FÉRIAS QUE NINGUÉM MERECE
Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Apesar de estar, juntamente com
a família, gozando de boa saúde, sem grande risco de infecção, contágio pelo
malsinado coronavírus, tal o nível de isolamento ou degredo que cumpríamos havia
meses, antevia que parte de minhas férias, a que, anualmente, desde sempre, busco
gozar ao final e início de julho/agosto, em dois mil e vinte, seria das piores,
por conta de preocupação coletiva com a saúde pública, em decorrência da
patologia causada pelo vírus que grassa quase imparável, o que fez com que a
maioria das praias, montanhas e demais opções de lazer e entretenimento, às
quais me programara aproveitar, estivessem indisponíveis, atendendo sugestões
de instituições transnacionais de saúde e normas legislativas, que tinham como
objetivo proibir aglomerações populares em
espaços públicos e/ou privados.
Em vista disso, para
complementar a punição pelas férias, decidi dar um tempo nos livros,
sabidamente, bons e me arriscar na leitura, integral - coisa que jamais
consegui com quaisquer do nosso principal escritor best-seller, aos quais
sempre largava, mal iniciados, socorrendo-me de outros, nem tão vendidos,
brasileiros ou estrangeiros, mas que haviam resistido à pátina do tempo e se
tornado clássicos, portanto, eternos –, de um desses livros híbridos, que
mesclam programação neurolinguística, mentoria, consultoria, coach, escambau.
Nem pedi opinião de quem quer que fosse: escolhi um, aleatoriamente, e, mãos à
obra ao voluntário sacrifício.
O autor, antes de se apresentar,
de fato, já na introdução, dizia que, certamente, muitos dos que se propunham a
ler seu livro, talvez o fizessem porque haviam perdido todos os sonhos; ou os
olhos não tinham mais o brilho natural; ou que, possivelmente, suas vidas estivessem
sem sentido. Ora, bolas: minhas férias, vá lá, minha vida, não! Por pouco, não
o mandei às favas; resisti, afinal, tratava-se do cumprimento de uma pena
autoimposta. Apresentando-se, declarou que tivera um princípio de existência
difícil, com um filho ainda quando adolescente; depressivo, tornara-se obeso,
até que descobrira quais gatilhos emocionais o levavam para baixo; feito isso, passou
a buscar a cura moral, emocional, enfim, existencial. Com muito esforço e
determinação, fez-se atleta, mestre nos assuntos e temas discutidos em sua
obra; meteu-se a meditar e percebeu que colocando seus conhecimentos a serviço
dos outros, poderia levá-los a também se curarem emocionalmente e passarem a
gozar uma vida nova mais saudável.
Exageros há à vontade no pequeno
compêndio, generalizações, idem. Como aqueles exemplos envolvendo pessoas fictícias
que, participando de uma ou outra edição de seus treinamentos ou palestras, conseguiram
sair do atoleiro existencial, da areia movediça em que estavam metidos; ou
quanto a absurdas estimativas e conclusões que atribuem o nível de estresse
crônico a mais de noventa por cento das pessoas, e o descontentamento com a
vida que levam, à maioria dos indivíduos; também, ao afirmar que todo mundo
pensa e age, negativamente, em suas relações. Se queria referir-se aos que não
tiveram o privilégio de participar de algum de seus cursos de coaching,
mentoria ou de programação neurolinguística, não ficou claro.
Para não ser de todo leviano –
já que consegui meu objetivo punitivo, que foi ler, inteiramente, o livro -,
sou obrigado a dizer que, a despeito do velado deboche para com as vacinas, há
algo de aproveitável na obra: como quando escreve sobre depressão, suicídio,
servindo-se de estudos de psicólogos ou neuropsicólogos; quando sugere – quase
ninguém mais fala nelas - que escrevamos cartinhas falando ou descrevendo, ainda
que seja, os gatilhos emocionais que nos tornam estressados ou deprimidos e o
que deveríamos fazer para melhorar ou sermos curados de nossas mazelas; sou,
todavia, instado a afirmar que não o levei a sério – tomei aquilo por uma
recaída em sua peculiar imodéstia –, quando afirmou que o maior de todos os
seus sofrimentos adveio-lhe da luta interna que travou ao ter que se desfazer
da empresa que criara com amigos, ante a
intenção de adquiri-la uma multinacional do ramo, e que, negociada,
tornar-lhe-ia, financeiramente, independente. Em uma espécie de mea culpa –
antes tarde do que nunca - admitiu não ser nenhum super-homem, apenas um
cidadão comum, com seus medos, falhas, defeitos e, que, portanto, precisava
ainda de muito estudo e dedicação para melhorar.
Voltando às férias - que se encerrariam às vésperas de um meditabundo e sorumbático dia dos pais -: fosse nos tempos de escola, quando o professor, quase sempre na volta às aulas, nos cobrava uma redação falando sobre as nossas, nas quais, prazerosamente, descrevíamos o que mais nos agradara ou chamara a atenção, certamente, nada teria a dissertar. À exceção do bom estado de saúde da família, até então, e do fato de o livro utilizado como castigo ter sido pequeno e de breve leitura, o que me permitiu, uma vez concluído, voltar à boa literatura, férias como aquelas ninguém merece.
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