terça-feira, 31 de agosto de 2021

Andança Literária em Altos

 


Formação de Plateia Cultural abraça o lançamento do Andança Literária

Idealizado pelo Conselho Estadual de Cultura do Piauí, o programa Formação de Plateia Cultural irá abraçar o lançamento do projeto 'Andança Literária', desembarcando em Altos na próxima quinta-feira, 02 de setembro. 

Multiplataforma, a atração patrocinará a iniciativa, com a transmissão pela TV Garrincha, a partir das 19h30. Além do horário, distinto do habitual, o programa terá duas horas, de muita imersão na literatura do Meio Norte piauiense, trazendo para os espectadores experiências indescritíveis e enriquecedoras.

Apresentado pela jornalista e coordenadora do Centro Cultural M. Paulo Nunes, Poliana Sepúlveda, o Formação de Plateia Cultural tem alavancado a arte, literatura, música e artes cênicas piauienses, dando rosto, forma, cores e som às nossas raízes, aos valores da nossa terra, que nos enchem de orgulho e nos emocionam. 

O PROJETO - O projeto 'Andança Literária - Uma viagem pela Literatura do Meio Norte Piauiense', além de Altos, desembarcará em Campo Maior, Piripiri e Pedro II e União, durante todo o mês de setembro. 

A iniciativa dispõe sobre a realização de um circuito literário envolvendo as Academias de Letras dos municípios piauienses, direcionando-se principalmente aos estudantes do curso de Licenciatura em Letras; Professores de Literatura, poetas, escritores e demais interessados em Literatura e História. 

O Andança Literária transforma o nosso Estado num verdadeiro palco, de vivências, talentos, histórias, de muita emoção. 

Ou seja, não dá para perder.

Fonte: Grupo de WhatsApp Andança Literária    

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Cartas célebres





Cartas célebres 


Carlos Rubem 


Idealizado por Dagoberto Carvalho Júnior, o Instituto Histórico de Oeiras — IHO — foi criado no dia 06.01.1972. Raimundo da Costa Machado, Possidônio Queiroz, José Expedito Rêgo, Monsenhor Leopoldo Portela, Padre David Ângelo Leal, Desembargador Antônio Santana, Professora Alina Ferraz, dentre outros, foram os seus membros fundadores. No dia 24 de Janeiro daquele ano, foi solenemente instalada aludida instituição cultural. 


Frangote, de tudo tomei conhecimento, inclusive através do jornal “O Cometa”, que circulou de 1971 a 1976. Importante mensário. 


Passei, desde então, assistir às suas instrutivas sessões solenes. A começar pelas substanciosas conferências havida durante as celebrações do Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972), no pátio interno da Escola Normal.


Nos seus albores, destaco três iniciativas forjadas no seu seio que tiveram reconhecimento público: a restauração da Casa da Pólvora, a adoção dos símbolos municipais (Bandeira, Brasão e Hino - Lei nº 900, de 30.10.1972) durante a gestão do prefeito Juarez Tapety e a instituição do dia da emancipação política de Oeiras — 26 de dezembro — em face da Lei nº 1.135, de 22.08.1979, sancionada por Waldemar Freitas, alcaide.


No próximo ano (2022), será comemorado o seu cinquentenário, condignamente. A atual Diretoria já se mobiliza no planejamento desta efeméride. Necessidade há do engajamento de todos seus sócios, apoio do setor público e privado. Não temos tempo a perder.


Fui levado ao IHO pelas mãos do seu citado idealizador, em 1981. Tornei-me Presidente deste Sodalício por dois mandatos consecutivos (2000 a 2003). Experiência exitosa, modéstia inclusa.


A sua Revista é uma publicação respeitável. A primeira edição — especial — versou sobre o centenário de nascimento do Sr. Dagoberto Ferreira de Carvalho (1876 - 1951), que foi Promotor Público de Oeiras por mais de 20 anos. Militou, também, na advocacia aqui e nas cidades vizinhas. Cumpriu-se vasta programação. Muitos oradores. Laudatórios discursos.


Com efeito, o General Abimael Carvalho, filho do homenageado, desejava que o Dr. Costa Machado, amigo de infância, fosse o orador quando da aposição do retrato seu pai na sede do IHO.


Acontece que, com a saúde abalada, Dr. Machado declinou do convite. Possidônio Queiroz, Presidente à época do IHO, no dia 14.07.1976, invocando Ruy Barbosa, escreveu-lhe uma carta para “fazer um apelo, um veemente, um dramático apelo para que o caro amigo não deixe de aceitar a alta incumbência de dizer a oração no ato da aposição do retrato do Major Dagoberto Carvalho na sede do Instituto Histórico de Oeiras.”


Alquebrado, no mesmo dia e de forma manuscrita, respondeu-lhe: “Como bom cristão que sempre tem sido, Você saberá compreender o meu tormento que tentei explicar acima, e desculpar caridosamente a descortesia e ingratidão, ou seja, a impossibilidade de mudança de resolução deste seu amigo e admirador

Raimundo da Costa Machado.”


Essas missivas revelam a grandeza humana desses dois literatos que muito contribuíram para o engrandecimento moral de Oeiras.


                     X - X - X - X - X


Oeiras, 14 de junho de 1976


Caríssimo Confrade

Compadre Machado

Nesta Cidade


Caríssimo


Alguns homens de pensamento acham que devemos, para obtenção das cousas, ser indormidos; que devamos insistir, persistir e não desistir. Parece, que noutras palavras, é esse também o pensamento do Apóstolo das Gentes.


Ontem, pouco depois das dez do dia, tivemos, o caro compadre, o Dr. Dagoberto e eu, uma conversa, na qual lhe fizemos, ao caríssimo Costa Machado, um apelo, um veemente, um dramático apelo para que o caro amigo não deixe de aceitar a alta incumbência de dizer a oração no ato da aposição do retrato do Major Dagoberto Carvalho na sede do Instituto Histórico de Oeiras.


Agora, rogando-lhe confiante, um pouco de atenção, e indulgência, quero voltar ao assunto. E o faço alinhando aqui, algumas razões, para as quais peço meditação.


Depois que o caro Compadre foi para casa, fiquei a pensar na cousa, algo ressabiado, muito pesaroso, porque a sua recusa vem alterar, ressentidamente, os planos de um ilustre e caro filho de nossa terra, a quem todos queremos, respeitamos, veneramos.


O general Abimael Carvalho quando escolheu a pessoa do caro compadre para proferir algumas palavras, no ato da aposição de retrato do seu ilustre pai (dele), o fez baseado em antiga amizade do velho companheiro de folguedos infantis, na amizade de cidadãos, cujas idades se bitolam quase pela mesma medida, e que, por isso mesmo, foram partícipes dos mesmos folguedos, foram aos mesmos banhos, passearam satisfeitos pelas mesmas ruas e arredores da velha Oeiras, nos seus carneiros possantes, etc.


Isso levou o nosso emitente conterrâneo a escolher o caríssimo Costa Machado, sem ocorrer, nunca, não era mesmo possível, ao nosso Caixas, a possibilidade de uma recusa por mais delicada que seja, a não ser se se tratasse de moléstia grave.


Pensei em tudo isso. À noite, antes da missa do nosso saudoso e sempre lembrado Ribamar Matos, estive com o nosso preclaro Diretor Dr. José Expedito, a quem expus tudo e a quem disse que voltaria à sua presença.


Depois da missa estive em cada do Des. Santana e conversei com a Professora Alina e com o nosso caro amigo Dagoberto, mais tarde estive com o Des. Santana, a quem achei muito abatido, com a atitude do caro Costa Machado.


Antes de conversar com o Dr. Expedito, Professora Alina, Dagoberto e com o Des. Santana, havia deliberado bater à porta do caro amigo para pedir-lhe uma cousa: que fosse VOCÊ quem desse ao General a notícia de sua recusa. Pensei que não teria muita coragem de fazê-lo, face à confiança com que o mesmo General indicou o seu nome. O General Abimael talvez nem acreditasse em tal notícia dada por outrem que não o caríssimo Costa Machado.


Bem. Dizia, estive com Dagoberto, e este deu-me a notícia pesarosa de que o Des. Santana quando soube da sua recusa, – da recusa do amigo –, teve o estado de saúde agravado, e ficou sem poder falar algum tempo.


Mais tarde, como disse atrás, estive com o Desembargador. Fomos encontrá-lo em casa do irmão “Seu Né”, pensativo, triste. Acertei com ele e Dagoberto que iria fazer ainda um apelo a VOCÊ, e hoje a gente teria uma notícia, talvez alvissareira.


Na conversa com a Professora Alina e Dagoberto (peço-lhe atentar nisso) discutimos uma cousa: VOCÊ aceitaria que seu nome figurasse no programa, por várias razões, que bem as surpreende pelo que não há mister discuti-las ou explaná-las aqui. Se no dia, por qualquer motivo não pudesse comparecer, então algum companheiro, dizendo da razão justa do seu não comparecimento, pronunciará algumas palavras no ato, para o qual estão convidadas poucas pessoas, de vez que não se trata de sessão solene. O que desejaríamos era que o seu nome não deixasse de figurar no programa.


Certamente não precisa um pronunciamento longo, em que poderia cansar-se, algumas palavras, a que agradecerá, em nome da família, o Dr. José Luiz, e teremos, realizado uma bela programação do nosso Instituto Histórico.


Fica ai mais uma vez, o apelo. Medite. Não será o pronunciamento que lhe pedimos em nome do Instituo, o seu canto de cisne. Você bem sabe. Ainda este ano terá de fazer, pelo menos, mais um, e talvez logo no próximo mês de julho.


Encerro esta carta com as seguintes palavras do Companheiro DANTAS, em 1879, a RUY BARBOSA. “Ruy, faze um dos teus milagres”. Tratava-se de responder a uma terrível interpelação do formidável SILVEIRA MARTINS. Ruy estava convalescendo de grave moléstia. Demos a palavra ao Des. Homero Pires:


“Ruy convalescia do tifo, ainda com um cáustico aberto no fígado, quando Conselheiro Dantas lhe exigiu que aceitasse a perigosa incumbência de responder a Silveira Martins. A célebre frase: ‘Ruy, faze um dos teus milagres’, esbarrava, porém, desta vez em dois escolhos: uma impossibilidade material, pela enfermidade, e uma impossibilidade moral, porque no íntimo Ruy estava desgostoso com a orientação de Sinimbu, não podendo atacar Silveira Martins em pontos em que estava no íntimo de acordo com ele.

Dantas colocou a questão no terreno da confiança partidária. Ruy teve de obedecer. Declarou, porém ao seu chefe que não entraria o merecimento do debate. Limitar-se-ia a mostrar que Silveira Martins com ou sem razão, não podia de modo algum atacar um gabinete de que saíra na véspera.”


Ao prezado Machado, em nome do Instituto Histórico de Oeiras, faço o apelo, tamando de empréstimo as palavras do Conselheiro Dantas, faço o apelo que em dias do Império, fez aquele grande político à Águia de Haia. Ali, foi um apelo em nome de uma entidade partidária. Aqui é um apelo em nome de uma entidade cultural, que você ajudou a criar e que conduziu galhardamente durante os três (3) primeiros anos de vida.


Não há cogitar de mais argumentos. Resta-nos, somente esperar, e esperar confiantemente.


Do confrade, amigo, admirador


Possidônio Queiroz


                   X - X - X - X - X


Oeiras, 14 de junho de 1976


Caro compadre Possidônio

Nesta cidade,


 Acabo de receber uma gentilíssima carta.


Desde dezembro de 1974,venho falando a você a aos demais companheiros do IHO (cuja antiga amizade esta patriótica instituição avivou e robusteceu), venho falando do meu crescente mau estado de saúde. Dizia então que por isso, não me sentia estar presidindo bem, como desejava, o dito Instituto.


Vocês, excessivamente generosos, procuraram reanimar-me, e me persuadiram a prolongar o mandato por mais um ano. Submeti-me, mas ao novo período minha saúde continuou piorando, malgrado e incessante esforço próprio para me iludir, assim me mostrando imensamente forte aos confrades.


Em dezembro último consegui que nem mais de meu nome se cogitasse na eleição. E dessa maneira pude programar e realizar com todo prazer, em 24 de Janeiro, a posse solene dos que haviam sido eleitos a 26 de dezembro – certo de que estava segurando ou consolidado um futuro promissor ao passo arrojado que havíamos dado em 1972.


Supunha eu que, liberto das preocupações diretas, alcançasse a desejada melhora de saúde. Talvez meus nervos... Infelizmente ao contrario, acelerou-se meu mal-estar. Não foi possível por em dia minhas atividades particulares. Qualquer emoção me rebate. Já não controlo o plano de trabalho...


Tenho evitado sair à rua para que os conhecidos não percebam a minha frequente irritabilidade. E, o pior, irritabilidade desarrozoada. Aqui mesmo em casa já não sou o homem compreensivo que fingia não notar pequenas faltas, ou era demasiado paciente na hora de aconselhar.


Recentemente, quando Zé Barbosa veio me buscar para a justa homenagem que os Poderes Legislativo e Executivo Municipais prestavam a Você – veio em nome de Dr. Pedro; eu ignorava que seria naquela noite, eu não estava passando bem. Prontamente, porém, fiquei alegre; preparei-me às pressas e fui. Mas, lá chegando não me tardou a prostração...


(Lembre-se de que, na Secretaria, você me falara dias antes. Sem ter ouvido bem, compreendi que era a respeito da solenidade, e que a data seria marcada posteriormente. Pus lá e "ciente" e trouxe o ofício, mas só depois; lendo-o, verifiquei que ele versava sobre outro assunto).


Na solenidade, quando franqueada a palavra, embora deveras emocionado, tentei cumprir o dever da amizade. Considerando temerário qualquer improviso, recitei um soneto e só no fim percebi que fora declamado, não o minuto antes, digo, o que dois minutos antes escolhera, mas outro. Estive prostrado toda a semana seguinte. Noutra ocasião parecida, minha presença seria ainda pior.


É esta a minha penosa situação. Estou me externando, como sempre, com toda a sinceridade. Dizem-me raramente se acredita na plena sinceridade do próximo. É doloroso isto. E eu lhe digo, Compadre, que sempre falei assim, e como seu amigo sempre procurei respeitar sua vontade. Agora, deploravelmente, me sinto esgotado. Embora o nosso Dr. Expedito assevere que continua normal meu coração já não possuo coragem para nada, já sou um homem de nada. Quase de tudo sem ânimo para ler e escrever, mesmo as cartas de meus bons amigos e parentes. Já passo dias sem me aproximar da Pioneira, da Voz do Brasil e da Voz da América que tanto me vinha divertindo.


Eu não saberia dizer a outra pessoa o que estou garatujando nestas linhas, num enorme esforço.


Meu desejo é um desejo covarde como eu consideraria outrora – isto é, evitar a tortura de assumir qualquer espécie de compromisso mental, e assim aguarda a hora do eterno descanso, que já não haverá tardar muito.


Esquisito: tudo isso foi chegando sem que eu tenha mágoa ou ódio de alguém ou que tenha deixado de venerar e amar as pessoas a quem sempre amei e respeitei. Creio em Deus e continuo bendizendo a vida, e recebo ou curto os pesares com meios eficazes de aperfeiçoamento espiritual.


Como bom cristão que sempre tem sido, Você saberá compreender o meu tormento no  que tentei explicar acima, e desculpar caridosamente a descortesia e ingratidão, ou seja, a impossibilidade de mudança de resolução deste seu amigo e admirador


Raimundo da Costa Machado     

domingo, 29 de agosto de 2021

A MORTE DO CÃOZINHO

 

Fonte: Google

A MORTE DO CÃOZINHO


Elmar Carvalho

 

Sob a roda do carro

o cãozinho teve seu movimento

violentamente congelado

com seus dentes expostos

e seus olhos saltados

na perplexidade da morte inesperada

com sua cauda projetada

como ponto de exclamação.

Suas vísceras eram pontos de

interrogação espalhados no asfalto.

Na morte do cachorrinho

eu vi a vida esvaída

no seu gesto perdulário.   

Crônica para Nildomar

 


Crônica para Nildomar

                                                                                                                                                                      Humberto Guimarães (*)

 

Foi por volta de um pouco mais de duas décadas, o que significa no século passado, que eu o conheci – sem saber da sua identidade, do seu perfil físico, do seu semblante, da sua sombra; sabia apenas isto: que era um ente humano no sentido maior da raridade do que deveria ser frequente nos indivíduos do reino animália que falam, que pensam e que odeiam ser chamados de primatas, embora sendo; era o benfeitor invisível de alguém que necessitava de tratamento especializado para o estado combalido da saúde. A consulta era paga, a medicação era cara, tinha que ser mesmo a melhor, e o que é melhor é caro. Foi um tratamento demorado e custoso.

 

Um certo dia, anos à frente, começo de século novo, o já ex-cliente procurou-me, disse que queria fazer-me um pedido: queria meu voto. Eu ri, perguntei-lhe se ele iria candidatar-se a vereador, respondeu que não era para ele, era para o Dr. Nildomar da Silveira Soares, que se inscrevera na vaga do Dr. Gerardo Vasconcelos. Era o ano dois mil. Eu fui à APL conferir, tomei conhecimento, não tive dúvida, votei.

 

Eleito, Nildomar tomou posse da titularidade da cadeira 22 no dia 27 de setembro do ano 2000, tornamo-nos amigos, conversamos bastante quando das reuniões aos sábados, falamos um pouco das nossas biografias, eu lhe disse ter estudado no Ginásio Leão XIII, turma de 1960 a 1964, ele disse ah, então foste colega do meu cunhado Pedro. Sim, fui, ele era um cara engraçado, contador de piadas e gostava muito de rir; uma companhia agradabilíssima, ninguém ficava de cara fechada em sua presença. O que é feito dele? Ele já morreu, coitado, ainda muito novo – e disse da enfermidade e onde foi que o Pedro morreu.

 

E foi assim que conheci o desembargador Nildomar da Silveira Soares, um homem de estatura brevilínea, cabeça braquicéfala, semblante aberto pela satisfação de viver; simples, jamais simplório; humilde na aparência, econômico nas palavras, emitindo mensagens com boa síntese do pensamento; não recuava de tarefas que requeriam minuciosas pesquisas em alfarrábios. Jamais o vi antepor uma dificuldade, mesmo tendo seus quefazeres no tribunal – e surpreendia pela perfeição do trabalho, fosse um parecer jurídico, fosse uma realização enciclopédica, o que fosse; fazia-o com a mesma singela grandeza. Nunca lhe vislumbrei ares de vaidade ou lordóticas poses – nem no discurso, nem no gesto; e o seu silêncio à mesa das reuniões, entretanto, surpreendia pela tenacidade da atenção de começo a fim, sem o pestanejo do famoso cochilo acadêmico, sendo ele um verdadeiro acadêmico. Conviveu conosco desde o dia da posse até… 22 de agosto de 2021, e deixou a lembrança e os sinais de sua passagem na história desta casa.

 

Do que mais gostei no seu discurso de posse, foi da defesa da língua portuguesa, que está a cada dia sendo estuprada por uma enxurrada de palavras-clichês, locuções, lugares-comuns, estereótipos, maneirismos, corruptelas ou gírias estrangeiras. Não se trata de xenofobia; o problema é que chegam, assumem o lugar da nossa e permanecem absolutas com a maior cara-de-pau: aí estão as lives que escorraçaram as palestras, aulas ou conferências; as deliverys ou deliveres (que lembram a délivrace francesa dirigida à expulsão da placenta e anexos após o parto propriamente dito, e a livrança portuguesa do livrar-se ou ver-se livre) que expulsaram as entregas em domicílio; os drive thrus americanos (corruptela ou malformação da palavra throug)ou drive-ins aplicada na Europa estendendo o sentido para outros serviços além das comidas recebidas através do carro e por aí vai, enquanto as nossas se atrofiam e desaparecem por falta de uso. Estas coisas lembram-me as abelhas italianas e as africanas que invadiram a nossa flora, mataram as nossas abelhas nativas e se impuseram com rainha, zangão e tudo.

 

Nildomar, naquele discurso, reavivou a batalha inacabada do professor A.Tito Filho, e foi depois dele que eu mandei fazer um quadro grande com o soneto de Olavo Bilac, Língua Portuguesa, que doei à nossa Academia.

 

Mas, voltando ao ex-paciente que me apareceu para pedir voto para Nildomar, na eleição acadêmica, citado no começo destas linhas: “Você é amigo dele?” – perguntei. “Sou, doutor, ele é que pagou meu tratamento”.

 

Era este o Nildomar da Silveira Soares que admirávamos e que acabamos de perder!

 

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(*) Psiquiatra e membro da Academia Piauiense de Letras, onde ocupa a Cadeira 7.   

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

UM DESESTRESSANTE ATO DE VANDALISMO

Fonte: Google

 

UM DESESTRESSANTE ATO DE VANDALISMO


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                Já à vontade, Sandoval me falou sobre os episódios com os quais interagiu, no trânsito teresinense, em uma tranquila tarde de sábado, entre dezesseis e dezoito horas, quando saía de casa para assistir à tradicional peladinha sabática de velhos amigos – atualmente, sem resenha, cassada, temporariamente, pela pandemia -, e no retorno, logo depois do joguinho.

                Seguia na via, no sentido leste oeste quando o primeiro semáforo do percurso se abrira para ele. A quem vinha em sentido contrário, naquele sinal, não era permitido entrar para a esquerda. Quer dizer, a algumas pessoas, porque para motoqueiro, como aquele, a regra não valia. A propósito, é possível que existam, dentre os que trabalham com aplicativo, quem obedeça à sinalização de trânsito; confessou-me Sandoval, porém, que, enquanto e, por onde tem transitado, não encontrou um só que fizesse isso; até parece que são instruídos a arrepiá-la. O sujeito querendo cruzar a via, perpendicularmente, a fim de entrar na outra avenida, cometeu o acinte de sinalizar querendo avisá-lo de que sua intenção era cometer a irregular conversão antes que Sandoval ultrapassasse, corretamente, o sinal. Como não estava disposto a contribuir com tão irresponsável ato, piscou, alertando-o de que não iria permitir que fizesse o que estava imaginando: ele iria, como fez, completar seu deslocamento aproveitando o sinal aberto; do mesmo modo que o motoqueiro, também estava com pressa. Por que o bonito não procurava o primeiro retorno que lhe permitisse voltar e fazer a conversão correta? Após cruzar o semáforo, viu que o teimoso, esquivando-se de um ou outro veículo, ziguezagueando, fumaçando, correndo o risco de provocar perigoso acidente, conseguiu seu intento: furou o sinal, invadiu as pistas contrárias e migrou para a via na qual desejava prosseguir, sem nem olhar para trás. Afirmar-me-ia Sandoval que até torcera para que a figura levasse um bom tombo e se arranhasse um bocado; como o desejo não foi tão sincero, pelo menos naquele instante a queda não aconteceu.

                No retorno para casa, um movimento executado também por um motoqueiro – para ele, motociclista é o que costuma transitar obedecendo regras de trânsito válidas para todos -, e de aplicativo – será que não são multados, já que não se preocupam em avançar sinal vermelho, passar sobre canteiro ou meio-fio, circular entre veículos com seus bagageiros riscando as latarias de alguns? -, apenas um pouco diferente do primeiro, mas não menos irresponsável, deixou-o deveras irritado. Aos que pretendiam continuar na via ou convergir, perpendicularmente, como era o caso de Sandoval, para a outra, na qual circulava o sujeito, o sinal estava aberto; ainda que fechado para ele, assim mesmo o apressadinho queria seguir em frente, de modo que, sem parar, ficou se equilibrando na motocicleta, até que meu velho amigo fez a conversão desejada; ato contínuo, o indivíduo, em meio a buzinaços e palavrões, tanto dos que gostariam de fazer o mesmo que Sandoval, quanto dos que pretendiam continuar na primeira transitando, invadiu o sinal, cruzou as pistas contrárias, e se mandou com os produtos, certamente, quentes os que precisavam estar frios, e frios os que deveria entregar quentes, ou não haveria motivo para tanta pressa. Cria que, também dito motoqueiro, não fora vítima, na ocasião, de uma educativa e merecida queda. Mas como diz aquele ditado: quem procura, termina achando; portanto, melhor não abusar da sorte: vai que praga rogada pegue.

                Como a tarde se mostrasse repleta de péssimos exemplos no trânsito, a mais um Sandoval assistiu; só que, desse, finda sua paciência, participou, ativamente. Estava a uns três quilômetros de sua residência; em certo momento, decidiu mudar da pista direita em que circulavam, muito lentamente, alguns veículos, para a esquerda, na qual deveria permanecer alguns segundos, tempo suficiente para ultrapassar os modorrentos companheiros de banda de rodagem, e, talvez, à mesma retornar. Na pista esquerda, entretanto, um veículo ainda mais lento que os do seu lado, não lhe permitiu, de imediato, realizar o movimento desejado; tentou avisá-lo do intento, a princípio, piscando; como não obtivesse sucesso, sutilmente, buzinou, pedindo passagem. Diante da buzina, a lesma que conduzia o veículo bloqueador, colocando o braço esquerdo para fora, sugeriu que ele o ultrapassasse pelo lado errado, o direito, ou continuasse atrás dos colegas tartarugas; o que parecia impensável àquele cidadão era abandonar sua aconchegante pista. Fez a bobagem, conseguiu espaço à frente dos velhos companheiros e cruzou o condutor turrão pela direita; mas, como não tivesse ficado satisfeito com a atitude daquele sujeito, segundos depois, retornou à pista esquerda, postou-se atrás dele, piscou várias vezes, buzinou outras tantas, e o cara resistindo; não desistiu, ligou o farol de luz alta, e como seu veículo era mais alto que o dele, o facho refletiu intensamente nos seus retrovisores, encandeando-o. O vingativo ato de vandalismo surtiu efeito e ele sucumbiu: não demorou, mudou para a pista direita, e Sandoval seguiu adiante, não sem antes colocar o braço esquerdo para fora e fazer um irônico sinal de positivo com o polegar. Poucos metros depois, convergia para o logradouro onde residia; naquele momento, já inteiramente desestressado.

                Chegou em casa mal havia começado o clássico da rodada do campeonato brasileiro. Não era seu time que jogava, mas o, pelo qual decidiu torcer, ganhou de lavagem do adversário. A resenha que não havia feito, fê-la com a patroa, a quem, alegremente, contou suas aventuras – e da qual levaria as devidas broncas - enquanto dividiam um bom tinto português.    

Encontros

Fonte: Google


Encontros


Sousa Filho

Poeta e escritor


Não creio em sorte, coincidência ou acaso. Também não me peça para dar nome ao que vou relatar. Deixo a cargo do leitor, nomear o que virá adiante, se for do seu interesse, é claro.

Entretanto, devo dizer que encontrei uma pessoa, que conheci por intermédio de um sarau musical, veiculado na na internet e muito comum (não os saraus), onde de bate-pronto, já me apaixonei por aquela talentosíssima voz, que atende pelo belo nome de Ana Adília.

Peço encarecidamente ao leitor que entenda que essa admiração avassaladora pela maravilhosa voz de Ana Adília, a priori ocorreu um dia antes, num sarau virtual, onde essa grande artista “desfilou” com seu talento musical, nos proporcionando, imensa satisfação em ouvi-la.

Penso ser importante ratificar que minha descrença na sorte, coincidência ou acaso, não mensuram esse encontro com tamanho talento musical, que atende pelo nome de Ana Adília.

Além disso , é necessário dizer que quando tive a honra de ver tanto talento no referido sarau, acima mencionado, fui contemplado, no mesmo dia, ouvindo-a novamente, e cantando meu pedidos , Elis e Adoniram, além de outros clássicos ; nada que não estivesse ao alcance da nossa cantora Ana Adília.

Também é importante dizer que até então eu estava abismado com tamanha voz , que não tinha noção que aquela artista de rosto lindo(com o devido respeito) era aquela aquele mesmo rosto angelical e talentoso que eu tive a honra de encontrar naquele sarau poético, que aconteceu na noite anterior, onde aquela bela e talentosa moça, me tornou refém do seu talento.

Portanto, não creio em sorte, coincidência ou acaso. Só creio, nesse contexto, no imenso talento de Ana Adília. Alguém que a conheça, diverge?   

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

DALILÍADA: UM POEMA E SUA HISTÓRIA


Capa feita pelo artista (João de Deus) Netto
Fonte: Google
Fonte: Google


 

DALILÍADA: UM POEMA E SUA HISTÓRIA

 

Cunha e Silva Filho (*)

 

“Nas águas salobras da História ainda não se perdeu o sabor do mito e da poesia”.

Alfredo Bosi, O ser e o tempo da poesia

 

Na segunda-feira, dia 23/08/2021, remexendo em velhos guardados, por livre e espontânea vontade de minha mulher, encontrei o vertente texto do professor, escritor e crítico literário Cunha e Silva Filho, mestre e doutor em Literatura Brasileira. Este ensaio era para ser o prefácio do livro ou opúsculo em que seria agasalhado o poema a que ele se refere. Cheguei a mandar fazer a capa, a contracapa e a programação visual do livro. Mas depois, por razões de que já não estou lembrado, abandonei esse projeto. Contudo, o enfadonho e cansativo trabalho “imposto” pela Fátima não foi em vão, porque encontrei interessantes documentos e textos literários, que já não via há mais de década, e que por isso mesmo os considerava perdidos. EC

 

Na obra de um autor, seja ele poeta, ficcionista, dramaturgo, ou de outra natureza literária ou artística em geral, há sempre uma certa curiosidade, ou mesmo um desejo insatisfeito por parte do crítico de procurar penetrar nos mistérios imperscrutáveis que a criação literária impõe por vezes à exegese. Não por ocaso um respeitado crítico português, João Gaspar Simões, escreveu há muito tempo uma valiosa obra com esse título belo e sugestivo: O mistério da poesia.

No conhecido poema “Áporo”, que faz parte do livro A rosa do povo (1945), do consagrado poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade(1902-1987), exatamente na terceira estrofe, o eu lírico, entre parênteses, em forma de exclamação, afirma que o “labirinto”, metáfora utilizada para referir-se aos intrincados caminhos que levam o poeta à construção final de seu poema, cerca-se do binômio razão e mistério. (1) Estes dois componentes, em si antagônicos, na realidade se imbricam e constroem a sua tessitura literária.

Manuel Bandeira (1886-1968), outro notável poeta brasileiro, reserva para o ato da criação de alguns de seus poemas um certo halo misterioso, brumoso. No seu utilíssimo ensaio do que eu chamaria memórias de sua formação e criação literária, o seu famoso Itinerário de Pasárgada, Bandeira chega a falar de alumbramentos, de poemas passados ao papel como se fossem guiados por uma fonte mediúnica. (2) Ou seja, a criação poética estaria, dessa forma, situada entre dois extremos, a razão e o mistério, tomando os dois vocábulos no sentido em que aparecem no poema drummondiano “Áporo”. O ato da poiesis faz-se poema na sua fisicidade tipográfica na medida em que o artista reúne tanto a sua competência linguística quanto um componente imponderável que, plasmando experiência retórica, memória, sentimento, transforma isso tudo em peça poética, coadjuvado - e aqui se encrava o mistério! – por processos criativos que se situam acima da racionalidade e invadem os arcanos míticos dessa maravilha do espírito humano, que é a criação poética.

É bem provável que todos os poetas de superior qualidade artística passem por tais experiências quando se deparam com o ato da escrita.

Essa mesma experiência propiciada pelo ato da criação literária, envolvendo razão e mistério, competência e naturalidade inventiva, me parece ter vivenciado o poeta Elmar Carvalho, nascido no Piauí, quando se dispôs a passar ao domínio da escrita o belo e complexo poema “Dalilíada.” Muitas vezes, um ou dois poemas são suficientes para se aquilatar a dimensão superior de um poeta.

“Dalilíada” faz parte do conjunto de poemas reunidos no livro Rosa dos ventos gerais”, (3) e aparece na seção “Cancioneiros dos Ventos Gerais”, a última de quatro que compõem o livro. As outras três são: “Cancioneiro do Ar”, “Cancioneiro do Fogo” e “Cancioneiro da Terra e da Água”.

Por ser, por feliz coincidência, amigo e leitor crítico da poesia de Elmar, disponho da vantagem de trocas de profícuas conversas telefônicas ou mesmo por correspondência com ele sobre questões literárias e sobretudo – porque isso sempre me interessou profundamente -, acerca de temas da criação literária. Dessa forma, vim a saber como Elmar chegou ao poema “Dalilíada”. Agora me lembro de uma situação semelhante que ocorria entre Amado Alonso e o poeta Pablo Neruda, na qual este último era insistentemente interpelado pelo primeiro sobre questões de interpretação de passagens mais complicadas da poesia de Neruda e que desafiavam a argúcia daquele crítico, conforme sobre o caso comentou recentemente o ensaísta e professor piauiense M. Paulo Nunes (4) em artigo publicado no jornal Diário do Povo.

Revelou-me Elmar Carvalho ter já há algum tempo um interesse especial pela pintura de Salvador Dali. E mais, perto de sua residência, em Teresina, conheceu um pintor entusiasta daquele artista catalão. O pintor possuía um álbum ou dois com obras de Dali. Elmar, então, fora à casa do pintor, conhecido como Sica, e, se não me engano, pediu-lhe emprestado o álbum ou os álbuns, que passou a examinar com muito interesse e curiosidade.

Parece-me também que Elmar Carvalho tinha já sentido um desejo de trabalhar um poema nos moldes surrealistas, manifestação poética de que também já havia experimentado em poemas anteriores, todos incluídos no citado Rosa dos ventos gerais: “No reino do surreal”(p.52); “Realidade fantástica” (p.76); “Em transe” (p.70; “(Ir) real”(p.79).

Mais de um crítico, inclusive o autor desta introdução, já aludiu à disposição de Elmar para a pesquisa e o experimentalismo no domínio da poesia. que se explica em parte pela cronologia de sua participação como jovem poeta da geração dos anos 70, denominada geração mimeógrafo, e em parte pela sua real inclinação reavaliadora da práxis poética. Em 1990, quando o conheci em Amarante, município do Piauí, me dei conta do valor e seriedade de seus processos de produção poética, reconhecendo nele e em outros poetas de sua geração, um viés subversivo e inovador de fazer poesia. (5)

“Dalilíada”, por conseguinte, é o resultado dessa vocação poética para um salto de qualidade que não concede, uma única vez sequer, - postura intelectual que o engrandece - , lugar às facilidades anacrônicas e a experimentalismos inconsistentes. “Dalilíada poderia ser uma concessão à aventura irresponsável no terreno poético? Não, nunca. Tanto assim é verdade que o poema, longo poema de 40 estrofes, em nosso juízo, parece ser, me arrisco a dizer, na sua espécie, uma peça ímpar, na lírica brasileira, a se aproveitar da simbiose entre arte da palavra, arte particularmente significante em se tratando de poesia, e arte pictórica.

 

Uma palavra sobre o título O vocábulo “Dalilíada” é formado da aglutinação de Dali, último sobrenome do pintor, pelo qual frequentemente é chamado, com a exclusão até do sobrenome Salvador, com o famoso nome da epopeia grega de Homero, a Ilíada, que, segundo esclarece Hênio Tavares, corresponde à “forma portuguesa do grego ‘Iliás’, vindo do latim ‘Ilíada’, significando ‘a respeito de Ilion’, que era o nome de uma cidade da Ásia Menor.” (6) Esta circunstância me permite facilmente estabelecer uma explicação no que respeita ao título do poema de Elmar, i.e., o poema procura, antes de tudo, render um tributo ao conhecido pintor e escultor Salvador Dali.

Esta explicação, entretanto, por si só, demonstra um traço estilístico da poesia de Elmar, uma saudável inclinação às mudanças e experiências formais, já testadas em composições poéticas anteriores, conforme por mais de uma vez já ressaltei em estudos sobre o poeta. (7)

Ao dar, porém, o título “Dalilíada” ao poema, o autor, entre parênteses, define o gênero que escolheu, ou seja, um “poema épico”, como ele próprio o classifica. (8) A princípio, me pareceu inadequada a classificação por ele atribuída ao poema, se for levada em conta a forma canônica do gênero literário em causa. Todavia, se considerarmos a grandeza das imagens e das ideias convergindo para a exaltação do objetivo temático da peça poética - a figura enigmática e ao mesmo tempo múltipla do protagonista do poema, Dali e a sua obra - , compreenderemos que a aventura de uma individualidade pode também representar uma dimensão nacional e mesmo universal e cósmica, desde que para tanto ela consiga plasmar elementos díspares da realidade, não só concreta mas tomada na sua abstração e nos seus arcanos insondáveis. (9)

 

 

O esquema estrófico Mencionei linhas atrás que “Dalilíada” compõe-se de 40 estrofes assimétricas de versos livres, indicadas por números romanos, variando de 3 versos a 15 versos, assim distribuídos: 1 estrofe de 15 versos, a 1ª; 1 estrofe de 10 versos, a 2; 6 estrofes de 3 versos, a 3 ª; 11ª, 12ª,28ª e 36ª; 7 estrofes de 4 versos, a 6ª, 7ª, 13ª, 18ª, 19ª, 37ª e 38ª; 11 estrofes de 5 versos, a 4ª, 9ª, 10ª, 22ª, 23ª, 24ª, 25ª, 26ª, 27ª, 30ª e 32ª; 6 estrofes de 6 versos, a 5ª, 14ª, 17ª e 20ª;2 estrofes de 7 versos, a 8ª e a última, a 40ª; 1 estrofe de 8 versos, 2 estrofes de 9 versos, a 15ª e a 29ª; 2 estrofes de 12 versos, a 33ª e a 39ª.

 

O poema e sua espacialidade Uma das peculiaridades marcantes da poesia de Elmar Carvalho são os recursos buscados na configuração do espaço branco da página, expediente grafemático por ele empregado em muitos outros poemas que, desde cedo, dele fizeram um poeta atualizado, com o pé na modernidade e outro na grande tradição poética. Ainda hoje paga tributo ao Concretismo brasileiro em virtude desse apego à desintegração do vocábulo, à prática por vezes anti-discursiva e ao uso amplo da espacialidade como elementos significantes e significativos do discurso poético. De resto, tal procedimento contamina praticamente toda a poesia brasileira contemporânea, conforme se pode ver nos seus mais variados poetas. Na realidade, a tendência de utilizar-se de figurações, desenhos e aproveitamento do espaço branco da página para fins estéticos de comunicação do poético remonta à Antiguidade greco-latina, e me parece sem dúvida ter chegado para ficar.

“Dalilíada”, menos do que em outros poemas de Elmar, recorre, em dois momentos, a esse recurso de experimentação espacial, o qual podemos encontrar na estrofe introdutória e na sua penúltima estrofe. Essas duas estrofes, significativamente, em ludismo plástico-visual, realizam um jogo de “palavra-puxa-palavra” no qual o epicentro destaca, numa e noutra daquelas estrofes, a importância dos nomes de Dali e Gala, a amada do pintor. É interessante aqui constatar-se o poder de inventividade conseguido pelo poeta ao trabalhar esses dois nomes, quer no plano interno do poema, quer no da sua significação exógena.

No primeiro caso, vemos o nome de Dali: “Dali”, “Daqui”, "Dacolá”, “Daquém”, “Dalém”, versos 5 e 6. A distância que o poema espacialmente mantém na página ressoa iconicamente como a projetar a figura polêmica do pintor em várias direções e simultaneamente em todos os lugares intra e extratextualmente.

No segundo caso, temos o nome de Gala, que, no espaço da página, irrompe, em exclamação, em vocábulos derivados; “Galamante”, “Galamada”, Galáxia,” “Galáctica, “Galharda”, “Galateia”, “Gala”(repetida três vezes, “Galante”, “Galardão”, “galáxias”. Na formulação lúdico-experimental de vocábulos dois se formam por aglutinação: “Galamante” e “Galamada” e, neste caso, com valor de adjetivo. São formações lexicais, observe-se, construídas pela intuição do próprio poeta. Os demais vocábulos fazem parte do léxico português, cuja funcionalidade antes reside na mera coincidência mórfica com o nome da amada de Dali, Gala. Saliente-se, por outro lado, que, no caso, esses outros vocábulos reforçam a apóstrofe dirigida à pessoa de Gala, em forma de amplificação laudatória das virtudes e qualidades dela, culminando no melódico verso final da estrofe: “... em teu gesto delicado de mulher”. (10)

Atente-se, finalmente, que o vocábulo “Galateia”, tão imbuído de acepções mítico-helênicas, ainda reaparece no 7º verso desmembrado em Gala + teia, o que completa a constelação de semas gravitando em torno da beleza e delicadeza da musa de Dali.

 

A explosão vocálica como força centrípeta do binômio: vida e obra de Dali Uma vez chamei Elmar Carvalho de um “malabarista do verso, (11) porquanto seu verso em geral resulta de um trabalho sério de pesquisa da linguagem. Nada nele denuncia gratuidade ou apenas afetação de procedimentos por ele seguidos na composição de sua obra poética. Seus recursos rítmicos, melódicos e de retórica lhe traem o empenho de construtor de imagens e ideias com o sinete da originalidade, ainda que, como não podia deixar de ser, se aproveitando das lições de grandes mestres da tradição poética do Ocidente, brasileiros ou estrangeiros, não importa. Parece-me que esta atitude intelectual é que forjará, de forma permanente, os autênticos inovadores da poesia de qualquer época.

No poema “Dalilíada” essa dimensão renovadora se acha patente a todo passo e nele quase chega a ser uma obsessão o apego às preocupações metapoéticas.

No poema como este que venho comentando, cuja pretensão de efetivar uma fusão entre o signo linguístico e a linguagem plástica é mais que evidente, não é preciso grande esforço do leitor para compreender as dificuldades enfrentadas pelo poeta durante o processo de elaboração do poema e sua consequente realização escrita.

Sabemos que desde, pelo menos, os parnasianos, existiu o interesse entre os poetas de concretizar uma poesia onde a linguagem do verso pudesse se harmonizar à imagem plástica, donde resultasse uma poesia aproximada às formas sólidas e marmóreas, de efeito táctil. Nesse ponto, assumiram relevância especial o valor e a função desempenhados pelas vogais e consoantes, às quais se atribuiriam “sons, cores e sentimentos”. (12)

Da mesma sorte, no Simbolismo houve constantemente uma aproximação entre este estilo literário e a música, consoante nos lembra a advertência verlaineana: “De la musique avant tout chose...” Igualmente, ficaram famosas as “correspondences” que aparecem no soneto “Voyalles”, de Rimbaud, destinando a cada vogal uma cor correspondente: A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu”. (13)

No mesmo sentido de correspondência entre os sons das palavras e os elementos naturais, poder-se-ia incluir o esforço despendido no soneto de Baudelaire, “Correspondences”, no qual “Les parfums, les couleurs et les sons se répetent”. (14) Na mesma esteira dessas correspondências existentes no soneto acima-mencionado de Baudelaire, tivemos o que se chama “instrumentação-verbal”, quer dizer, haveria correspondências sinestésicas entre as vogais e as cores, entre os instrumentos, os sons e certas sensações Essa “instrumentação-verbal” representaria, segundo George Lote, uma correspondência entre as vogais a, e, i, o, u, e, respectivamente, um órgão musical, uma cor e um sentimento. (15)

Ao longo de “Dalilíada” evidenciou-se um dado fônico-visual-semântico nos versos constitutivos do poema que instauram uma tensão entre a sua significação como objeto verbal e sua realidade histórico-social. Esse dado seria simbolizado pela altíssima ocorrência da vogal extrema anterior fechada “i”, observável estrategicamente a partir do locus interno do poema, i.e., em vocábulos que começam significativamente pelo próprio nome de Dali, onde a vogal tônica recai no próprio “i” final. Estou a me lembrar aqui, mutatis mutandis, da grande incidência de vocábulos referentes à cor branca na poesia do simbolista brasileiro Cruz Sousa (1861-1898).

Só para exemplificar, vejamos, na primeira estrofe do poema, a elevada taxa de incidência dessa vogal anterior, extrema, fechada nos vocábulos onde ela comparece (a vogal, ou o fonema aproximado, está em negrito):

1º verso: bigode, surreal

2º verso: chifre, aguilhão

3º verso: Dali, toureiro

4º verso: toureia, consigo

5º verso: Dali, Daqui

6º verso: Daquém, dalém

7º verso: de, arte

8º verso: de, arte

9º verso: de, ante, maviosa

10º º verso: onde, arde, tarde

11º verso: noite, dia, surreal

12º verso: feita, de, e

13º verso: de, cores, (b)errantes

14º verso: e, de, pusilânime

15º verso: Cores, cambiantes

 

Como vemos, só nesta estrofe, a referida vogal e bem assim a semivogal que dela se aproxima foneticamente em ditongos decrescentes e nas formas verbais terminadas em som nasal, estão presentes 41 vezes! Note-se ainda que levei em conta igualmente as vogais reduzidas assinaladas na escrita com a letra “e”, mas, na pronúncia nordestina piauiense (o autor do poema, como sabemos, é piauiense), é equivalente a um “i” reduzido inicial, medial ou final.

Em todo o poema essa ocorrência me permite concluir pelo valor de natureza cratílica assumido pela vogal “i” associada ao tema desenvolvido no poema, cujo epicentro de atração, no plano de sua semântico, se apoia na figura de Dali e de sua obra.

 

O intertexto em “Dalilíada” No poema o intertexto reveste dois aspectos, quer dizer, como prática alusiva através da apropriação de uma vanguarda datada, sem embargo de seus reflexos ainda sentidos na poesia contemporânea e como recurso de intertextualidade exóliterária (16), ao procurar um fazer poético recorrendo a elementos fora da área propriamente poética, ou seja, na biografia e na pintura de Salvador Dali.

O crítico inglês, (17) I. A. Richards (1893-1979) uma vez afirmou que um traço no futuro da poesia seria o amplo recurso das alusões, o que, na realidade, já está acontecendo em nossos dias, Cada vez mais, estamos lendo uma poesia na qual existe mesmo uma certa dificuldade de se poder delimitar as fronteiras fugidias do componente alusivo e da contribuição pessoal, gerando, dessa forma, uma espécie de aparente crise de originalidade.

Em “Dalilíada” pode-se reconhece, em grau elevado, um desfilar de referências provindas de fontes histórico-literário-culturais, afora a apropriação de recursos formais imagísticos e de procedimentos tomados à poesia surrealista. Por sinal, na estrofe inicial do poema, 12º verso, há até mesmo a nomeação do próprio vocábulo “surreal”. (18)

Nos versos do poema se entrecruzam referências intertextuais variadas, remetendo à figura de Picasso, à mitologia greco-latina, a ecos drummondianos, a ecos bandeirianos, ao sintomático nome do surrealista Paul Éluard, ao pintor renascentista Rafael, ao Cristianismo, e sobretudo à própria textualidade do poema, esta, sim, contaminada, em toda a sua inteireza, pela realidade magnetizada e fantástica provocada pela obra ímpar de Dali.

 

Considerações finais Os comentários aqui aflorados se direcionam mais a apontar algumas vias analíticas de interpretação suscitadas pela leitura desse vigoroso e bem articulado poema, talvez, como assinalamos antes, um trabalho pioneiro na lírica brasileira.

Elmar Carvalho, admirador antigo de Dali, um dia resolve, em mais um exercício de malabarismo poético, após cuidadosa pesquisa e amadurecimento sobre a visão que lhe passou Dali no campo da pintura, empreender, guiado pela intuição e debruçado sobre um ou dois álbuns com quadros do pintor catalão, escrever essa “epopeia moderna” como resposta à inspiração, em parte brotada do inconsciente surrealista mimético (de repente, delineou-se-lhe na cabeça o poema quase pronto, me confessou o autor), em parte ditada pela competência literária de prestar este merecido tributo à memória do grande e polêmico artista, que foi Salvador Dali.

 

NOTAS:

 

1 Ao escrever esta breve introdução, preliminarmente, serviu-me de inspiração a engenhosa análise sobre a poesia de Carlos Drummond de Andrade feita por Rosemary Arroyo, em estudo acerca da prática da tradução literária no domínio do inglês, no caso específico, a poesia. Ver ARROYO, Rosemary. Oficina de tradução: a teoria na prática. 4. ed. São Paulo: Ática. Coleção Princípios, 2002.

 

2 BANDEIRA, Manuel. O itinerário de Pasárgada. In: ____. Poesia completa e prosa. Vol. único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 32-102.

 

3 CARVALHO, Elmar. Rosa dos ventos gerais. 2ed. Rev. Aumentada e melhorada, com fortuna crítica. Teresina: SEGRAJUS, 2002, P. 173-181.

 

4 Ver NUNES, M. Paulo. A lição poética de Neruda. Diário do Povo. Teresina, Pi., 29/07/2004.

 

5 Ver o meu artigo “A consciência poética atualizada”, publicado primeiro no jornal Diário do Povo. Teresina, Pi., 13/01/95, em seguida, incluído como posfácio para a primeira edição de A rosa dos ventos gerais. Teresina: Editora Gráfica, 1996 e, finalmente, incluído também em Rosa dos ventos gerais. 2. ed., op. Cit.

 

6 TAVARES, Hênio. Teoria literária. 8. ed. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Ltda., 1984. p. 241.

 

7 Ver um outro estudo de minha autoria, “Elmar Carvalho: um malabarista do verso”, originalmente publicado no Caderno de Teresina, Ano X, nº 23, agosto de 1996, e, posteriormente, também incluído na 2ª ed. de Rosa dos ventos gerais, na qual ainda está incluído, como introdução, meu ensaio sobre o poeta , “Encontro, poesia e vida.”

 

8 CARVALHO, Elmar. Rosa dos ventos gerais. 2. ed. Op. cit., p. 173.

 

9 MENDONÇA TELES, Gilberto. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. 2. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1973, p. 122-125, e p. 126-160.

 

10 CARVALHO, Elmar. Op. cit., p. 181.

 

11 Cf. minha nota 7 supra.

 

12 WEY, Válter. Língua portuguesa. 3ª série, curso colegial. São Paulo; Editora do Brasil, 1963, p. 158.

 

13 MOISÉS, Massaud. O simbolismo (1893-1902). Vol. IV. São Paulo: Cultrix, 1966, p.41.

 

14 Idem, p. 37.

 

15 Ibidem, p. 39-40.

 

16 AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da literatura. 6.ed. ver., vol. I. Coimbra: Livraria Acadêmica, p. 1984, p. 629.

 

17 RIACHARDS, I.A. Princípios de crítica literária. Porto Alegre: Globo, 1967, p. 181-185.

 

18 Carvalho, Elmar. Op. cit., p. 173.

 

 

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2004

 

(*) Cunha e Silva Filho é mestre e doutor em Literatura Brasileira, professor universitário no Rio de Janeiro e tem vários livros e artigos publicados.  

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Cacá 70

Professora Amália do Espírito Santo Campos


Cacá 70


Carlos Rubem 


A professora Amália do Espírito Santo Campos, 97 anos, minha tia materna, curte a vida na paz do alto da sua lucidez e sensibilidade.


Após as abluções matinais, recolhe-se para rezar. Em suas orações, dentre outras pessoas, sempre suplica pela proteção do seu amigo João Cláudio Moreno, humorista e cantor. Diz que o JCM lembra muito o jeito histriônico do seu irmão Gerson Campos (1934 - 1973).


Em seguida, conduzida na sua cadeira de roda, toma seu café na maior tranquilidade. Assiste certo programa religioso na TV Rede Vida. Lá pelas 10h, se dirige à sua biblioteca onde ler livros e revistas, escreve cartas, cartões e bilhetes para gente do seu ciclo de amizade.


Maria do Carmo Ferreira de Carvalho, conhecida por Cacá, solteira, celebrou os seus 70 anos, no dia 21.07.2021. Com a morte de sua genitora, Dona Alina Ferraz, inesquecível dama, Cacá tem a tia Amália como sua mãe afetiva. Aliás, esta era contemporânea de Dona Alina na Escola Normal de Teresina, nos idos de quarenta. Amizade cultivada vida inteira. Pela passagem daquela data, a tia Amália mandou um presente para Cacá acompanhado de uma corbelha de flores.


A casa da Cacá é vizinha a do Sr. Oliveira Sinimbuh, falecido, pai de 08 filhos, dentre eles, a Ceicinha, viúva, residente em Fortaleza. No seu jardim há pés de bugarim, que brotam flores perfumosas. Aroma delicado, agradável.


Ao ensejo daquela efeméride, a Ceicinha Sinimbuh compôs um poema dedicado a Cacá, intitulado “Flor de bugarim”, um madrigal invocador de boas lembranças.


Recentemente, a Cacá disponibilizou a tia Amália uma cópia daquela poesia. Como forma de agradecimento pela atenção que lhe fora dispensada, a tia Amália escreveu, hoje (23.08.2021), uma carta à Cacá, na qual, com seu traço ora trêmulo — se sente encabulada por isso —, ressalta que “Também eu, Amália Campos, colega que fui de sua mãe Alina, participava do sentir do perfume do bugarim do seu jardim. Parabéns Cacá e por favor agradeça a Ceicinha Sinimbuh, poetisa, a sua poesia Cacá 70.”  

domingo, 22 de agosto de 2021

Seleta Piauiense - Antônio Chaves

 

Fonte: Google/WordPress.com


Olhos

 

                               Ao Dr. Clodoaldo Freitas


Antônio Chaves (1883 – 1938)

 

Olhos tristes, fatais, em cuja soledade

A ampla noite do Tédio abre as asas de treva

E escuta as orações que aos espaços eleva

A mística visão de uma enorme saudade...

 

Olhos da cor do mal! Na vossa imensidade,

Mais escura, talvez, do que a noite primeva,

Anda um raio do amor que abriu os olhos de Eva

Para a luz, para a vida e para a liberdade...

 

Olhos sentimentais, negros olhos orgíacos,

Em cujos ermos se ouve a voz desfalecida

De uma lira pagã em cantos elegíacos...

 

Olhos, por que dos meus fugis com tanto medo,

Retendo, sem cessar, na lágrima escondida,

Tão profundo mistério e tão grande segredo? (*)

 

(*) No livro Nebulosas, Coleção Centenário, APL, 2ª edição, 2013, o último terceto consta da seguinte forma:

Olhos, porque dos meus fugis com tanto medo,

Retendo, sem cessar, na lágrima escondida,

Tão profundo mistério e tão grande segredo.   

sábado, 21 de agosto de 2021

Leituras Compartilhadas da Avenida Frei Serafim em Crônica e Memória



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sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Alcenor – senhor e pastor de palavras

Alcenor em charge de Fernando di Castro

 

Alcenor – senhor e pastor de palavras

 

Elmar Carvalho

 

Alcenor Rodrigues Candeira Filho. Poeta. Crítico e historiador literário. Ensaísta. Conferencista. Advogado. Procurador Federal, lotado no INSS. Agente da Previdência Social em Parnaíba, há quase dez anos. Professor da Unidade Escolar Alcenor Candeira (O Cobrão) e da Universidade Federal do Piauí – Campus Ministro Reis Velloso, ministrando, entre outras, as disciplinas Português, Literatura Brasileira e Direito Administrativo. Casado com Simone, com quem teve os filhos Dina, Diana e David. Nasceu em Parnaíba, em 10.02.1947.  

Colaborador de vários jornais e revistas do Piauí, entre os quais: Inovação, Norte do Piauí, A Libertação, Presença e Almanaque da Parnaíba. Participou das seguintes obras coletivas: Poetas do Brasil, Aviso Prévio, Salada Seleta, Poemágico, Poemarít(i)mos e Andarilhos da Palavra II. Autor dos seguintes livros (publicados): Sombras entre Ruínas, Rosas e Pedras, Das Formas de Influência na Criação Poética, A Insônia da Cidade e Aspectos da Literatura Piauiense.

Sendo o poeta a antena da raça, no dizer de notável versejador, ou profeta dos nossos dias, como já sustentei em palestra na cidade de Luzilândia, cabe-lhe a tarefa de chamar a atenção, através de linguagem artisticamente elaborada, para as mazelas e injustiças, que nos assolam a todos, e para os grandes sentimentos e temáticas, sem os quais a vida seria insípida e incolor.

Nesse aspecto, Alcenor cumpre bem a sua missão/função de poeta, ao assenhorear-se de todos os temas. Porque ser vate – além e aquém de todos os vaticínios e premonições – é cantar a vida, e a vida é a miragem e a paisagem, as rosas e as pedras, as sombras entre ruínas, o amor e os desencontros, a insônia da cidade, a amizade, os problemas sociais, e todos os demais assuntos que a sua poesia aborda, com arte, emoção e muita pertinência. De sorte que o nosso poeta é senhor de temas, e os molda, qual barro na mão do oleiro, ao sabor de suas idiossincrasias e preferências artísticas.

Várias são as teorias sobre o tempo. A do tempo que flui do passado para o futuro; a que do que corre do futuro para o passado; a do tempo circular, sempre a se repetir, e que não remonta a Nietzsche, em seu eterno retorno, mas a Eudemo, na Grécia de três séculos antes de Cristo. Todavia, em qualquer dessas hipóteses, que não cabe aqui aprofundar, o passado está sempre presente, sempre forte e poderoso – tanto quanto ou até mais que o presente e o futuro. O presente ao tempo em que ocorre se exaure, encerrando-se, como uma concha, em si mesmo, enquanto o futuro não aconteceu, e ao acontecer já não é futuro e sim presente.

Pois Alcenor, ao afastar-se de preconceitos relativos a época, é também senhor do tempo, e não escravo. O poeta deve transitar livremente no tempo e no espaço, e mergulhar em todas as temáticas, matemáticas e mágicas por um sincretismo (eu diria ecletismo, porquanto absorve e aperfeiçoa o que de melhor existe nas várias correntes e escolas literárias), em que versos neoclássicos convivem, sem nenhuma segregação, harmonicamente, com versos simbolistas, concretistas, modernistas, experimentalistas.

E Alcenor o faz muito bem, graças ao talento de uma vocação poética amalgamada sem as imperfeições da pressa, que não raras vezes acarreta a primazia da quantidade sobre a qualidade, e temperada com o seu profundo conhecimento de teoria literária, já que por força de sua profissão de professor de literatura é um devorador de críticas e ensaios literários. Ousaria dizer que o nosso vate é um experimentalista, a circular com desenvoltura do passado para o futuro, e vice-versa, e em todas as direções espaciais e temáticas. Considerei o futuro porque o timbre forte de sua individualidade transparece nitidamente em seus poemas, como uma impressão digital inimitável de sua alma, que lhe assegurará a permanência no tempo.

O poeta em tela, conforme frisei anteriormente, discorre sobre todos os temas, com originalidade, competência e arte. Denuncia as injustiças sociais, sem ser panfletário; canta o amor, sem pieguice; exalta a paisagem, em seu telurismo de homem de seu tempo e de seu meio, sem ser meramente descritivo; poeta sobre paixão e sexo, sem vulgaridades e sem mau-gosto. Isso porque o autor de A Insônia da Cidade domina seu ofício, e utiliza com m(a)estria todos os recursos que a linguagem proporciona, através de metáforas inusitadas, mediante o ritmo com que faz a palavra dançar em seu poema, por meio de aliterações, coliterações, rimas toantes e consoantes e outros artifícios com que canta e nos faz (en)cantar. É hábil ao dispor as palavras na página em branco, desenhando imagens concretas, com que enriquece a mensagem. Exemplo do que acabamos de afirmar é o poema VITA, em que o poeta diz o máximo com o mínimo de palavras, numa absoluta concisão em que existem conectivos, verbos, advérbios, etc., mas que exprime tudo em sua precisão conteudística, imagética e até (ma)temática:

nasc

            ente

cresc

            ente

do

            ente

po

            ente

Ressalte-se, ainda, em nosso poeta a inventividade, finamente tecida em seus versos, mas que nunca descamba para um cerebralismo hermético e frio. Ao contrário, sua arte é elaborada com emoção – emoção que nos toma de assalto – mediante uma linguagem arrebatada, mas ao mesmo tempo contida em sua depuração estilística.

No poema XIX. Pedra do Sal, pertencente à série Poemas do Torrão Natal, comprova-se o alto nível da poesia de Alcenor, seu talento, sua capacidade de síntese, sua inventividade, vasados em linguagem sonora, ritmada e anti-discursiva, em palavras curtas e essenciais, onde as últimas de cada um dos versos, de no máximo quatro letras, formam as vogais (a, e, i, o, u). V Vejamos o poema referido:

Pedra do Sal

porta do céu

porto do cio

pista do sol

no sal azul.

Poderíamos, ainda, fazer várias observações sobre a construção artesanal, de precisão cirúrgica, do pequeno/grande poema acima transcrito, mas não o faremos para não retirar do presente trabalho o seu sabor de crônica de crítica literária, como diria o professor Cunha e Silva Filho, impingindo-lhe um caráter enfadonho e tecnicista. Deixaremos ao leitor, numa leitura arguta, artística e astuta, esse mister misterioso de se tornar um leitor/autor.

Alcenor é um senhor e pastor de palavras, em suas largas lavras de versos. As palavras são suas escravas, atendem a seu chamado, ajustam-se a seu lavor poético, e tomam a forma e o discurso que o poeta lhes exige, com docilidade e harmonia. Mas semelhante ao bom pastor da parábola de Cristo, Alcenor cuida bem do seu rebanho de palavras, sem permitir que nenhuma se perca. Todas acodem – rosas pressurosas – ao seu chamado, e se vão abrigar no redil aglutinador de seus poemas. As palavras são servas que se fazem senhoras pelo desvelo/zelo do amante poeta/pastor.

A insônia nos contagia. Ao lermos Alcenor – esse mago domador, senhor e pastor de palavras, em suas larvas de vida, vindima e vindita, sono, sonho e sombras – o tédio, certamente, não nos afetará. E o enlevo que sentimos nos elevará a páramos paradisíacos e dionisíacos a que só a poesia dos grandes rapsodos consegue nos raptar.

As musas e sereias de seus poemas nos chamam, e às flamas flamejantes dessas “veludosas vozes” atenderemos, entre a compulsão e o desejo ardente.