domingo, 17 de novembro de 2019

QUATRO POETAS DO PIAUÍ – Poemas – Parte 1




FLAGRANTES

Elmar Carvalho

no céu azul
um urubu

sob o negror
do guarda-sol
o pelotão azul
de teus olhos
da sombra
me fuzilou


MINHA VOZ

Clóvis Moura

Minha mãe deu-me um cravo cristalino
quando nasci. Guardei-o na garganta.
Por isto a minha voz parece o eco
de todo sofrimento que não canta.
Com isto a minha voz se fez desejo
dos surdos-mudos, das mulheres mancas.
É o plenilúnio dos abortos tristes
e o gira-sol dos cegos que não andam.
Minha garganta já sentiu o travo
da palavra guardada e não ditada
por causa dos fonemas mutilados.
Há na voz desse cravo que não toca
um desfilar de mortos e de enterros
e gritos por silêncios soterrados.


ORAÇÃO PARA INVOCAR AS QUE NÃO VIERAM

H. Dobal

Venham a mim todas as que não me quiseram,
todas as que deixaram de conhecer, no sentido bíblico,
um homem competente não só na palavra amor
mas também nos carinhos mais fundos.

Venham todas:
as que morreram,
as que engordaram,
as que se enterraram
na rotina dos casamentos.
Venham todas as que o destino não quis.


O HOMEM QUE VOLTA

Da Costa e Silva

Quando fui, com o meu sonho ingênuo e lindo,
Pelas estradas amplas, luminosas,
Vinham as Graças desfolhando rosas.

Ergui os olhos para os céus, sorrindo,
A beleza da vida pressentindo...

Quando vim, com o meu tédio miserando,
Pelos estreitos e áridos caminhos,
Iam as Parcas espalhando espinhos...

Baixei os olhos para o chão, chorando,
E fiquei para sempre meditando.   

Poemas extraídos de LB – Revista da Literatura Brasileira, nº 6

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