Antiga igreja de Barras, demolida em 1963 |
Coronéis e camaleões
Manoel Hygino dos Santos
Dílson Lages Monteiro
multiplica-se por quatro para seu projeto de vida: como poeta, cronista,
professor e editor. Desde 2002, mantém o Portal Entretextos, para reunir
autores de prestígio nas letras do Brasil e Portugal.
De dois em dois anos, publicou
poesia: "Mais hum', "Colmeia de concreto", "Os olhos do
silêncio", "O sabor dos sentidos", em 1995, 1997, 1999 e 2001,
respectivamente, para, em 2009, apresentar o seu "Adiante dos olhos
suspensos".
Professor há praticamente 20
anos, editou o livro didático "Texto argumentativo - teoria e
prática", o ensaio "A metáfora em textos argumentativos" e
"Entretextos - artigos e entrevistas". Pelo que aqui se informa,
constata-se ser Dílson Lages Monteiro um devotado cultor da literatura e da
língua pátria.
Agora ele se dispôs a ingressar
num campo novo: o romance, e assim apareceu "O morro da casa-grande",
2009, pela Nova Aliança, de Teresina. Porque o autor é do Piauí e, ao entrar
novo gênero, decidiu prestar homenagem tolstoiana à sua cidade natal - Barras.
No pequeno volume, bem elaborado,
quase uma extensa crônica de uma cidade que se deixa envolver pelo fascínio do
progresso, esquecendo velhas tradições e procurando, com sua população, um novo
lugar ao sol do desenvolvimento.
Com esse propósito e diante da
indesviável destinação, vê ruir costumes e construções, e entre estas a igreja
de Nossa Senhora da Conceição das Barras, no morro da casa-grande.
É um trabalho interessante, a que
não faltam vocábulos praticamente não usados no Sudeste e no Sul, expressões
bem próprias do interior piauiense. Mas um texto agradável, com uma narrativa
que faz sentido e tem propósitos claros, entre os quais o de proteger tanto
quanto possível o legado das velhas gerações.
Primeiro, perdeu-se o cemitério
"onde uma geração inteira se fechava, uma geração apagava o tempo. A filha
Perpétua partiu primeiro. Antes dela, os dois netos: um, quase anjinho, de
doença feia; outro, rapazote feito, de desastre".
Os personagens são típicos, como
aqueles meninos que mataram o gordo camaleão na mangueira do quintal e o
arrastaram com uma embira presa ao pé até uma palhoça. Lá, Maria abriu o bicho,
tirou as carcaças de couro, limpou as impurezas e jogou a carne sem cor numa
panela. Enquanto ela ria, Marciano, um dos curiosos, contorcia-se em náuseas,
por muitos dias revolvendo na memória de criança a imagem do bicho fervendo.
Será que fariam isso com criança
também?
Houve o dia em que um bando de
ciganos cruzou a cidade, obrigando a população a se esconder em suas casas.
Temiam-se furtos, inclusive de
meninas desprevenidas. Eram mais de cem e, da última vez em que por ali passou
um grupo, levaram até as galinhas de Alzira.
O menino se perguntava: por que
não davam para eles um pedacinho de chão para morar, já que eles corriam o
mundo atrás de um quinhão de terra? As janelas ficavam fechadas, enquanto os
menores se indagavam sobre as razões que levaram aquelas pessoas a perambular.
O adolescente, ou quase, se
interessava por tudo e todos os detalhes. Atanava-lhe a figura do coronel, a
gente que dava ordens. O que era mesmo um coronel? "Gente que mandava:
mandava em gente, em bichos e na própria terra".
No entanto, o coronel já não
tinha interesse em mandar. "Ele conhecia bem os sentidos dessa palavra,
mas a substância dela perdera o gosto. Não mais desejava mandar no que fosse.
Que mandassem os filhos, os netos. Queria somente - e não cansava de isso
repetir - saborear o tempo que lhe sobrava... Vivia mastigando isso: Já não
decido mais nada. Vivo para viver!"
O lugar mudava. Ele, coronel,
queria paz de espírito, duvidando que os bisnetos conseguissem viver no campo.
A vida passaria a ser nas cidades - vida de escolas, eletricidade, automóveis,
rádio". Não iriam querer disputar espaço com árvores, bichos e
escuridão".
Assim é esse livro, agradável,
uma história bem alinhavada e descrita.
Publicado originalmente no jornal
Hoje em Dia (BH-MG), em 11.02.2010
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