REMINISCÊNCIAS DO AÇUDE CALDEIRÃO
José Pedro Araújo
Romancista, cronista e historiador
Era começo de 1976 quando conheci
o belo Açude Caldeirão, em Piripiri. Fazia parte de um grupo de quatro
estudantes, dois de Engenharia Agronômica e os outros de Engenharia de Pesca
vindos da Universidade Federal Rural de Pernambuco, para ali estagiar. Pois,
além de se desenvolverem ali um perímetro irrigado para a agricultura, havia
também uma colônia de pescadores que se utilizava dos 54.000.000 m³ de água
armazenada em suas três bacias. A ideia primeira que tivemos foi a de um
belíssimo Projeto de Assentamento tocado pelo DNOCS. As casas construídas para
abrigar os colonos eram de boa qualidade e enfileiravam-se à esquerda da
entrada do projeto, atrás de um belíssimo conjunto arbóreo bem delineado. E
sobre um promontório, uma simpática capela dava as boas vindas aos visitantes
que por ali chegavam. Mas a melhor parte da nossa primeira visita ao local
aconteceu quando fomos conduzidos à bela e aconchegante Casa de Hóspedes do
projeto: em frente descortinava-se um lago de águas cristalinas que faiscavam
naquele fim tarde. Um belo cartão de visitas, não havia dúvidas.
Como falei no princípio do texto,
estávamos ali para um estágio que deveria durar trinta dias. Foi uma
experiência incrível e um momento de aprendizagem que marcaria as nossas vidas.
Logo após sermos instalados na pousada, fomos conhecer o chefe do perímetro e
as instalações do projeto. Tudo de ótima qualidade e extremo cuidado. Fui
apresentado ao técnico que iria coordenar as atividades do meu estágio, um
espanhol muito simpático e educado, Ariosto Solera, que logo se transformou em
um grande amigo, além de instrutor dos mais eficientes durante os dias que
passei ali. Ariosto era o representante do IRIDA, instituição espanhola voltada
à irrigação, e que mantinha uma parceria com o DNOCS.
Logo no dia seguinte, depois de
algumas explanações sobre o projeto levado a cabo pela instituição, Ariosto
abriu um mapa sobre a mesa. Era a planta do novo canal de irrigação construído
há pouco. O meu primeiro trabalho seria traçar o perfil daquele canal, em papel
milimetrado, levantando em campo todas as cotas instaladas a cada cem metros,
com as informações necessárias. Depois de concluído o trabalho de campo,
chegamos à conclusão de que houve erro na construção do canal principal,
situação já observada na prática ao se verificar que, enquanto em alguns pontos
o canal permanecia com pouca água, em outros, a água quase chegava a
transbordar, evidenciado um erro grave de nivelamento. Tal fato levaria a
procuradoria do órgão a ingressar com uma ação contra a construtora responsável
pela obra. Pelo menos foi o que ficou acordado na época, uma vez que empresa
responsável pela obra alegava um erro na concepção do projeto básico, e que não era de sua responsabilidade. Não tive
mais informações se houve, de fato, ajuizamento da tal ação.
Foram dias muito bons aqueles que
passei no Projeto Caldeirão. Sob um inverno tenebroso, as chuvas caiam quase
todas as tardes e noites, tornando a estada ali também diferente. A Casa de
Hóspedes estava construída sobre uma elevação do terreno, e não a jusante da
barragem, como ocorreu no caso da fatídica barragem de Brumadinho, em Minas
Gerais, o que ensejou a morte ou desaparecimento de mais de trezentas pessoas
após recente colapso sofrido pela barragem. Tínhamos uma vista esplendorosa do
açude, o que transmitia grande paz interior ao ficar contemplando aquele
poderoso ajuntamento de águas. Bem, menos nas noites chuvosas, quando o vento
esbatia sobre as folhagens das acácias plantadas na frente da pousada emitindo
um som pavoroso daqueles filmes de terror, e deixando o ambiente com aspecto
fantasmagórico.
Voltei ao Caldeirão umas poucas
vezes nesses últimos anos. A maioria delas para degustar uma saborosa peixada
servida no restaurante que fora antes a Casa de Hóspedes. Entretanto, por esses
dias, a imprensa tem explorado muito a questão da falta de manutenção que essa
barragem sofreu nos últimos anos, o que levou a formar fissuras preocupantes na
estrutura do seu paredão. E isso, levado pelo que aconteceu em Brumadinho, tem
apavorado a população da região. O rio Caldeirão é afluente do rio dos Matos, e
este passa ao lado da cidade de Piripiri, situada a menos de 10 km de
distância. Em caso de colapso da barragem, fatalmente seus efeitos seriam
danosos para as populações ribeirinhas situadas logo abaixo.
O termino da construção da
barragem (Açude Caldeirão) se deu em
1945, e dez anos depois, em 1956, apresentou graves problemas em sua
parede. Corrigidos os problemas, outros voltariam a atacar a estrutura do
paredão, liberando água em quantidades alarmantes. As providências tomadas com
urgência evitaram um mal maior. E desde então, apenas pequenos problemas foram
verificados, pelo que se sabe.
Os problemas surgidos ultimamente
na parede de 746 m são decorrentes do tempo de construção, do uso, muitas vezes
inadequado, mas, principalmente, pela ausência de manutenção. As águas do Açude
Caldeirão são usadas hoje para irrigação, mas também como um balneário que
conferiu grande importância turística ao município de Piripiri. Erigido em uma
região muito populosa, um colapso ocasional poderia causar prejuízos insanáveis
a população local. Ou até mesmo a morte de muitos dos que ficam no raio de ação
daquele importante projeto.
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