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Capitão José Luís da Silva
Reginaldo Miranda*
Conforme tivemos oportunidade de
dizer em outro artigo biográfico, nenhum médico propriamente dito exerceu sua
profissão no Piauí, durante o período colonial e até o início do império.
Embora desde o último quartel do século XVIII, tenha recebido cirurgiões
aprovados e licenciados egressos do Hospital Real de São José, na cidade de
Lisboa.
Naquele tempo havia curso de
medicina apenas na Universidade de Coimbra. No entanto, desde 1492, com a
edificação do Hospital de Todos-os-Santos, foi iniciada em Portugal a medicina
hospitalar. Com a destruição deste no terramoto de 1755, essa tradição do
ensino de cirurgia vai ser continuada no Hospital de São José, ambos situados
na cidade de Lisboa. Mas esta profissão não pode ser confundida com os médicos
diplomados pela Universidade de Coimbra, tratando-se de um curso
profissionalizante que habilitava cirurgiões e sangradores. No entanto, ambas
as categorias estavam autorizadas a prestar cuidados de saúde, juntamente com
outros profissionais igualmente aprovados. É importante ressaltar, que o
Hospital de São José, serviu de base para a Real Escola de Cirurgia de Lisboa,
fundada em 1825 e que ficou alojada em suas dependências. Em 1836, esta foi
convertida na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, pondo fim à distinção[1] entre
médicos e cirurgiões.
Felizmente, alguns anos depois,
por fruto desses avanços, chegaram ao Piauí em épocas diversas, alguns poucos
cirurgiões diplomados pelo Hospital de São José, entre esses: Francisco José da
Costa Alvarenga, Francisco José Furtado e José Luís da Silva.
José Luís da Silva, chegou à
cidade de Oeiras pouco antes do desaparecimento de seu venerando colega
Francisco José da Costa Alvarenga, cujo óbito ocorreu em 1809. Atuou
inicialmente ao lado deste e do também cirurgião aprovado e licenciado,
Francisco José Furtado, que faleceria em 1821.
Nasceu José Luís da Silva, em
1779, na freguesia de São Miguel do Milharado, do termo do concelho de
Mafra[2], filho de Antônio Luís da Silva e de sua esposa Paula da Silva, ambos
falecidos[3] na cidade de Oeiras, para onde mais tarde vieram viver na
companhia do filho. Por via patrilinear era descendente da família Moura,
melhor dizendo, Silva Moura, embora não trouxesse no nome, mas fez questão de
perpetuá-la em sua descendência.
Desde muito moço demonstrou
vocação para a área de saúde, tendo se mudado de sua terra logo depois de
concluir os estudos primários. Seguiu para a vizinha cidade de Lisboa, onde
prosseguiu até frequentar o curso profissionalizante no Hospital Real de São José,
onde aprendeu e praticou a arte de cirurgia, anatomia, operações, ligaduras e
partos.
Concluindo esse ensino
profissionalizante de cirurgia no ano de 1800, foi em seguida nomeado para
exercer o cargo de 1º cirurgião da armada portuguesa. Nessas circunstâncias, em
10 de abril do ano seguinte, embarcou em serviço na fragata Benjamim para o
arquipélago dos Açores, sob o comando do capitão-de-fragata Antônio de Saldanha
Gama. E somente retornou a Lisboa, em 22 de agosto daquele ano, depois de
cumprir com suas obrigações.
Logo depois, em 25 de setembro do
mesmo ano, seguiu na charrua Ativo, em diligência para Belém do Pará, sob o
comando do 2º tenente Francisco Soares Vieira. Nesse seu primeiro contato com o
Novo Mundo, demorou-se até 28 de junho do ano seguinte, quando por ordem do
governador e capitão-general daquele Estado, foi destacado para o correio
marítimo Paquete Real, de que era comandante o 2º tenente José Joaquim Pereira.
No longo retorno somente chegou e desembarcou na cidade de Lisboa, em 13 de
setembro de 1802, depois de 76 dias de viagem.
Porém, não teve descanso porque
em menos de um mês foi destacado no correio marítimo Vigilante, para retornar à
colônia da América, desta feita dirigindo-se às cidades da Bahia e do Rio de
Janeiro, sob o comando do 1º tenente Joaquim Ignácio Lobo. Tendo embarcado em 6
de outubro daquele ano, no porto da cidade de Lisboa, foi obrigado a
desembarcar no porto do Rio de Janeiro, em 28 de fevereiro de 1803, por motivo
de doença.
No entanto, recobrando a saúde retornou
em viagem comercial à cidade de Lisboa, porém, com o firme propósito de fazer a
vida na colônia. Gostara da prosperidade que vira em alguns de seus
conterrâneos. Por essa razão, logo depois do retorno submete-se a exame de
suficiência pelos deputados da Real Junta do Protomedicato[4], composta pelos
examinadores Domingos de Almeida e Francisco José de Paula, na presença do
deputado Antônio Pedro da Silva. Foi pelos mesmos aprovado
nemine-discrepante[5]. Assim, em 9 de setembro de 1803, obteve carta e licença
de cirurgião para poder curar de cirurgia em qualquer parte do reino e de seus
domínios, podendo demandar os salários que lhes fossem devidos. E tendo os
mesmos deputados da Real Junta por juízes privativos, somente perante eles
podendo ser demandado de eventuais erros que cometesse no exercício da dita
arte.
Em seguida veio para a cidade de
Oeiras, no Piauí, onde fixou sua morada definitiva e foi nomeado cirurgião-mor
do regimento de cavalaria de milícias, com o partido do hospital real. Nesse tempo
também exerciam suas atividades na mesma cidade, dois outros cirurgiões
egressos do mesmo hospital, Francisco José da Costa alvarenga e seu genro
Francisco José Furtado. Portanto, no aspecto de saúde as coisas melhoravam na
capital do Piauí, atingindo o auge nesse início de século, mas o primeiro
faleceu em 1809 e o segundo em 1821, restando apenas José Luís, por um bom
espaço de tempo. Encontramos um registro de seu trabalho naquela capital,
referente a 22 de novembro de 1806, quando firmou atestado[6] em benefício do
major José Loureiro Mesquita. E prosseguindo no exercício de sua profissão, foi
nomeado capitão do mesmo regimento por decreto de 6 de junho de 1820 e patente
de 7 de dezembro do mesmo ano.
No entanto, apesar de envergar
essa patente militar não encontramos registros de sua participação no movimento
que resultou em nossa independência política. Apenas compareceu a uma reunião
realizada na manhã de 1º de janeiro de 1823, com todas as pessoas gradas da
cidade, para apurar denúncia de movimentos sediciosos feitas pelo padre Joaquim
José Monteiro de Carvalho e Oliveira[7]. E seu nome desaparece completamente
dos episódios que posteriormente se desenrolaram, neles não tendo tomado parte.
Porém, logo depois de instalada a
nova ordem política foi eleito e solenemente instalado o Conselho[8] de Governo
do Piauí, em 16 de agosto de 1825. Concorrendo a juma vaga ficou o capitão José
Luís da Silva numa suplência, tendo assumido os trabalhos a partir da sessão de
9 de outubro de 1828, quando ocupou a vaga aberta com o falecimento de Joaquim
de Santana Ferreira, sendo reconduzido para o período seguinte[9].
Em seguida elege-se duas vezes
para o Conselho Geral da Província, organismo que surge com o objetivo de
propor, discutir e deliberar sobre os negócios da província. Na verdade, é o
órgão que antecede às assembleis legislativas provinciais e depois estaduais.
Atuou ali nos dois quadriênios de existência desse órgão (1.12.1829 –
30.11.1833 e 1.12.1833 – 7.2.1834). Foi profícua sua atuação, estudando, discutindo
e propondo relevantes projetos para o desenvolvimento da província. Segundo um
levantamento feito pelo Prof. Wilson de Andrade Brandão, para o seu
interessante livro História do Poder Legislativo na Província do Piauí[10], o
conselheiro José Luís da Silva formulou oito importantes proposições, a saber:
construção de cemitérios em Oeiras e nas vilas, para evitar fossem feitas
sepulturas nos templos religiosos, por motivo de higiene pública; fossem
elevadas à categoria de vilas as povoações de São Gonçalo, Jaicós, Capela das
Barras, Piranhas, Piracuruca e Poti; que a bancada de parlamentares piauienses
em plano nacional fosse equiparada à do Maranhão, pois era inconcebível que
aquele tivesse direito a eleger apenas um deputado e um senador, enquanto este
elegia quatro deputados e dois senadores, mesmo tendo população[11] inferior;
criação de uma cadeira de Filosofia e outra de Retórica a serem ministradas em
Oeiras, assim como elevação do ordenado dos professores de Latim, de Parnaíba e
Campo Maior; criação do cargo de cirurgião-mor[12] da província, com ordenado
anual de oitocentos mil réis; criação de um corpo de guarda provincial;
alteração de dispositivos legais da lei sobre habeas corpus; por fim, formulou
proposta regulamentando a arrematação e provimento de carnes secas. Todas essas
proposições foram bem justificadas em suas respectivas exposições de motivos.
Por decreto de 12 de outubro de
1828 e título de 3 de novembro do ano seguinte, foi agraciado com título de
cavaleiro da Ordem de Cristo.
Pela resolução de 21 de agosto de
1830 a carta patente imperial de 20 de maio de 1835, foi reformado, a pedido,
no posto de capitão graduado de milícias, com vencimentos integrais do cargo de
cirurgião-mor do Hospital Militar de Oeiras, depois de 31 anos de serviços.
No entanto, por decreto de 19 de
outubro de 1832, foi criado o cargo de cirurgião do partido público, com
ordenado de Rs. 800$000 anuais, na forma por ele defendida no Conselho. Por ato
de 23 de agosto de 1833, foi ele nomeado para esse cargo, em cujo exercício
veio a falecer depois de nove anos de trabalho. Tinha a atribuição de curar não
somente os militares, como também os pobres recolhidos no hospital militar e no
futuro hospital de caridade a ser fundado.
Com o fim dos conselhos gerais e
criação das assembleias legislativas provinciais, foi eleito deputado
provincial para a primeira legislatura instalada em 4 de maio de 1835. Foi o
quarto mais votado, com 87 votos, sendo eleito vice-presidente da mesa diretora
e sucessivamente reeleito em três legislaturas consecutivas, até quando veio a
óbito.
Segundo anotou o biógrafo Miguel
Borges, em seu exercício profissional o cirurgião José Luís da Silva, não
atendia fora da cidade, porém, era inexcedível no atendimento aos enfermos que
o procuravam na zona urbana, tratando-os gratuitamente. Na verdade, não era
completamente gratuito esse atendimento porque recebia um ordenado para atender
à população mais carente, apenas o fazendo também fora do hospital militar. Por
outro lado, alguns escritores o apresentam como primeiro médico do Piauí, o que
não é verdade, vez que não era médico e sim, cirurgião. Conforme demonstramos,
também não foi o primeiro cirurgião licenciado do Piauí, tendo sido antecedido
por ao menos dois outros. Porém, justiça seja feita, Miguel Borges foi muito
correto em seu texto, não tendo dado margem a esse equívoco.
Faleceu o capitão e cirurgião
José Luís da Silva, na cidade de Oeiras, em 18 de outubro de 1842, com 63 anos
de idade. Deixou uma enorme contribuição à sociedade piauiense, seja como
cirurgião assistindo aos enfermos, seja como conselheiro e deputado apresentando
e defendendo relevantes projetos sociais e de cunho educacional e
administrativo.
O cirurgião José Luís da Silva,
foi casado em primeiras núpcias[13], na cidade de Oeiras, com Ana Maria
Ferreira, filha do português Custódio Ferreira e de Ana Damásio Ferreira,
moradores na vila, hoje cidade de Juazeiro, na Bahia.
Ficando viúvo, contraiu segundas
núpcias[14] com Raimunda Ferreira do Nascimento, filha do abastado lavrador
Lourenço José Ferreira e de Ana Leonor de São José; neta paterna do português José
Antônio Ferreira e de Ignácia da Silva Teixeira, esta filha de Antônio Borges
Teixeira e Joana da Silva Pinto[15]. O capitão José Luís da Silva, gerou 22
filhos, sendo 11 de cada consórcio, dos quais 14 atingiram a maioridade, sendo
6 do primeiro e 8 do segundo consórcio. Dele descendem importantes varões da
sociedade piauiense.
Fonte: Portal Entretextos
______________________
* REGINALDO MIRANDA, advogado e
escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e
Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.
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