quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A BANDA MUNICIPAL DE CAMPO MAIOR NO CONTEXTO DA ERA VARGAS


Banda Municipal de Campo Maior criada na gestão do prefeito Francisco Alves Cavalcante– década de 1930. Chico Alves chegou a requisitar do governo estadual instrumentos usados da Banda da Polícia Militar do Piauí para a da prefeitura. Conforme determinava as normas do governo federal, todos os músicos devidamente uniformizados semelhantes aos fardões militares.


A BANDA MUNICIPAL DE CAMPO MAIOR NO CONTEXTO DA ERA VARGAS

 

Celson Chaves

Professor e historiador

  

Durante a Era Vargas (1930-1945), principalmente na fase do chamado Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas fez uso da propagada para manter-se no poder. Ele não mediu esforço político e nem recurso público. Criou o Departamento de Imprensa e Propagada (DIP) para cuidar da imagem e ideologia do seu governo. A educação e a cultura sofreram forte intervenção política. Rádio, cinema, teatro, jornal, literatura e música estavam sob forte suspeição e fiscalização do governo federal. O regime usou a máquina de comunicação, a educação e a cultura para aproximar Vargas das massas.

 

Nesse contexto político nacional de tensão e censura, surge à banda de música da prefeitura de Campo Maior, criada na gestão do coronel Francisco Alves Cavalcante, com o objetivo de servir a população e de instrumento ideológico do nacionalismo varguista. A relação entre música e política é antiga. Em Campo Maior existe desde sempre.

 

A banda municipal de Campo Maior foi composta de músicos profissionais e amadores. Ela tocava nos grandes eventos e desfiles cívicos da cidade, como o 7 de Setembro, o 1º de Maio, Dia do Índio e de Tiradentes, nos aniversários do município e do presidente Getúlio Vargas. Os desfiles cívicos passavam por uma rigorosa supervisão do governo municipal. O evento solene era executado obedecendo à cartilha elaborada pelo Ministério da Educação e pelo DIP. O coronel Chico Alves, como era conhecido Francisco Alves Cavalcante, seguiu fielmente a política do DIP, fazendo da educação e da cultura campo-maiorense instrumentos de propagada política do governo federal.

 

A marcha cívica tinha como objetivo massificar o sentimento nacionalista na população e a banda de música servia a este propósito. A música encanta, educa e também aliena. Uma arma poderosa. O governo Vargas tornou o ensino de música obrigatório no Brasil. O compositor e maestro Heitor Villas Lobos foi o grande responsável pela instalação do programa nacionalista do governo federal por meio da música. Villas Lobos implantou o Canto Orfeônico no Brasil e compôs músicas patrióticas para escolas e eventos civis.

 

O desfile cívico de 1934 foi organizado obedecendo aos ditames do governo federal, a ponto da prefeitura produzir um “relatório” descrevendo os resultados do evento em Campo Maior para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo: “Acusando a recepção do telegrama de V. Exª. sob o nº 400, de 6 do corrente mês, em que foi transcrita a recomendação do Sr. Ministro da Justiça, relativamente às festas comemorativas do dia 07 de Setembro, venho informar a V.Exª que nesta cidade foi esta grande data histórica da nossa nacionalidade, solenizada entusiasticamente, com a participação de todas as autoridades, classes sociais e do povo em geral” (Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).

 

Nessa parada cívico-militar, a banda municipal utilizava-se de repertório, uniforme e formação instrumental característicos de corporações militares para reproduzir as cerimônias nacionais que evocavam uma consciência nacionalista idealizada pelo regime Vargas. O hasteamento da Bandeira, discursos de exaltação ao nacionalismo e aos heróis da pátria, a execução do Hino Nacional, tudo era organizado conforme as orientações ideológicas do governo federal. A banda municipal era um incremento importante nessa cenografia ideológica.

 

“Uma conferência alusiva à comemoração às 7 horas da manhã, à praça Rui Barbosa, presente o prefeito municipal, o juiz de direito, o delegado de polícia, outras autoridades e inúmeras pessoas gradas; sob a direção das distintas educadoras do Grupo Escolar “Valdivino Tito” e da Escola particular “Maria Auxiliadora”, formava em alas, que estendiam por toda face oriental daquele logradouro público, os alunos daqueles estabelecimentos de ensino, devidamente fardados. Ao som do Hino Nacional, tocado pela banda municipal e cantado pelos estudantes, era içada a Bandeira Brasileira” […](Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).

 

Alunos do antigo Instituto, hoje Colégio “Leopoldo Pacheco”, usando fardamentos escolares semelhantes aos uniformes militares. Década de 1940.

Foto: http://bitorocara.blogspot.c/search?updated-max=2012-01-28T14:50:00-08:00&max-results=50

 

Alunos do antigo Instituto, hoje Colégio “Leopoldo Pacheco”, usando fardamentos escolares semelhantes aos uniformes militares. Década de 1940.

Foto: http://bitorocara.blogspot.co/search?updated-max=2012-01-28T14:50:00-08:00&max-results=50



A sonoridade e a expressividade ritmada da banda, o repertório sincronizado conduzia à multidão as homenagens aos heróis da pátria. Músicos perfilados e uniformizados remetiam as disciplinas e aos fardões militares. O patriotismo estava em alta em Campo Maior. O percurso utilizado pelo cortejo cívico era curto. Saia da praça Rui Barbosa em direção a prefeitura (praça Bona Primo). A história nacional era a principal fonte de inspiração nacionalista. Era um ato memorável as grandezas do passado.

 

 […] “Logo após, ao pé do Pavilhão Nacional, pronunciava o advogado Antonio da Costa Leitão, emocionante conferência acerca da magna data, descrevendo-a em todos seus empolgantes detalhes e rememorando os nomes dos grandes estadistas, promotores da nossa independência. Profunda foi à sensação deixada no espírito do povo pela linda e patriótica oração proferida pelo conferencista. […] (Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).

 

[…] “Em seguida, debaixo de respeitoso silêncio, comigo, prestou o povo, ‘juramento à Bandeira’ conforme as instruções do seu telegrama”[…].

   

[…] “Ainda a meu convite, acompanhou o povo a transposição da Bandeira Nacional, conduzida por quatro alunas do Grupo Escolar e seguida dos demais alunos em forma, para o prédio da prefeitura municipal, em cujo mastro, ao som do Hino Nacional e de cantos patrióticos, foi erguido o “auriverde”, sob os vivas aplausos da multidão”. […] (Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).

 

A banda municipal teve papel crucial em todo o percurso. Levantava a moral e o ânimo da multidão “ao som do Hino Nacional e de cantos patrióticos”. O Centro Operário Campo-Maiorense, sindicato ligado à política varguista, realizava o Dia do Trabalho com ajuda da banda da prefeitura.

 

O patriotismo era exaltado no Hino Nacional, no hasteamento da Bandeira, no repertório da banda municipal, nos uniformes dos músicos e dos estudantes. Uniformes de inspiração militar. O Ginásio Santo Antônio montou um coral só para cantar o Hino Nacional, criação da professora Valmira Napoleão.

 

O prefeito Francisco Alves Cavalcante, construiu em 1933, a praça Rui Barbosa com coreto, em que a banda municipal apresentava-se duas vezes por semana. Às quintas e no domingo. A banda embalava o som da mocidade e dos enamorados da praça. A Rui Barbosa era o principal point dos jovens.

 

A banda municipal teve progressos e retrocessos. Enquanto esteve no poder, Francisco Alves Cavalcante a manteve no auge. Chico Alves entregou a banda ao comando do maestro-regente José Cardoso da Silva. Buscou recursos e solicitou instrumentos usados da banda da Política Militar do Piauí para a da prefeitura.  Na administração seguinte, o prefeito Raimundo Ney Baumann, devido à pouca habilidade política e a incapacidade de dialogar com os músicos, a banda foi quase extinta.

 

Esta foto é da Banda de música da prefeitura de Campo Maior e não a corporação musical Lyra de Santo Antônio como afirmam alguns saudosistas frequentadores do antigo Bar Santo Antônio, onde a mesma encontrava-se exposta numa galeria. As bandas municipais eram as únicas bandas civis permitidas a usarem uniformes semelhantes ao militares.


O prefeito Ascendino Pinto de Aragão, durante sua gestão (1943-1945) reestrutura a banda municipal com o nome de “Jazz-Band”. Na década de 1940, o Jazz norte-americano tornou-se um fenômeno no Brasil, apresentando-se como gênero musical moderno no mercado nacional. A música estrangeira não era bem vista dentro do projeto nacionalista dos anos de 1930 e 1940. Para alguns estudiosos, o Estado Novo incentivou a música erudita brasileira formatada por Heitor Villas Lobo e não impediu a inserção da MPB nas rádios e a troca cultural com as musicalidades estrangeiras.

 

No Brasil, o Jazz ganhou características próprias. As bandas brasileiras regionais influenciadas pelo Jazz norte-americano, tanto na canção como na maneira de tocar formaram suas Jazz Band. A “Jazz Band de Campo Maior” teve um sucesso meteórico. Tocou em várias cidades piauienses. Foi chamada para participar do 6º aniversário do Estado Novo em Teresina. O grupo era composto pelos seguintes músicos: Francisco Andrade Carneiro (cearense, maestro-regente da banda), José Correia Jardim (diretor da banda), Luís Correia Jardim e Alfredo Pereira da Silva (pistonista). O Jazz teve uma boa aceitação entre o público campo-maiorense.

 

Além da “Jazz Band de Campo Maior”, músicos independentes realizavam shows de jazz  na cidade. O boêmio Raimundo Curripião Proquet, baterista e músico, sempre que chamado realizava festas dançantes no cabaré da Izabelona ao som de jazz. O cabaré da Izabelona, localizado no baixo meretrício da cidade, era um dos locais mais movimentados da noite campo-maiorense por conta das badaladas festanças sob os mais diversos gêneros musicais.  Muitos sanfoneiros apresentavam-se também no “palco” do cabaré. Forró, jazz… O bordel da Izabelona era um espaço democrático e de muita animação. Havia festas praticamente todos os finais de semana no lupanar da dona Isabel. Durante a semana, as noites ficavam animadas ao som da radiola.

 

Na gestão do prefeito Raimundo Nonato Monteiro de Santana a despesa com a banda municipal não passava de Cr$ 6.000,000. O recurso público destinado à banda ficou estagnado durante a década de 1950. Com recurso reduzido, o conjunto musical foi definhando. Percebendo a necessidade de criar mais uma banda de música na cidade, Antônio Bona Neto, popular Antônio Músico, decidi formar de modo espontâneo a corporação musical Lyra de Santo Antônio. Segundo o cronista Irmão Turuka, a Lyra era composta inicialmente pelos seguintes membros: Oscar “o nico” (Saxofone), Miguel Rosa e Luís Lima (Clarinete), Luís Neves da Silva (Trompete), Antônio Moreira (Bombardino), Gentil “o perneta” (Contrabaixo) Antônio Zumba (Trombone) e Marcos Oliveira, “ boi laranja” (Compasso).

 

As informações que temos sobre a corporação musical Lyra de Santo Antônio são de que a mesma fora criada por Antônio Bona Neto, apelidado de Antônio Músico, filho do músico e compositor Honório Bona Neto. Seu pai criou o primeiro coral da Catedral de Santo Antônio. As informações sobre a Lyra são relatos orais. Formada por músicos amadores, o conjunto teve uma experimentação musical de curta duração. Ela acabou sendo incorporada ao patrimônio público da banda municipal. Os custos para mantê-la eram altos. Foi louvável a iniciativa de Antônio Músico em querer manter um grupo musical, mesmo que de modo improvido.


A Lyra de Santo Antônio se apresentava no coreto da Praça Rui Barbosa, logo após a missa da matriz. O local era o encontro da juventude campo-maiorense. Irmão Turuka descreve essa cena cultural com vivacidade em suas famosas crônicas publicadas no jornal A Luta. Turuka foi o primeiro cronista musical de Campo Maior. Ele escreveu três textos ontológicos (“Lyra de Santo Antônio”, “Serestas e Seresteiros” e “Eu Vi a Banda Passar”) sobre as bandas e os músicos que marcaram a memória e a história cultural de Campo Maior, na segunda metade do século XX.

 

Os dias de apresentações da corporação musical eram as tradicionais quintas e domingos. A Lyra era composta por músicos profissionais e amadores. Passado a fase de improvisação, ingressa no quadro da corporação experientes músicos como o maestro José Cardoso da Silva, os irmãos José e Luiz Correia Jardim, Antônio Catita e Benedito João de Maria.     

Nenhum comentário:

Postar um comentário