureza do tema do poema. Apontam para muitos
questionamentos de cunho mitológico, social, estético e filosófico. A citação
de Mateus, por sua vez, reenvia ao topos dos “olhos” e da “louça branca” que
formam o título da obra. O poema “Ceia dos cegos” não se torna por isso
religioso, católico ou de outra denominação. A uma afirmação do sujeito lírico
corresponde uma desconstrução. O conceitual se desfaz, muda de rumo e causa
estranhamento não pelas aporias existentes como ainda por sua súbita
metamorfose semântica, levando àquela opacidade, àquela conceituação de
Mallarmé:
(...) referir-se a um objeto pelo
seu nome é suprimir três quartas partes da fruição do poema, que consiste na
felicidade de adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o que sonhamos. É o uso
perfeito desse mistério que constitui o símbolo; evocar pouco a pouco um objeto
para mostrar um estado de alma, ou, inversamente, escolher um objeto para e
desprender dele um estado de ama por uma série de decifrações.” (apud Tavares,
Hênio, Teoria literária. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 8.ed. rev.
e aum., 1984, p.89).
As múltiplas vozes de espaços e
tempos diferentes tornam a poesia de Nathan Sousa um poliedro que, num
melting-pot, sabe agasalhar ou recusar todos os caminhos possíveis da poiésis –
um desabrochar de temas cruciais e de questões filosóficas, que atravessam
rios, oceanos, mares, lagos, continentes do Ocidente e do Oriente e tentam
encontrar ressonâncias ao seu canto de pássaro ávido para ao menos tornar o
nosso universo mais humano e fecundo, onde o lirismo se faz onipresente mesmo em
meio à contramaré da contraditória e tumultuada existência contemporânea na
Terra.
Meus agradecimentos a esses dois grandes nomes da literatura piauiense: Cunha e Silva Filho e Elmar Carvalho.
ResponderExcluirEmbora não tenha identificado a autoria do comentário acima, creio ser do caro poeta Nathan. Pela minha parte, direi que não há de que; você bem merece a análise crítica do amigo Cunha e Silva Filho.
ResponderExcluirAbraço,
Elmar