sábado, 2 de novembro de 2019

ONDE ESTÃO OS QUE SE FORAM?



ONDE ESTÃO OS QUE SE FORAM?

Cunha e Silva Filho

          É esta a pergunta que me faço. Porém, mesmo eu, que enfrento  esse novo texto,    não sei ao certo responder plena e satisfatoriamente   a esta pergunta. Foram-se  para sempre de nós? Foram-se porque não mais  a nossa  pessoa  os interessasse? Tampouco saberei  com segurança   responder a esta outra indagação.   Não saberei jamais  porque se foram e  nos  deixaram no meio do caminho onde nem havia a célebre “pedra “  do famoso  verso drummondiano. Simplesmente se  foram e talvez não mais  voltarão.

       Esse é o busílis da história.  O nó cego, que, aliás,  é um título de um romance de Geraldo França de Lima (1914-2003))  aquele ficcionista  de Serras Azuis (1961),  cujo  exemplar me foi  ofertado  pelo  autor   quando me lecionou  literatura brasileira  na Faculdade de Letras  UFRJ.,  nos anos 70 do século passado.

      Foram-se outros  por razões as mais diversas e as mais  intrigantes já que não houve nenhuma rixa  ou  arranhão  na esfera  da amizade      para que partissem   do meu convívio. Foram-se os que  já me vieram   com a alegria   bem-vinda de suas chegadas. Outro também se foram  porque  mudaram de endereço ou por   morarem  longe, sem omitir o fato de que   a grande cidade,  em vez de unir,   separa.

      Resta indagar  um coisa: foram–se por minha causa  ou  porque, como  uma mulher  que  depositava confiança  no homem amado, se decepcionou   com ele e,  segundo a palavra que gosta de usar,  se desencantou  e o desencanto de uma mulher  é coisa séria,  pois vem  acompanhado  de decepção,  certa raiva,  humilhação sofrida   e indiferença, esquecendo tudo  o que havia   dito ao  amado   durante os momentos mais   encantadores  do convívio com  ele. A mulher desencantada  dificilmente voltará, visto que,   ao se desencantar,  tudo que era belo e bom  foi apagado  da parte mais  sensível  dela: o sentimento amoroso. 

      Foram-se  aqueles  que  para eles nos tornamos inúteis,  sem interesse, esquecendo  tudo que havíamos feito  de bom. Feriram-nos por serem  ingratos  conosco. O que foi  feito por bondade e amizade desinteressada  foi também por água abaixo. Ao passarmos por eles, nos viram a cara ou  fingem que nunca tivemos  um  contato  amigável e promissor.

   Mas existem  os que se foram  contra a nossa vontade  e nos deixaram  só lembranças  queridas  e indeléveis. Não podemos culpá-los por nos deixarem,  uma vez  que  nos deixaram  para  viverem numa outra dimensão e jamais  nos voltarão ao convívio  agradável  de uma amizade  perene  ainda que na brevidade  da vida.  Ah, com  sinto por esse grupo  que me deixou  a contragosto um vazio  de mistura  contraditoriamente com a alegria do tempo em que  estavam  comigo em diversos  lugares da mesma atividade!

     Sei que alguns ainda  estão entre nós, mas será difícil encontrá-los na imensidão da metrópole, pois  cada uma tomou seu rumo   e os contatos  foram-se, pouco a pouco, se diluindo  até se perderam na multidão.

    Há ainda os que se foram,  mas ao mesmo tempo   permanecem. Sabemos onde estão.  Contudo, o diálogo  se vai rareando por vários motivos. Saúde,  distância,    falta  de  motivação,   a idade avançada, entre outros fatores  dissuasivos.  Por outro lado,  a amizade  se mantém  intacta. Bataria acionar   um pouco de nossa inciativa  para  novamente vir à tona  com cansaço, claro, mas com  uma alegria que  ainda  restou  para sempre  nos nossos corações saudosos.

   Não há  como  retroagir a fases  passadas  na travessia   avassaladora no tempo e no espaço  da vida de cada um de nós. Onde estão os que se foram?   

6 comentários:

  1. Amigo Cunha,
    No momento em que me preparo, neste melancólico Dia de Finados, para visitar o túmulo de meus pais em Campo Maior, e me minha mulher mais uma vez me adverte sobre o horário de nossa saída, é que fui ler sua bela e excelente crônica com vagar e atenção.
    Nela perpassa certa filosofia reflexiva, algumas indagações e questionamentos, que, creio, nunca saberemos responder em plenitude, e o comovente lirismo da mulher "desencantada" com o homem que ela amava. Talvez o desencanto se deva a um excesso de confiança, esperança e espera de reciprocidade que nele a mulher depositou. Quando não esperamos muito de uma pessoa, pouco ou nada nos decepcionaremos.
    De qualquer sorte, o seu penúltimo parágrafo explica muita coisa, sobretudo nos dias apressados e estressantes de hoje.
    Crônica para ser lida, relida e meditada. Parabéns.
    Abraço,
    Elmar

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  2. Estimado Elmar:

    V., com lírico que é, na maior parte de sua obra poética, tem o sentimento à flor da pele e por isso sabe ver de longe os sentidos múltiplos do texto, no caso específico, a crônica em questão. Eu a escrevi num momento de profunda melancolia, momento que traz ao texto não somente a imaginação das ideias e pensamentos nele imbricados, mas também uma parte ponderável da realidade empírica mascarada pela linguagem literária, que é, por natureza, transgressão, surpresa, opacidade, ambiguidade e outras formas de "deformar" (no sentido aristotélico) a realidade para a tornar literária. É bem verdade que, no texto, há um viés confessional, o qual, a meu ver, é um traço da minha crônica, ao lado de outro, que é o componente memorialístico. Tratando do tema da amizade, o texto vai tomando direções situacionais múltiplas que levam à meditação do leitor e até o fazer repensar a sua própria visão sobre o tema, ou seja, talvez quisesse eu provocar uma discussão ampla sobre o papel da amizade, da sua durabilidade ou do seu fracasso ou ruptura. Seu comentário, com a grandeza de sua argúcia, já seria uma das respostas desejadas pelo autor da crônica. Muito obrigado pelo seu estímulo, me caro amigo.
    Receba o abraço do conterrâneo

    amª e admor de sempre.

    Cunha

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  3. Amigo Cunha,
    Acrescentaria que a vida, em sua dinâmica e sincronizações, ajunta e afasta, e promove encontros e desencontros, sem que ninguém seja culpado de nada. Diria, evocando O. G. Rego de Carvalho, que somos todos inocentes no carrossel da vida.
    A própria velhice, com os seus achaques e fraquezas, também concorre para esses isolamentos e ostracismos voluntários.
    Abraço,
    Elmar

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  4. Poeta Elmar Carvalho:
    Sua resposta ao meu comentário é um complemento e uma espécie de conclusão alusiva ao meu texto em que eu e V. nos damos as mãos nessa ciranda que é a vida. Um belo complemento. por sinal. Um grande amplexo do sempre amigo
    Cunha

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  5. Valeu, caro Cunha.
    Aproveito para lhe comunicar que farei parte de um debate em sua bela Amarante, em que serão estudados seu pai, o saudoso Cunha e Silva, Da Costa e Silva e Clóvis Moura, três importantes intelectuais e escritores amarantinos. Minha participação e do confrade Reginaldo Miranda será no dia 28, às 14 horas.
    Abraço,
    Elmar

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