Dr. Wilson Carvalho Gonçalves em formatura no Rio de Janeiro |
Uma estrela para sempre no céu de
Barras do Marataoã
Dílson Lages Monteiro
A imagem mais distante que tenho
de prof. Wilson Carvalho Gonçalves é de minha meninice. Um dia glorioso para
minha cidade natal. Na Câmara Municipal, que funcionava então provisoriamente
no térreo do antigo sobrado que se diz pertencera ao Coronel Correia, em sessão
festiva, deu-se ampla publicidade ao livro Terra dos Governadores – Fatos da
História de Barras. Meu pai, apaixonado por tudo que se relacionava à memória
da cidade que escolhera para viver, logo tratou de adquirir exemplar. Era
década de 1980 e recordo com muita exatidão o quanto este livro foi festejado.
Afeito à leitura desde cedo, li-o
com devotamento. Sempre li história como leio ficção – guardadas, claro, as
especificidades da natureza de cada tipo de significação e a função estética da
literatura. Digo: para mim, quase tudo é matéria de imaginação. Realidade
mesmo, só o instante presente, que a gente reconta com algum acréscimo ou
interesse ao modo que a linguagem e as motivações permitem. Tudo, no fundo,
torna-se discurso e forma de relação com outros tempos e lugares, mesmo a
narrativa historiográfica. Formas de relação com outros textos, outras vozes,
outros sentidos. História como versão, como uma possível interpretação. Não
mais que isso, entretanto, como fundamental ao ser e ao estar no mundo.
Em Terra dos Governadores – Fatos
da História de Barras, encontrei-me mais ainda inserido em Barras do Marataoã.
Em seus personagens, em seus logradouros. Maravilhava-me passear pelas fotos
antigas de uma cidade imaginada. Ver a antiga igreja matriz. Ler e reler versos
de Teodoro Castello Branco e Celso Pinheiro. Passear pelos perfis biográficos
de figuras de outros tempos que pareciam viver: David Caldas, Taumaturgo de
Azevedo, João Pinheiro, José Pires de Lima Rebello e tantos outros. Talvez uma
emoção ingênua, igualmente vivida por muitos conterrâneos, mas uma emoção
sincera de pertencimento, refletida em um livro, nos esforços de pesquisa de um
obstinado anatomista do tempo, dr. Wílson Carvalho Gonçalves. Imagino quanta
emoção dever ter vivido dr. Wílson em tudo o que descobriu e reuniu sobre a
terra-berço.
Já adolescente em Teresina,
descobri o arquivo público. Na verdade, descobri que, em jornais vencidos, eu
encontrava notícias de Barras. Quanta notícia! Para quem fora apartado de lá
com grande sentir afetivo, era ocasião para ver-se pelas ruas da cidadela, pelo
menos imaginariamente. Movido pela curiosidade e mais pela imaginação, passei a
frequentar o espaço, a duas quadras da escola secundária, muitas vezes, quase
correndo, até no horário do recreio, sob o pretexto de realizar pesquisas
escolares. Coisa nenhuma! Estava interessado, de fato, em remexer papeis
antigos como quem joga bola, nada sem impedimentos, passeia pelo bosque, enfim,
diverte-se.
E foi numa dessas visitas que
minha alma encheu-se de entusiasmo quando ali vi prof. Wílson Carvalho
devidamente paramentado para a pesquisa. Por várias vezes, a cena se repetiu
até criasse coragem de ir à sua pessoa e apresentar-me como barrense. Grande a
alegria diante da recepção e empatia que manifestou, de pode ouvi-lo falar,
laconicamente, sobre suas pesquisas e, especialmente, de ser ouvido (quanta
humildade conceder atenção para aquele quase menino curioso), a ponto que perdi
minha extremada timidez diante de sua admirável e humilde pessoa. A mesma que
vira por diversas vezes a admirar, com olhos de visível alegria incontida, os
festejos religiosos de Nossa Senhora da Conceição das Barras. Eu era apenas um
adolescente observador e inquieto que gostava de livros e sonhava, como ainda
sonho hoje, vencer por eles.
Tratei de adquirir cada livro que
dr. Wílson publicava. De vibrar com cada conquista. Nelas enxergava a vitória
de toda uma cidade. A vitória, também, da posteridade. Parte significativa de
sua vida ele dedicou a recolher informações preciosas, em tempos em que era
mais difícil reuni-las de fontes primárias. Três de seus livros foram
exclusivamente voltados a Barras, movido por um amor incondicional que começou
quando, formado, escolheu a terra natal para sediar sua farmácia e dar aulas;
inclusive, estando entre os fundadores do Ginário Nossa Senhora da Conceição de
sua cidade. Mesmo pesquisando sobre a história do Piauí e de Teresina, ou nos
dicionários biográficos, o município de nascimento era sempre destacado. A ele,
sobretudo, Barras deve a divulgação, nas últimas três décadas, de uma forte
tradição que existiu até o Estado Novo. Suas pesquisas evitaram que Barras se
fragilizasse no imaginário coletivo. Merece, no lugar de origem, a quem devotou
um amor sem limites, homenagens grandiosas.
De tudo, pesquisou. Inclusive,
anotações genealógicas que serviram de base a outros pesquisadores. Das caixas
empoeiradas da Casa Anísio Brito, colheu a formação administrativa de Barras de
Vila (1841) até o ano de 1989. Para além delas, agrupou um número substancial
de perfis biográficos que, para além das conquistas pessoais dos biografados,
relatam fatos indispensáveis para a preservação da memória coletiva. Para além
de tudo isso, consolidou-se com um dos mais destacados antologistas no meio piauiense,
especialmente pelo rigor com que tratava os fatos, ao mesmo tempo, pelo
entusiasmo com que os recontava.
Em um dos encontros que tive com
sua pessoa, ainda rapazote, relatou-me do parentesco com minha avó materna de
quem fora contemporâneo (tinham exatamente a mesmo idade), sem que a isso eu
desse devida importância por desconhecimento e imaturidade. Somente depois,
vários anos depois, é que compreendi que sua mãe era prima de minha bisavó
Dasinha (Adalgisa de Carvalho). E mais recentemente é que fui entender que seu
grau de ligação era como todos os antigos troncos da antiga Barras do Marataoã,
constituidores da gênese da formação do lugar. Vendo que Barras é uma gente só
com sobrenome diferente, entendi as pontes entre o antigo Brejo de Anapurus-MA
, a partir do velho tronco Feliciana Velves Rodrigues (Lages) e Domingos
Gonçalves e a terra de Lêonidas Mello. Pena que a descoberta, mediada pelas
leituras de Edgardo Pires Ferreira e Lena Castello Branco Rodrigues, veio em um
tempo em que já estava impossível a interlocução com o pesquisador que fora.
Certamente, tinha conhecimento sobre.
Barras do Marataoã não seria
Barras do Marataoã sem Wílson Carvalho Gonçalves. Seu desaparecimento físico na
segunda semana de outubro de 2021, aos 98 anos, assinala um grande momento de
pesar. Sua obra, porém, permanecerá como um registro indispensável a quem se
aventurar a compreender o que foi e é sua terra-berço, por ele rotulada como um
“Chão de Estrelas”. Que sua estrela brilhe para sempre nos céus de Barras do
Marataoã!
Cidades com tanta histórias a vivenciar, o turismo sustentável fomenta valorizando municípios e comunidades.
ResponderExcluirUm homem digno e sábio. Ficarão para sempre a sua história, os seus livros e a saudade.
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