quinta-feira, 19 de setembro de 2019

OS CLÁSSICOS E AS GOROROBAS



OS CLÁSSICOS E AS GOROROBAS

Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

                Como passava bem perto delas, decidi entrar em uma, na verdade, nas duas filiais de redes de livrarias da cidade, para procurar, especificamente, dois títulos: o primeiro, do qual me aconselharam a leitura por se tratar de uma história contada e escrita a partir de fatos reais, e muito interessante, na opinião de quem me a indicou, cujo enredo seria uma espécie de biografia do neto, escritor, e de sua avozinha, vítima de Alzheimer, denominado Quem, eu?; o outro, um clássico da literatura mundial, Ana Kariênina (ou Anna Karenina, como também já vi escreverem). Em nenhuma delas, nenhum dos livros. Belas livrarias, aquelas! Bem, provavelmente, tais títulos não lhes fizessem mesmo qualquer falta, de vez que suas estantes e vitrinas abarrotadas estavam de livros de autoajuda, de leitura adolescente, dos filósofos e “coachs” da moda, dos tais especialistas em empreendedorismo, neurolinguística, conselheiros econômicos e financeiros, certamente, muito mais procurados e consumidos do que os que buscava.

                Saindo dali, dirigi-me a um dos shoppings da cidade, que sabia possuir livraria pertencente a uma grande rede nacional, com mais um objetivo, além de procurar os livros não encontrados: degustar um espresso quente e encorpado.

Enquanto esperava o café encomendado, também para ganharmos tempo, passei minha lista a um vendedor. O espresso chegou até mim ao mesmo tempo em que o funcionário da loja trazia-me o resultado da busca que fizera: do primeiro título – Quem, eu? - não constava qualquer exemplar no estabelecimento; do clássico de Tolstói, uma variedade de opções, em termos de edições e de preços. Pedi ao gentil vendedor que fizesse outra pesquisa para que eu me decidisse pela melhor alternativa. Ele me aconselhou a continuar tomando meu cafezinho, tranquilamente; nesse ínterim, aproveitaria para atender a outro cliente. Concordei com sua sugestão. Peguei, então, um exemplar de jornal da cidade, que a loja colocava à disposição das pessoas que vão à sua cafeteria, e pensei, lá comigo: como parecem feitos um para o outro, o café na livraria e o jornal. Na coluna de um conhecido cronista da sociedade local, fiquei sabendo que determinado cidadão, figura onipresente nas páginas do articulista, dizia-se escritor, tanto que estava sendo lançado – creio que pelo profissional da imprensa, já que em nenhum outro meio de comunicação tivera tal informação - à concorrência de uma das cadeiras esvaziadas pela morte de seu ocupante, da principal academia de letras do estado. Incontinenti, veio-me à mente sagaz observação, feita, tempo atrás, por um vetusto professor: segundo ele, ali, intramuros, existiam mais academias de letras do que acadêmicos. Não me pareceu fora de contexto, naquele momento, o pensamento do docente, tendo em vista que, de fato, não eram raros, certos “escritores”, “beletristas”, membros, ao mesmo tempo, de várias instituições literárias naquela plaga.

                Levantei-me, paguei o café e fui à procura de meu vendedor. Já lá estava ele, em frente ao terminal de computador, com a relação de edições do livro Ana Kariênina. Dispôs-se a me acompanhar no exame físico dos mesmos, a fim de que pudesse decidir pelo que mais me agradasse. Feito isso, dirigi-me ao caixa.

                Antes de sair do estabelecimento, passei dando uma olhadela na organizada parafernália de títulos e de capas fantásticas, belamente ilustradas ou fotografadas, e pude perceber que a maioria de tais “obras-primas” – corrigindo: best-sellers, vá lá – pertenciam a autores por mim desconhecidos, ou pelos quais jamais me interessara; como nas primeiras livrarias: especialistas - que se (ou lhes julgavam) figurinhas carimbadas - da indústria do coaching, do aconselhamento econômico-financeiro, da modernosa filosofia, participantes dos mais variados programas da televisão, do rádio ou de colunas de jornais, onipresentes em todas elas. Quedei-me, pensando: deve ser por isso, tanta gente fazendo “literatura”, que até quem, possivelmente, não teria vez, muito menos cadeira para ocupar em academias que valorizassem, verdadeiramente, o talento, as boas letras, a literatura como quer significar a expressão, literalmente – e não o fato de serem personalidades da sociedade que se destacam pelo poder econômico ou político que possuem -, se arvora capaz e apto a assumir uma vaga em diversas delas, tendo escrito pouco ou quase nada de, verdadeira e, artisticamente, relevante, interessante.

                A propósito do clássico Ana Kariênina, de Tolstói, e de tantas outras obras-primas do mesmo quilate – quem sabe até o título que não encontrei durante minha caminhada cultural -, não tenho dúvida de que dedicar-se à sua leitura somente não agradaria àqueles que preferem ler as gororobas que a maioria das livrarias é obrigada a expor, desde a porta de entrada, nas melhores e mais visíveis vitrines e prateleiras.   

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