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Alcenor visto por Fernando di Castro
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A poética alma de Alcenor
Candeira Filho!
Claucio Ciarlini
Nos últimos 23 anos, ou seja,
pouco mais da metade da minha vida, eu ouço falar, seja da boca de professores,
colegas e amigos, do grande escritor parnaibano Alcenor Candeira Filho, nascido
em 10 de fevereiro de 1947, que, para muitos (e me incluo), é um dos poetas
mais talentosos e produtivos de nosso Estado. Em razão de minha admiração por
sua escrita, sigo numa busca incansável para encontrar os livros que ainda me
restam de sua vasta coleção, tanto de obras de sua autoria, como de coletâneas
que participou. A minha coleção teve inicio desde que o conheci pessoalmente,
em 2005, após meu retorno à Parnaíba após os estudos de graduação em terras
sobralenses. De lá pra cá, tive o prazer de reencontrá-lo em diversos eventos,
especialmente os que envolvem literatura, além da honra do seu apoio e
participação nestes 12 anos de Piaguí.
Das conversas que tive com Alcenor,
eu pude perceber o seu grande intelecto… Através de suas obras, eu consegui
enxergar o seu coração… Mas confesso que foi nesta entrevista, gentilmente
concedida por ele em sua residência, que pude visualizar, ou melhor, sentir a
sua alma… Quando com o brilho no olhar, e depois de uma rápida viagem ao
passado, ele passou a mostrar, a rica e bem organizada coleção de livros,
principalmente de autores do Piauí, e como ele bem falou: Ano após ano, durante
décadas, fui adquirindo, por isso tenho essa quantidade.
Durante as lembranças do passado,
ele discorreu sobre uma infância repleta de momentos maravilhosos, eu nasci e
me criei numa casa grande, ali, na Avenida Presidente Vargas… Eu tive uma
infância muito feliz, até porque a garotada, ali vizinha, terminava se reunindo
no quintal lá de casa para jogar uma pelada, jogar isso ou aquilo… Alcenor
também comenta o seu feliz inicio de contato com a literatura: Dei a sorte de
nascer e crescer em uma casa que tinha vários livros, que eram do meu pai e da
minha mãe, e desde muito jovem, eu passei a gostar de livros… Dostoiévski,
Machado de Assis, Hemingway, Euclides da Cunha, José de Alencar e muitos
outros. Até hoje eu tenho uma paixão por leitura… É difícil o dia que vá dormir
sem ter lido algo, preferencialmente literatura, história e política.
O Escritor Alcenor só viria surgir
em meados da década de 60, quando da sua estadia no Rio de Janeiro (por ocasião
dos estudos de direito), porém o Poeta já despertava bem mais cedo, ainda nos
tempos de escola: eu lembro dos primeiros poemas que declamei na vida, ainda no
curso primário numa festinha da escola Santa Maria Gorete, dirigido pelas
professores Assunção Freitas e Helena Freitas, dois poemas de um escritor
romântico cearense, chamado Juvenal Galeno… Ainda me lembro dos versos iniciais
de cada um destes poemas:
Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?
Tu queres vento de terra,
Ou queres vento do mar?
Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor,
À sombra das tuas folhas
Venho cantar meu amor,
Acompanhado somente
Da brisa pelo rumor,
Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor.
Porém, aos 12 anos, o seu universo
de brincadeiras, jogos e livros foi estupidamente perturbado em razão da
trágica morte do pai, assassinado em 11 de outubro de 1959: a partir daí,
começaram os problemas existenciais, que persistem até hoje, porque é um
trauma, que por mais que você esteja aberto ao perdão, como é o meu caso e de
minha família… Estão todos perdoados… Mas o trauma fica… A pessoa morre com
isso!
Em meio à dor e ao luto, a vida
teve que seguir, mesmo que de forma mais amarga, porém a sua capacidade de
resiliência, acrescida da força da literatura (sempre presente em sua vida) o
fez terminar os estudos e ter uma brilhante atuação acadêmica e profissional.
A escrita poética teve inicio ainda
no Rio, mas depois continuei a fazer um poema aqui, outro acolá, sem muita
pressa, porque eu nunca provoquei o poema, o poema é que me provoca… Não é que
eu acredite muito em inspiração, eu acredito no trabalho, na expiração, como
dizia João Cabral de Melo Neto… Mas o ideal mesmo é juntar as duas coisas: um
pouco de inspiração, a motivação de escrever sobre aquele tema, e o trabalho,
pois a poesia dá muito trabalho! Pelo menos para mim… A fim de alcançar os
efeitos estéticos, estilísticos, que são indispensáveis para conferir aos
versos a dignidade verdadeira… E sem nenhuma pretensão, eu busco alcançar esse
objetivo.
Alcenor retorna para Parnaíba, em
71, terra de onde nunca mais saiu, e por poucas vezes esteve longe, como me
relatou, e a partir de então passou a atuar em campanhas políticas e em jornais
e livros lançados na cidade e em nível de Piauí, seja à frente ou como
participante, e dentre os jornais, cabe ressaltar o “Linguinha”: na passagem de
71 para 72, nós fizemos aqui, com uns
amigos, um jornalzinho chamado Linguinha, jornal alternativo… E esse jornal,
que não tinha pretensão nenhuma, e nem foi importante, mas de qualquer maneira
está nos registros da história piauiense, como o primeiro jornal marginal ou
alternativo do Piauí…
Em 1977 surge o jornal Inovação
(que teve 15 anos de circulação e recentemente um retorno em edição especial),
Alcenor comenta: sem dúvida, o grande jornal da década de 70, o Inovação, que
desempenhou, no meu entender, um papel muito importante na área política,
social, cultural, educacional… Era um jornal que focalizava todos esses
assuntos de interesse da comunidade. Os grandes líderes deste jornal foram
Reginaldo Costa e Franzé Ribeiro, e outros que se juntaram a estes grandes
idealistas, Elmar Carvalho, Canindé Correia, Olavo Rebelo, esses nomes foram os
que participaram comigo destas lutas sociais e políticas.
O poeta, advogado e professor
comentou sobre o cenário político da época, de censuras, ameaças e perseguição,
mas ressaltou que não se deixou esmorecer no que condiz aos seus ideais: Eu
sempre procuro votar segundo minhas convicções, sem nunca ter me considerado
“dono da verdade”, mas sou dono dos meus princípios, eu não abro mão deles.
Politicamente eu sigo mais uma linha de esquerda, do que de centro, e
principalmente do que de direita… Sempre mantive essa postura, embora nunca
tenha sido comunista ou filiado ao partido comunista… Também nunca fui filiado
ao PT, e sim ao PTB, partido trabalhista brasileiro, que era o partido de que
meu pai fazia parte, até quando foi assassinado. Mas tenho amigos que são do
PT, e temos uma boa convivência, sem problema algum.
Ainda na década de 70, Alcenor
lembra do triste acontecimento que foi a destruição da Praça da Graça: evento
que marcou muito, não só minha geração, mas a Parnaíba como um todo… foi um ato
muito doido… infeliz mesmo, do Batista Silva (prefeito na época), e até hoje
nós pagamos por isso e vamos pagar o resto da vida… pois não há como
restabelecer a Praça anterior.
Sobre os dias atuais, a Parnaíba
tem investido muito na área de serviços de educação e saúde e isso foi muito
bom, porque se ela não recuperou, o prestigio que tinha na área industrial e
comercial, ela avançou bastante na saúde e educação… Haja vista, esses setores
são hoje referências do estado e cidades circunvizinhas.
Sobre as gerações literárias:
sempre surgem e surgirão os representantes da cultura, que representam a
esperança da cultura em nossa cidade, foi assim na minha geração, a de 70,
também foi assim em 80, em 90 e agora 2000, que veio você e o pessoal que você
reuniu em torno da coletânea Versania.
O amor de Alcenor Candeira Filho
por Parnaíba é notório, tanto na sua atuação todas essas décadas em prol da
cidade, em várias esferas, e principalmente visível em suas obras, “Parnaíba,
meu Universo e o Crime da Praça da Graça”: fora isso, eu tenho um livro
inédito, Estudos de literatura parnaibana, que um dia será publicado, se Deus
quiser!
E foi com o espírito enriquecido
de literatura e esperança, que me despedi deste grande escritor, cuja amizade
muito me honra e de quem pude aprender bastante, não só através de sua
inspirada literatura, mas de sua alma de leitor e colecionador… Um ser humano
que ama sua terra, um poeta ainda vivo, mas que já alcançou a eternidade,
através de sua criatividade e talento sem limites.
Fonte: site da Academia Parnaibana de Letras. Texto de 2019.
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