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TRADUÇÃO DE UM CONTO DE OSCAR
WILDE (1854-1900)
O GIGANTE EGOÍSTA(1)
Cunha e Silva Filho
Articulista, cronista e
memorialista
Toda tarde, enquanto vinham da escola, as crianças costumavam ir brincar no jardim
do Gigante egoísta.
Era um
belo e amplo jardim, com macio e verde relvado. Aqui e ali, havia,
sobre a relva, lindas flores
semelhantes a estrelas, e havia doces pessegueiros que, na primavera, brotavam delicadas folhas de cores rosa e pérola, as
quais, no outono, davam ricos frutos. Os pássaros pousavam nas árvores e cantavam tão docemente que as crianças paravam de jogar a fim de poder acompanhar-lhes o canto.
Certa vez, o Gigante regressou. Havia ido
visitar um amigo, o Ogre Cornualês. Ao
chegar, viu as crianças brincando no jardim.
“O que estão fazendo aqui?” – gritou com uma voz
ríspida. As crianças dali
sumiram.
“O meu
jardim só a mim pertence, disse
o Gigante, “qualquer um sabe disso. E
não permitirei que ninguém aqui brinque exceto eu próprio. ”Dito isto, construiu
um muro alto e colocou uma tabuleta – “INVASORES SERÃO PROCESSADOS.
Era um Gigante muito egoísta; As pobres crianças agora não tinham aonde ir
brincar. Tentaram divertir-se na estrada, porém esta era muito
poeirenta e cheia de pedras duras. Não gostaram dessa experiência.
Habituaram-se, no entanto, a vaguear em torno do muro alto
após as lições da escola e a conversar sobre o lindo
jardim lá dentro. “Quão felizes
éramos!” – exclamavam umas para as outras.
Veio, depois, a primavera e, por
toda parte, não se viam quase flores nem pássaros. Somente no jardim
do Gigante egoísta o inverno
ainda persistia. Os pássaros não mais desejavam ali trinar, porquanto não havia
mais crianças e as árvores
deixaram de brotar. “Não posso
entender por que razão ela está
demorando tanto a chegar,” acrescentou o Gigante, enquanto
sentava-se diante da janela e
olhava para fora vendo seu jardim frio e branco. “Espero que o tempo
mude.”
A primavera nada de chegar., nem o verão. O outono trouxe áureos frutos
a todos os jardins,. Somente no jardim
do Gigante o tempo permanecia
imutável.
Certa manhã, o Gigante, encontrando-se na cama
acordado, ouviu uma música maravilhosa. Parecia-lhe tão
suave aos ouvidos que julgara estarem passando lá fora os músicos do
Rei. Mas, aquela música não era senão o
canto de um pintarroxo do lado de fora
da janela. Contudo, fazia tanto tempo que não ouvia mais uma pássaro cantando no jardim que lhe pareceu ser a mais bela
música do mundo. Em seguida, da janela aberta recendia um
delicioso perfume. “Creio que a
primavera chegou finamente,” afirmou
o Gigante que, então, saltou
da cama e olhou pra fora.
Visão mais encantadora
jamais descortinara. Por um buraquinho
do muro, as crianças haviam passado
furtivamente para dentro do jardim e já
se encontravam sentadas nos ramos das
árvores. Em cada árvore ele pôde ver uma
criancinha. E as árvores ficaram tão
alegres com a chegada novamente das crianças que desabrocharam e ainda
agitavam suavemente os ramos por cima das suas cabecinhas. Os pássaros adejavam e gorjeavam
deliciosamente. As flores, com risos,
olhavam por sobre o verde relvado. Que
cena encantadora! Apenas num canto do jardim ainda era inverno e nele havia um garotinho em pé. Era tão pequeno que não podia
alcançar os ramos das árvore. Gritava em desespero.
Foi então que o coração Gigante começou a amolecer à medida que olhava
para fora; “Como fui egoísta!”
–concluiu; “Agora sei por que a primavera não queria voltar aqui. No topo da árvore, vou pôr aquele garotinho. Em
seguida, derrubarei o muro, e meu
jardim há de ser o pátio de recreio para todo o sempre!”
Seu lamento
por tudo que fizera de mal era
verdadeiro .Desta forma, descera de onde
estava e abriu a porta de frente com
muita delicadeza e , dirigiu-se ao jardim. Entretanto, ao vê-lo,
as crianças ficaram tão
amedrontadas que saíram todas
correndo. O jardim, outra vez,
voltou ao tempo de inverno.
Somente o garotinho não correu, pois os
olhos estavam tão cheios de
lágrimas que não viram
a aproximação do Gigante. O Gigante
subiu furtivamente até ele por detrás,
colocou-o gentilmente na mão
e o levou até à árvore. Rapidamente em
flores desabrochou a árvore e os
pássaros nela cantar vieram. Logo
depois, o garotinho estendeu os
dois bracinhos enlaçando o pescoço do
gigante e o cobriu de beijos. As outras crianças, vendo que o Gigante não lhes
parecia mais um bicho papão, vieram correndo de volta ao jardim e com elas chegava a primavera.
“ Este jardim é vosso,
minhas crianças", arrematou
o Gigante e, segurando um grande
machado, botou abaixo o muro.
Quando pessoas estavam indo ao mercado às doze horas, encontraram
o Gigante junto das criancinhas no mais belo jardim que jamais
haviam visto.
(TRAD.. DE CUNHA E SILVA FILHO)
NOTA: (1) Apud CAMPOS, JR.J. L.
Springtime. 2nd. revised edition. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940,
p. 158-161.
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