O CÃOZINHO DE WUHAN
Antônio Francisco Sousa (afcsousa01@hotmail.com)
Quer dizer que somos seres
racionais
porque temos razão, o que não têm
outros animais?
Parece algo pífio, digamos assim,
insuficiente,
para nos tornar a única espécie
de ser inteligente.
Temos tido dos ditos bichos
irracionais,
de um deles, a propósito, nestes
dias anormais,
impressões das melhores
possíveis, especiais;
sentimentos, emoções, coisas não
banais,
que nos deixaram, um bicho-homem,
pobrezinho,
talvez, bem mais que isso, um
coitadinho,
se comparado a Xiao Bao, o
cãozinho de Wuhan;
para o qual, e a essa vida tão
malsã,
esperava ver devolvido seu
bem-amado,
que entrara no hospital para ser
curado;
isso, depois de longa e triste
espera,
que, só para ele, não fora uma
quimera.
Não lhe contaram porque não
entenderia,
mas seu querido dono, fazia dias,
havia partido,
deste mundo louco, animal, talvez
desistido.
Como não lhe convenceram de que
morrera,
ficaria ali, por certo, para
sempre: a vida inteira.
Dor, frio, tudo bobagem de pouca
valia;
fome ou sede? Que eram elas
diante do que sentia
cada minuto, daqueles longos meses
de monótona agonia,
em que lhe negaram notícias dele,
dia após dia?
Andando de um lado para outro,
ora chorava, ora corria;
se fosse um da tal espécie
racional, aconselhá-lo-iam:
volte para casa, meu caro, vá
descansar: diriam.
Por outro lado, é bem possível
que se o doce animal,
se metamorfoseado de homem, este
ser excepcional,
há muito teria abandonado aquele
lugar
em que vira seu querido dono
nele, somente entrar.
Se pudessem entender o triste
cãozinho,
dele ouviriam, certamente: como
deixar sozinho
alguém que comigo veio, ali
entrou, e não o vi sair?
Porque dependemos um do outro,
ficarei aqui.
Não posso largá-lo, entregá-lo à
própria sorte;
vocês que inventaram que tudo
acaba com a morte.
Como vejo a vida sob prisma
irracional,
dir-lhes-ia: o homem que trouxe a
este hospital,
é meu companheiro de estimação,
um amigo leal.
Não é justo abandonar a quem se
quer tanto bem.
O amor não acaba em nós mesmos:
vai mais além.
Que história é essa, pois, de que
são irracionais
seres puros como Xiao Bao, amigos
tão especiais,
que se raciocinassem, como só
homem diz que faz,
arguiriam: então, são esses os
pobres e tolos animais
que se arvoram e se intitulam
únicos seres racionais?
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