Anos 70: por que essa lâmina nas palavras?
Daniel C. B. Ciarlini
Ensaísta, crítico literário e professor
Do esforço de José Pereira
Bezerra em interpretar a complexidade dos anos de 1970 no Piauí, sobretudo as
lutas empreendidas e os produtos simbólicos produzidos, surgiu Anos 70: por que essa lâmina nas palavras?
(1993). A meu ver, obra fundamental para acessar pormenores da produção
cultural que ganhou contornos teóricos sob o signo da “antiestética marginal”.
Época de lutas, de experimentações, de desabafos e de muita audácia – pequenas
expressões (de grandes significados) que ajudam a compreender o ímpeto dos
jovens que fizeram época em resistência ao autoritarismo ditatorial brasileiro,
lançando nas lides da literatura o necessário e nunca vencido impulso do
engajamento, olhar distanciado da alienação.
Uma resposta já distante no
tempo, mas que, como nunca, deve ser remexida, chacoalhada, a fim de inspirar
as gerações do século XXI que precisam de um choque, de um símbolo indicativo.
Sim, as lições, as resistências ou mesmo as virulências deixadas ali pelas mãos
furiosas da geração mimeógrafo devem ser recompostas, devem inspirar, em
inescapável auxílio e obstinação a esses duros e obscuros tempos que retomam
pouco a pouco, de maneira quase cíclica, a tendenciosa desinformação.
Essencialmente, é com os
trabalhos de poetas e contistas que se ocupa o estudo de José Bezerra,
concentrando olhares aos dois polos do estado: Teresina e Parnaíba. E desta
destaco o providencial nome de Alcenor Candeira Filho, artífice das letras
criativas e ensaísticas que nos últimos dez anos me tem inspirado respeito e
admiração. Referencio ainda Elmar Carvalho, Paulo Machado, Menezes y Morais, Chico
Castro e Rubervam du Nascimento, expoentes do “fenômeno” da poesia marginal,
como definira com grande acerto o autor do livro.
Tenho discutido em rodas
acadêmicas e entre escritores a importância desse trabalho que, penso eu, devia
ser ampliado e reeditado, síntese que é de um olhar dos mais apurados de quem
que não só interpretou uma geração, como a vivenciou – daí a singularidade do
estudo, daí a profundidade e o testemunho que se desenham nas páginas. O autor,
no mais significativo entendimento da poética marginal piauiense, deixa
entrever a multiplicidade da década, que não pode ser compreendida sem o
imprescindível auxílio da história, da linguística e da análise sociológica, esta
que nos permite acessar os meandros da criação e as inter-relações entre
produtores, não produtores e seus contextos discursivos.
Mas nada vence o casamento
precioso de dois olhares, o dedutivo e o indutivo, responsáveis pela
vociferação das fontes consultadas (livros mimeografados autofinanciados e
periódicos alternativos – listagem vestigial de pesquisa), em suas mais urgentes
especificidades. Acredito ser o momento de a academia ou de instituições de
salvaguarda do Piauí buscarem reunir esse material a fim de facilitarem o
acesso, a pesquisa e a sua consequente análise, não apenas no campo da
história, como se tem feito nos últimos anos com grande propriedade e a duras
penas, como também em áreas congêneres, a citar os estudos de literatura,
reverberando para o porvir o grito rebelde e verdadeiro dos jovens de 1970,
cuja herança nos é não apenas importante, mas um caminho.
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