quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Maldição





Maldição

Carlos Rubem

Não sei precisar a data, mas acredito que tenha ocorrido em janeiro de 1974. Naquela manhã, Oeiras despertou perplexa ante a aziaga notícia de um roubo na Igreja de N. Sra. da Vitória. Dentre outros objetos de valor imponderável, afanaram o resplendor de da imagem de Bom Jesus dos Passos e candelabro fixado na Capela do Santíssimo Sacramento. Ambas peças de prata de fina concepção.

Encerrada a missa das seis horas, todo mundo veio comprovar o verdadeiro crime cultural. Indignados, olhavam os locais onde deveriam estar os dois seculares bens. Um sacrilégio, diziam. Lamentações eram ouvidas!

Quem os teriam surrupiado?...

A versão acorde apontava para três visitantes que aqui chegaram no dia anterior, à tardinha. Hospedaram-se no Hotel de Cabeceira, localizado poucos metros do venerando templo. 

Certamente um dos larápios se escondera no interior da velha matriz após a missa noturna. Lá pelas tantas, um automóvel foi visto estacionado ao lado da amada catedral. 

O terceiro ficou dando apoio logístico aos demais em volta da rancharia. Se fosse mais vivaz, o guarda municipal Sebastião Brinquedo teria desconfiado de alguma coisa. Conversou amenidades, comprou cigarro para um deles, na Bomba. Santa ingenuidade!

Em nenhuma parte da cidade os três profanos foram vistos após o crime. Nem se despediram do Primão, Assis, filho do dono da hospedaria. Lá, aplicaram outro golpe.

Na convidativa sombra do Palácio Episcopal (Museu de Arte Sacra, hoje), as pessoas discutiam a respeito deste atentado religioso. Esperanças de reaver tais peças quase não existiam. A polícia, invariavelmente, desaparelhada. Estava tudo perdido! Percebia-se que até a paisagem física indicava desalento. Contínuos dias de revolta. Escândalo... Ora, a lembrança daquele dia é para todos nefanda.

Testemunhei a reação popular. Na minha adolescência foi um fato que muito me impressionou.

Por onde passava, o provecto Sr. José Martins de Sá, ou apenas Zé Sá, um tanto irônico, bradava: – Agora é que vocês estão sabendo que a Igreja está sendo roubada?

Eu não sabia. Exceto o roubo da custódia, em 1809. Recuperada. Só então tomei ciência de outras ocorrências delitivas do gênero. Mas isto é outra história!

Uns dez meses depois deste episódio, li na Veja que um sujeito, fulano de tal Coutinho, baiano, havia sido preso por comandar uma quadrilha que saqueava objetos sacros.

Foi então que me lembrei que no ano anterior (1973), aludida pessoa, cuja fotografia foi estampada naquela revista, esteve em Oeiras. Ciceroneei-o na cidade.

Estava jogando bola num campo de várzea perto da casa do tio Alberto Reis, quando uma Veraneio estacionou. De dentro do carro, um cidadão forte, usando chapéu, me chamou querendo saber onde se localizava a casa de Dona Elisa Nunes. Passei-lhe as coordenadas. Não satisfeito, me convenceu a levá-lo no endereço desejado. Assim o fiz. No trajeto, mediante indagação minha, disse-me que era antiquário e que tomara conhecimento de que referida madame possuía um cofre antigo, coisa que nem sabia.

Dona Elisa, de idade avançada, nos recebeu muito bem. Mostrou a relíquia que possuía. Foi-lhe oferecida vultosa quantia. Na hora em que estava sendo servido café aos visitantes, quis beber um copo d’água. A solteirona se levantou para me servi. Acompanhei-a. Neste momento, disse-lhe que não fechasse negócio sem a concordância de seus familiares.

Dia desses estive na referida vivenda. O seu atual proprietário, Sr. Nunes, me franqueou rever o citado cofre fabricado no Porto, Portugal, em 1583.

Ainda hoje, algo me diz que tenha sido o Sr. Coutinho o autor intelectual do roubo em comento.  

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