terça-feira, 30 de novembro de 2021

Domingos Caripina, o carvoeiro que queria conhecer o trem


 

Domingos Caripina, o carvoeiro que queria conhecer o trem


Pádua Marques

Contista, cronista e romancista

 

A cozinheira veio lá de dentro com duas cédulas dobradas e entregou ao homem muito suado, de estatura baixa, de sola das mãos escuras, barba por fazer e com o relho dependurado no ombro. Domingos do Caripina ao receber o pagamento pelos dois sacos de carvão foi logo puxando conversa naquela hora da manhã em frente da casa de seu Pedro Machado, na rua Grande. Pediu um pouco de água pra beber, lambeu os dedos antes de pegar e contar o dinheiro e depois foi saindo e tangendo os animais no rumo do porto Salgado.

Fazia aquele serviço de descer pra Parnaíba uma vez por semana, às segundas-feiras bem de manhãzinha, com os dois jumentos e a carga de carvão. Ia agora gritando e açoitando os animais, olhando pra os lados, chamando venda. Aquele primeiro freguês do dia já estava ganho. Mas tinham outras casas de gente rica e que compravam sua produção toda semana. Seu Corinto Trindade, Poncion Rodrigues, doutor Ormeu, Cândido Athaide, os Moraes Correia, doutor João Silva, seu Ranulfo e outros que as cozinheiras não diziam o nome do patrão.

Domingos do Caripina acordava de madrugada ainda turvo e no raiar do dia já estava com o pé na estrada no rumo de Parnaíba, trotando os animais por cima de garranchos e de tocos procurando ganhar dinheiro com o negócio de vender carvão. Danado de falador, bom de conversa na porta dos fregueses, sabia de um tudo sobre as famílias importantes. Quem tinha terras, carro, gado, dinheiro no banco. Mas também sabia quem estava quebrado, devendo agiotas, os que tinham filhos. Ele tinha oito, cinco meninos e três meninas, uns brancos, outros rajados e até fogoiós.

No final do dia todo o carvão vendido, corria ainda no mercado e comprava alguma coisa de carne ou peixe, um miúdo de boi ou de porco pra botar na panela e mais que ligeiro voltava pra o seu canto no distante Caripina onde a mulher estava esperando. Domingos era danado de falador da vida alheia e vez por outra até gabola e intrometido. Mas todo mundo gostava dele. Das lorotas que sabia contar, das passagens de sua vida. E foi vendo que em muitas das casas de seus fregueses tinha jardins. E passou a oferecer estume de jumento, do bom, barato. Podia trazer na segunda-feira em cima das cangalhas.

E assim foi fazendo fama de vendedor de carvão e de estrume na Parnaíba. Tanto que já era esperado pelas empregadas com a lata na calçada e o dinheiro trocado.  E de repente lá vinha ele com seu caminhado ligeiro, estalando o relho por cima da carga e segurando um facão, a camisa aberta e o chapéu velho de palha enfiado na cabeça. Sobre os filhos, dizia serem muitos, cinco meninos e três meninas. Domingos Filho, Raimundo, Celeste, Cândida, Sebastião, Euclides, Francisca e Antonio Luís.

Eram seus anjos, a alegria de sua vida, miúdos, que podiam andar até mal vestidos, sem meios de um dia conhecerem a Parnaíba, ver a praça, o movimento do trem vindo e indo pra Piracuruca. Mas eram o que tinha de mais precioso desde quando se amigou com a mãe deles, Raimunda. Mas era o pai de levar, quando podia, alguma coisa pra cada um, uma boneca de pano, um corte de tecido pra fazer vestido ou um calção, um tamanco novo, um remédio. Sabia que nunca iria poder botar eles na escola. Além de muito longe, quem havera de tomar conta deles na Parnaíba, botando sentido, dando a comida na hora certa, livrando dos perigos, até de serem pegos por algum carro? Não, dos filhos não largava!

E era sua alegria ver todos eles quando voltava da Parnaíba. Ver todos de barriguinha cheia, sossegados, todos os dias, cada um na sua rede. A mulher ajudava dentro de casa e no corte da lenha. E os dois maiores, Domingos Filho e Raimundo já eram no tope de pegar no facão e ajuntar a madeira, acender a caieira, botar sentido nalgum animal, tanger e até matar alguma cobra naquele meio de mato. Era serviço duro aquele seu de fazedor de carvão. Cortava a lenha, botava fogo nas caieiras e na segunda-feira descia pra venda.

Um dia, por volta de dezembro, perto do Natal, depois de vendido todo o carvão, deu vontade de entrar na igreja da matriz, mas ficou encabulado. Escolheu uma hora em que não tivesse gente. A igreja rica, toda de altar com suas imagens muito ricas. Só podia ter muito ouro naquelas paredes. Era por isso que só os ricos podiam entrar nela. Ficou encabulado. Aquilo não era lugar pra ele. E seguindo foi no rumo da estação de trens no Macacal. Queria conhecer. Nunca tinha visto, mas haviam lhe falado que era coisa bonita.

Viu e ficou com medo. Um medo tal e qual nunca tinha sentido na vida. Um medo muito maior do que ver alma em vereda ou na esquina do cemitério de perto da Santa Casa na Parnaíba. Medo muito maior do que ser ameaçado de ser preso porque usasse uma faca ou passasse por cima da calçada de gente de dentro da rua. Coisa de obrar nas calças feito menino quando apanha depois de fazer malinação.

Chegou perto do meio do dia nas proximidades da estação. De repente ouviu um barulho vindo e chiando e chiando por detrás do muro. Domingos foi se chegando, se chegando. Deixou os animais lá embaixo das árvores. E viu o trem, aquele bicho de ferro, todo preto, uma coisa até difícil de contar um dia em casa pra os filhos e a mulher de como seria. O bicho soltava fumaça feito o cão! E assim de repente o trem soltou um apito. O carvoeiro quis correr. Mas não podia fazer feio na terra alheia. Aguentou firme em cima dos tamancos. Passado o susto, voltou pra seu Caripina de peito lavado.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Triste notícia




Triste notícia 


Carlos Rubem


A partir do final do Século XX, passei a desfrutar da amizade do escritor O. G. Rêgo de Carvalho (1930 - 2013), quando esteve, acompanhado se sua esposa, a jovem e graciosa Professora Divaneide, revisitando a nossa comum terra natal, Oeiras, a pedido de sua cara-metade.


Desde então passei a frequentar o seu apartamento, em Teresina. O taciturno homem de letras gostava da minha presença. Toda vez que nos encontrava desejava passear comigo pela Cidade Verde.


Certo domingo, em 2010, fomos a uma casa que lhe pertencia situada no Parque Piauí, salvo engano, cedida ao seu colega de arte, o escritor Assis Brasil, que morava sozinho, em plena atividade profissional.


Lá chegando, encontramos o Assis Brasil redigindo um texto na sua velha máquina de escrever. Escritor premiado, publicou mais de cem obras, inclusive a antologia “A poesia piauiense no século XX”, na qual traça, dentre outros, o perfil literário do poeta Nogueira Tapety, meu tio-avô.


Embora agoniado, O. G. Rêgo esperou, pacientemente, que o amigo concluísse a redação em curso. Tratava-se da gestação de capítulo de um novo livro.


Em seguida, convidou-o a almoçar conosco. Antes, porém, voltamos ao aludido apartamento. O. G. desejava usar uma bermuda. 


Neste ínterim, degustamos bom vinho, muito conversamos. A Divaneide nos mostrou as publicações da Editora Renoir, sob sua batuta. Foi uma manhã enriquecedora. O anfitrião, sempre arredio, nada disse.


Em dado momento, nos dirigimos a um restaurante que nem me lembro o nome. Fiquei com boa impressão do Assis Brasil, membro da Academia Piauiense de Letras - APL, ocupante da Cadeira 36.


Agora, tomei conhecimento da morte, ocorrida ontem à noite (28.11.2021), aos 92 anos, deste ilustre parnaibano que há poucos dias se submeteu a uma operação ortopédica em face de um tombo que levou em casa.


Muito triste notícia!

domingo, 28 de novembro de 2021

Seleta Piauiense - Lucídio Freitas

 

Fonte: Google/teresinaantiga.com

Teresina apagou-se

 

Lucídio Freitas (1894 – 1921)

 

Teresina apagou-se na distância,

Ficou longe de mim, adormecida,

Guardando a alma de sol da minha infância

E o minuto melhor da minha vida.

 

E eu sigo, e eu vou para a perpétua lida. 

Espera-me, distante, uma outra estância...

É a parada da luta indefinida,

É a minha febre, minha dor, minha ânsia...

 

Como são infinitos os caminhos!

E como agora estou tão diferente,

Carregado de angústias e de espinhos!...

 

Tudo me desconhece.  Ingrata é a terra.

O céu é feio.  Eu sigo para a frente

Como quem vai seguindo para a guerra...    

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

ASSOMBRAÇÕES



ASSOMBRAÇÕES


José Expedito Rego

        

Não acredito em fantasmas, mas sei de alguns casos verídicos.

         

À margem direita da antiga estrada real que ligava Oeiras à vila de São Francisco, mais ou menos no meio do caminho, morava a viúva Minervina, senhora de muito respeito. Devota de São Sebastião costumava, todo dia 20 de janeiro, festejar o Santo preferido, com missa celebrada na varanda de sua residência campestre, onde armava florido altar, improvisado sobre mesa rústica, junto à parede da fachada principal. O padre vinha da cidade celebrar a concorrida missa, todos os vizinhos compareciam. Terminada a cerimônia religiosa, havia comes e bebes, dançava-se ao sm de sanfona.

      

Austera, D. Minervina trajava, nessas ocasiões, um vestido longo, de mangas compridas, feito de tecido branco de pretas estampas graúdas.

         

A viúva morreu, sem deixar herdeiros, a fazenda ficou abandonada, a casa virou tapera. Somente por ali andavam algumas cabras do morador mais próximo, pastando a vegetação ressequida do ingrato sertão.

       

O senhor Sebastião Barbosa, fazendeiro recursado, dono de carnaubais, morava em São Francisco e viajava muitas vezes a Oeiras, a fazer compras, visitar parentes, rever amigos. Montava um bonito cavalo de boa marcha e seguro passo. Regressando de uma dessas viagens, foi surpreendido por estranha avantesma. Era no mês de agosto, o luar uma beleza, toda a paisagem de garranchos desenhada nos mínimos detalhes. Quando se aproximou da velha casa em ruínas, onde havia morado a Minervina, viu, ainda a cerca distante, um volto que lhe fez arrepiar os cabelos da nuca. Contra a parede, no mesmo local onde outrora se erguia o altar, para as missas a São Sebastião, estava ajoelhada uma mulher, com vestido branco de estampas pretas. Só podia ser o fantasma da velha fazendeira. Sebastião Barbosa não era covarde. Aproximou-se cauteloso, benzeu-se, sacou o revolver da cintura e foi em frente. Emparelhado com a visão, indagou:


– Se for gente, fale, porque vou atirar: não obtendo resposta, disparou um tiro. Uma cabra manhosa, malhada de preto com branco, que se colocara de pé, as patas dianteiras apoiadas à parede, para lamber a cal ou o barro salgado, saiu em disparada, varanda afora.    

terça-feira, 23 de novembro de 2021

O POETA JOÃO CARVALHO NA ÁGORA DO ÁGORA

 


O POETA JOÃO CARVALHO NA ÁGORA DO ÁGORA


Elmar Carvalho


Neste sábado, na Academia, foi-me entregue o opúsculo do “XXVIII Sarau Lítero-Musical Ágora”, evento que vem sendo organizado, mensalmente (última quinta-feira de cada mês), por João Carvalho, há um ano e meio, como a numeração indica. Seu organizador é um médico humanitário, que realiza um trabalho social relevante, voltado especialmente para os portadores do mal de Alzheimer, de cuja Associação Brasileira [de Alzheimer] – Regional do Piauí é ele presidente.

Tem promovido constantes palestras sobre essa devastadora doença. Quando fui juiz em Capitão de Campos, já ouvia falar no João Carvalho, que havia sido médico nessa cidade, como um cidadão bem-humorado e cordato. Depois, o conheci pessoalmente e atesto essa opinião. O Sarau Ágora conta com o apoio decisivo dele, que gasta um bom dinheiro em sua realização, embora tenha o apoio de algumas entidades.

Ajudam-no a levar adiante essa difícil empreitada os poetas William Melo Soares, velho amigo, desde meus tempos parnaibanos, Kátia Paulo, Graça Vilhena, e mais Ilza Bezerra e Dionísio Neto. No evento são recitados poemas, intercalados por belas apresentações musicais, com músicos e cantores especialmente convidados. Em cada mês é homenageado um poeta diferente.

No sarau de dezembro todos esses poetas são homenageados conjuntamente, como apoteose dessa sequência lítero-musical. As pessoas presentes podem recitar poemas de sua autoria ou da lavra de outros poetas. Além de bardo traquejado, de muita sensibilidade e sutileza, João Carvalho também é músico competente, seja manejando um teclado ou empunhando um sonoro pinho.

Para gáudio meu, já tive a ventura de ser um dos poetas homenageados, numa das edições do sarau, com direito à publicação de uma bela plaqueta, que coligia uma seleta de meus poemas preferidos. Vida longa ao sarau de nosso bravo e boa-praça João Carvalho!

1º de março de 2010   

domingo, 21 de novembro de 2021

ALGUNS HAICAIS


 

ALGUNS HAICAIS


Elmar Carvalho

 

           SIMBIOSE AMOROSA                            

Eu te amo                                                    

para que me ames                                    

e eu te ame.                                                

 

           ASCENÇÃO                                               

A chuva caía                                               

e em cada pingo dizia:                              

– Saiba cair.                                                

 

           TROVÃO                                                    

Nuvens novas                                            

brincando de trocar                                    

tiros de foguete e rojão.                            

 

           AMOR

Arte de possuir

na mesma medida

em que se é possuído.

 

           CHUVA

Bênção dos céus

debulhada em bagos

de água.

  

           RELÂMPAGO

Nuvens novas

a brincar com

fogos de artifício.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A CHALANA E O CANALHA

 

Fonte: Google

A CHALANA E O CANALHA

 

Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

Será que a chalana transporta canalhas? Ela leva turistas, românticos, pessoas de um lado para outro, notadamente, no Pantanal; mas, não se pode afastar a hipótese de que canalhas também se sirvam dela em seus deslocamentos diletantes ou encetando processos ou tratativas de negócios ou negociatas; afinal, esse espécime humano está em todo lugar.

                Antes de começar a escrever sobre os canalhas, lia sobre trios famosos na literatura, ficção, na música: os Três mosqueteiros, livro de Alexandre Dumas, o mesmo do Conde de Monte Cristo; os Três patetas, seriado de televisão; Trio Iraquitan, Trio ternura, Trio esperança, Trio mocotó, Tribalistas, Tamba trio, Os mutantes; Sá, Rodrix e Guarabira; Trio parada dura, Trinca de ases, Trio nordestino, todos tradicionais na música brasileira, do rock, sertanejo à bossa nova; tem até um trio que não é, necessariamente, um: o Trio elétrico – músicos que se apresentam em cima de veículos com milhares de Watts/RMS (potência sonora) à disposição. E os canalhas, será que existe Trios de Canalhas? Segundo o escritor e grande roteirista cinematográfico, George R. R. Martin, também a literatura e o cinema têm suas trincas de canalhas: Os Três Mosqueteiros, cuja canalhice já começa na formação do trio, pois, na verdade, são quatro, contando-se com D’Artagnan; o trio de pistoleiros do velho oeste, Billy The Kid, Jesse James e Doc Holliday, canalhas de boa cepa, dentre outros. No mundo das coisas, basta folhear os jornais, ligar a televisão ou acessar as redes sociais para dar de cara com canalhas agindo isoladamente, em duplas, trios ou bandos maiores. Do alto de um trio elétrico lotado de políticos, em São Paulo, chamaram de canalha um candidato ao palácio do Planalto que ousou criticar os discursos e as arengas dos simpatizantes da figura criticada.

               Não é difícil descobrir quem são os canalhas, pois a corja não faz questão de se esconder. Uns até se vangloriam de assim serem considerados e reconhecidos; isso lhes confere status, quase chegam a dar autógrafos ou se deixar fotografar com outros tipos tão idiotas quanto eles. Se vierem a ouvir, ver ou tomar conhecimento de figuras desprezíveis, sem caráter; dessas que não medem esforços nem economizam palavras para agredir, espezinhar, aviltar, colocar a honra e a dignidade de outros ao rés do chão, de forma desrespeitosa e, gratuitamente, saibam que estão sendo apresentados a um canalha nato.

                Mas, como combater os canalhas? Às vezes, tudo que se precisa fazer para livrar-se deles é não lhes dar atenção, tratá-los com o máximo de distanciamento possível, desprezá-los; se necessário, ou para evitar situações violentas, não ocupar os mesmos espaços que eles, porque, cínicos, irônicos e intratáveis como são, sempre dão um jeitinho de se aproximar daqueles a quem querem ou pretendem destratar; aproveitam as menores oportunidades, haja vista não se preocuparem com as nefastas consequências de seus atos, para destilar veneno e pestilência. Os canalhas se fortalecem com a atenção que toleirões dispensam a seus atos e ações; portanto, oferecer-lhes o silêncio, o desprezo, a desatenção, o afastamento, ante suas algaravias verborreicas ou atitudes levianas, parecem boas formas de lhes minar as energias e os enfraquecer.

                A quem ou ao que recorrer quando os canalhas insistirem em tentar tirar sua tranquilidade ou não se amedrontarem com tentativas pacíficas de rechaçá-los? Quanto aos do tipo falso corajoso, não raro, ameaças de retratação, de processá-los ou os denunciar por desacato, injúrias, difamações, são suficientes para calá-los; diante dos canalhas convictos, criminosos perigosos, às vezes, somente ameaças não resolvem, e urgente e necessário se faz, às vezes, agir com rigor, transformando ameaça velada em ação efetiva e prática, quem sabe, buscando guarida nas instituições policiais e/ou jurídicas.

                Na verdade, todo canalha, no fundo, é covarde, asqueroso indivíduo cuja principal missão existencial parece ser aspergir o mal por onde transita. Eles são onipresentes: estão tanto nas famílias pobres, quanto nas ricas; na vida pública, na iniciativa privada, nos governos, nos parlamentos, em nichos judiciários, nas igrejas; não têm cor, raça, credo nem uma profissão específica; aliás, esse tipo de sujeito pode exercer qualquer atividade ou função. Há canalhas que querem ver sua canalhice sendo tomada por opinião ou ponto de vista; são os, também, hipócritas: os piores. A súcia está entre nós desde sempre, como os ratos e as baratas. Quem conseguir descobrir ou criar uma forma eficiente e eficaz de exterminá-los vai livrar o mundo de uma das mais abjetas variantes do ser humano.

                Ah! “Chalana” é um anagrama – palavra formada por transposição de letras de outra palavra - de “canalha”; que azar o da romântica embarcação fluvial, cantada e decantada por tanta gente boa na música tupiniquim.       

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Acadêmico destaca aspectos relevantes da história do ensino superior em Parnaíba


Em sua palestra “Faculdade de Administração – um dos cincos pilares da UFPI”, o acadêmico e poeta Elmar Carvalho fez uma contextualização da história econômica, social e educacional de Parnaíba.

 

Ele ressaltou a vocação empresarial e empreendedorista da cidade, tanto na indústria, no comércio, como na prestação de serviços, sobretudo nas áreas da saúde e da educação.

 

A palestra de Elmar Carvalho foi proferida na Sessão Especial da Academia Piauiense de Letras de sábado passado (13/11), dedicada à Faculdade de Administração de Parnaíba.

 

Ao discursar em nome da APL, ele relatou um fato hoje desconhecido, até mesmo por quase todos os parnaibanos: antes da Faculdade de Administração, já existira em Parnaíba dois cursos superiores, o de Teologia e o de Filosofia, que funcionaram de 1950 até 1966, quando foram transferidos para Fortaleza e Guaramiranga, no Ceará.

 

A Faculdade de Administração

 

O palestrante discorreu sobre os antecedentes da Faculdade de Administração, os embates e dificuldades para sua criação, bem como sobre a instituição da Fundação Educacional de Parnaíba, sua entidade mantenedora. Citou os pioneiros dessas duas instituições educacionais.

 

Também relatou as principais ocorrências dessa faculdade, desde seus primórdios até sua incorporação pela Universidade Federal do Piauí (1971), e, posteriormente (2018), pela Universidade Federal do Delta do Parnaíba – UFDPar.

 

Sua palestra mostrou a evolução do Campus Ministro Reis Velloso (UFPI), que inicialmente tinha apenas os cursos de Administração de Empresas, Ciências Econômicas e Ciências Contábeis, e que depois foi implantando novos cursos, até merecer, em 1992, o status de Centro de Ensino (unidade acadêmica), no organograma da UFPI.

 

Avançou até os dias atuais, quando  Administração de Empresas e os demais cursos foram absorvidos pela UFDPar, criada por desmembramento da UFPI.  

Fonte: site da Academia Piauiense de Letras - APL

domingo, 14 de novembro de 2021

NO REINO DO SURREAL

Fonte: Google

 

NO REINO DO SURREAL


Elmar Carvalho

      

           I – FUTEBOL

 

último rei

                        dec/apitado

fiz o gol

                                    da vitória

com minha própria

                                    cabeça

nas traves da guilhotina

(e o goleiro era o carr’asco)

 

           II – BASQUETEBOL

 

tomaram-me

            tudo inclusive

            o óbolo inútil

            o bolo indigesto

            a bola murcha

            a bala de festim

            a balada calada

                              alada

            mas sem voo

mas ainda me sobrou

            cabeça para arrancá-la

            e enfiá-la

            na cesta

 

           III – VOLEIBOL

 

    dei um saque

jornada nas estrelas

     em minha

                                     cabeça

de antemão coroada

            com o louro/ouro

                da vitória

minha cabeça descreveu

            uma parábola

                            bola

                       sangrando

                             bola

                                     singrando

o espaço como um

                                                    cometa

      de cauda sangrenta

(depois a fiz troféu da vitória)   

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

APL homenageia Curso de Administração de Parnaíba

 

O Curso de Administração de Empresas funciona no Campus Ministro Reis Velloso, em Parnaíba, hoje sede da UFDPar



A Academia Piauiense de Letras (APL) realiza no próximo sábado (13/11) Sessão Especial em homenagem à Faculdade de Administração de Parnaíba.

 

O evento faz parte do programa da APL para celebrar os 50 anos da Universidade Federal do Piauí, aberto em março.

 

O poeta e acadêmico Elmar Carvalho será o orador da sessão de sábado, abordando o tema: “Faculdade de Administração – um dos cinco pilares da UFPI”.

 

Elmar Carvalho é juiz aposentado e foi aluno da Faculdade de Administração de Parnaíba, antes de fazer o Curso de Direito.

 

A Faculdade de Administração foi incorporada à UFPI, quando da criação da universidade, juntamente com as Faculdades de Direito; Filosofia; Odontologia e Saúde.

 

Hoje o Curso de Administração integra a Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPar), desmembrada da UFPI.

 

Cada uma dessas faculdades já foi homenageada pela APL através desse programa de comemoração do cinquentenário da UFPI.

Fonte: site da Academia Piauiense de Letras - APL  

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Sarau Nogueira Tapety


 

Ad Eterno


Nogueira Tapety


Sabes bem que te adoro e acredito que me ames,

Mas, por Deus, minha filha, acabemos com isto...

Não me chames traidor, nem leviano me chames 

Pois é só por te amar que te peço e insisto.


Separando-nos há preconceitos infames,

E outras fartas razões que eu não tinha previsto.

Adeus! Seguirei só da tua sorte os ditames,

E do teu doce amor nobremente desisto.


Sei que culpas não tens, minha bela açucena,

Que este abismo medonho entre nós apareça,

Mas meu orgulho atroz, que te evite, me ordena...


Não suponhas, porém, meu Amor, que eu te esqueça,

Mas cumpro o meu dever, muito embora com pena:

Deixo-te procurar quem melhor te mereça. 

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

SEGUNDO A FÍSICA, QUÍMICA E A GEOGRAFIA...

 

Fonte: Google

SEGUNDO A FÍSICA, QUÍMICA E A GEOGRAFIA...


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                Temos lido ou tomado conhecimento, de fontes confiáveis – físicos, geógrafos, ambientalistas sérios – que a quantidade de água que evapora das fontes líquidas terrestres – rios, lagos, geleiras, oceanos e da infiltrada na própria superfície – é a mesma que a essa retorna ou se precipita como resultado da evaporação; e mais: em períodos curtos, de alguns séculos, por exemplo, a quantidade de água no planeta Terra, sob qualquer forma, mantém-se, praticamente, invariável. Quando se refere a eras geológicas, que cobrem milhões de anos, o volume pode diminuir ou aumentar.

                Não faz tanto tempo assim que a situação climática global virou notícia, assunto corriqueiro, fonte de preocupação, pavor e, mesmo, de terror, para entendidos, estudiosos, e de ceticismo ou exagero, para curiosos, religiosos, leigos ou desconfiados no que aqueles e as mídias tentam impor como verdade incontestável; para muitos do grupo dos céticos, alguns do outro lado não passam de falaciosos, sensacionalistas, boquirrotos. Tem-se ouvido com certa recorrência que, mantidas as previsões de aquecimento global em torno de um e meio a dois graus centígrados, até dois mil e cinquenta, diversas regiões geográficas da Terra teriam parte de suas cidades ou áreas habitadas, alagadas, senão submersas, em razão do degelo das calotas polares, geleiras, grandes icebergs e que tais; e as populações de tais locais, claro, sofreriam as consequências.

                Sabemos, desde os tempos de estudantes ginasianos, secundaristas, clássicos, de cursos científicos, ou dos ensinos fundamental e médio, que algumas localidades no globo terrestre, densamente povoadas, coincidentemente, dentre essas, as que sofreriam com o aumento no nível da água dos mares, por terem sido criadas/construídas - há muitos séculos, ou até no último - abaixo do nível médio dos oceanos, precisaram (ou precisam, periodicamente) ser aterradas ou protegidas por diques e/ou obras semelhantes, a fim de dar segurança a quem nelas vive. Determinadas extensões de terras na Holanda; asiáticas, como Bangladesh, Vietnã; porções consideráveis da China, Índia, Indonésia e mesmo no Brasil, bastam as ressacas oceânicas, ou qualquer mínimo aumento no volume das águas marítimas, fluviais ou pluviais para alagá-las, inundá-las.

                Como nos ensinou o químico francês, Lavoisier: na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Grosso modo, teoricamente, a água resultante do degelo ou descongelamento das geleiras que estão sobre a superfície da crosta terrestre e nas calotas polares - em razão do aquecimento provocado pelas severas condições climáticas vigentes -, e que poderia aumentar o nível dos mares, rios ou lagos nos quais viessem a desaguar, entraria no processo de evaporação e alimentaria o círculo vicioso/virtuoso: transformada em precipitação pluviométrica, grande parte dela retornaria à Terra, como acontece há milênios, desde antes das descobertas sobre o efeito estufa, alterações climáticas e ambientais do planeta; o restante se decomporia em suas substâncias químicas formadoras e migraria para o universo. 

Para que essas transformações referentes ao aquecimento global, alterações climáticas, meteorológicas ou ambientais se concretizassem na rapidez amedrontadora de que nos falam, possivelmente, apenas os artefatos atômicos ou nucleares produzidos e disponíveis não seriam suficientes; precisaria que ocorressem fenômenos provocados por interferências cósmicas externas, como, por exemplo, precipitação de grandes massas de cometas, asteroides, meteoritos ou outros corpos celestes sobre o planeta. Nesse caso, improvável, tudo sobre a Terra seria rapidamente dizimado, destruído.

                Talvez não reste dúvida de que as alterações climáticas se mostrem mais relevantes e preocupantes como consequência – da devastação irrefreável de florestas, cerrados e caatingas, da absurda urbanização e aumento da densidade demográfica, do acúmulo de substâncias poluentes lançadas na atmosfera e nos mananciais aquíferos, proporcionando escassez, exagero ou desordem na precipitação de chuvas e na formação de secas Terra a dentro -,  do que como causa – do degelo de geleiras, icebergs e calotas polares, que poderia levar ao aumento do nível de água dos mares, rios e lagos e provocar submersão de  cidades e  evasão de habitantes de áreas situadas abaixo do nível médio dos oceanos.

                De fato, estamos vivendo um tempo de grande desrespeito ao planeta e, claro, aos seres que nele habitam, mas nem ele nem nós estamos condenados à extinção. Duas coisas, porém, precisamos entender: que depende realmente de nós buscar permanecermos nele; a outra, é que, qualquer ação nossa visando a destruí-lo nos machucaria muito mais que a ele.   

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Os 120 anos do nascimento de Cecília Meireles

Fonte: Google/Wikipédia


Os 120 anos do nascimento de Cecília Meireles


Prof. Carlos Evandro M. Eulálio


Descendente de açorianos de São Miguel, pelo lado materno, Cecília Meireles nasceu no dia de São Florêncio, 7 de novembro de 1901, no Rio de Janeiro, e aí faleceu em 9 de novembro de 1964, aos 63 anos de idade.  O pai, Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil, faleceu aos 26 anos, três meses antes do nascimento da filha e a mãe, a professora municipal Matilde Benevides, faleceu quando Cecília tinha apenas três anos de idade. Ela foi criada pela avó materna, a açoriana Jacinta Garcia Benevides, sobre a qual assim se refere:

Vovó era uma criatura extraordinária. Extremamente religiosa, rezava todos os dias. E eu perguntava: “Por quem você está rezando?“ “Por todas as pessoas que sofrem.” Era assim. Rezava mesmo pelos desconhecidos. A dignidade, a elevação espiritual de minha avó influiu muito na minha maneira de sentir os seres e a vida.

 

À avó, Cecília Meireles dedicou um poema elegíaco constituído de 8 partes.  Eis a sua primeira parte: 

Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus olhos.

Tive medo de a enxugar: para não saberes que havia caído.

...

No dia seguinte, estavas imóvel, na tua forma definitiva,

Modelada pela noite, pelas estrelas, pelas minhas mãos.

 

Exalava-se de ti o mesmo frio do orvalho; a mesma claridade

da lua.

 

Vi aquele dia levantar-se inutilmente para as tuas pálpebras,

e a voz dos pássaros e das águas correr sem que a recolhessem

teus ouvidos inertes.

 

Onde ficou teu outro corpo? Na parede? Nos imóveis? No teto?

 

Inclinei-me sobre o teu rosto, absoluta, como um espelho

e tristemente te procurava.

 

Mas também isso foi inútil, como tudo mais.

 

                        Elegia: Cecília Meireles

Cecília Meireles fez o curso primário (fundamental) na Escola Estácio de Sá do Rio de Janeiro, em 1910, tendo recebido de Olavo Bilac, então Inspetor Escolar, uma medalha de ouro com o nome gravado, por ter concluído o curso com “distinção e louvor”. (BLOCH,1989).

No quadro literário brasileiro, a crítica situa Cecília Meireles na segunda fase do Modernismo Brasileiro, denominada Fase de Construção, seguindo a vertente de poetas intimistas, comprometidos com uma lírica essencial, antipitoresca e antiprosaica.

Com a obra Viagem, em 1938, ela recebeu o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Com esse livro destacou-se entre os poetas brasileiros de primeira linha. Essa obra constitui um marco da moderna poesia brasileira.

Para o crítico Darcy Damasceno, “Viagem vale pela perfeição definitiva de uma natureza artística em sua plenitude e de um estilo poético em seu ponto de perfeição. Na linha compreendida entre esse livro e “Retrato Natural” (1949), exibe-se um painel temático de rara amplitude em nossa poesia moderna. ” (DMASCENO, 1987).

Esse ponto de vista de Darcy Damasceno é reforçado por Mário de Andrade ao afirmar que “Viagem, guardando poemas que abrangem quase uma década de vida criadora, apresenta enorme variedade e é boa prova desse ecletismo sábio, que escolhe de todas as tendências apenas o que enriquece ou facilita a expressão do ser.” 

Do livro Viagem, transcrevemos abaixo o poema “Motivo", um de seus textos mais conhecidos:

 

EU CANTO porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre, nem sou triste:

sou poeta.

 

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

 

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

- não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

 

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno e asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

-  mais nada.

 

Esse poema de Cecília Meireles é um dos textos líricos mais analisados por professores e estudiosos da poetisa. Tema, estrofação, rima, ritmo, seleção vocabular, linguagem conotativa, sobriedade e subjetividade são os principais componentes de sua estrutura trabalhados magistralmente por Cecília Meireles, que fazem com que esse texto seja agradável de se ler.

Quanto à sua interpretação, após acurada análise que faz desse poema, Rogério Lobo Sáber conclui afirmando que 

[...]

Cantar é tudo para a poetisa e, como a canção tem origem no instante, e instante, como vimos, simboliza os momentos da própria vida, faz-se necessário utilizar todos os recursos disponíveis para tornar o poema expressivo, vivo. Transpondo a mesma ideia à questão da existência, a poetisa nos mostra que devemos utilizar todos os recursos que temos para que nossa vida (por mais efêmera que seja), tenha vida, expressividade, de modo a despertar em nós os poetas latentes que são capazes de transcender, de entender a verdadeira essência de nossos caminhos e de nossos recônditos — pois só um movimento em direção à compreensão sublime configura chance de completude humana. ” (SÁBER, 2011) 

 

  A seguir, selecionamos alguns trechos da última entrevista de Cecília Meireles. Trata-se de um depoimento que mostra aspectos significativos de sua personalidade. Ele foi concedido à revista Manchete, no dia 16 de maio de 1964 e publicada no livro Pedro Bloch Entrevista.

Por comodidade didática, intitulamos os excertos da entrevista, conforme o assunto abordado.     

 

Sobre gente: Tenho um vício terrível. Meu vício é gostar de gente. Você acha que isso tem cura? Tenho tal amor pela criatura humana, em profundidade, que deve ser doença.     

 

Sobre o magistério: Sempre gostei muito de ensinar. Trabalhei na Escola Deodoro, ali junto ao relógio da Glória. Fui professora de Literatura da Universidade do Distrito Federal. Criei a primeira biblioteca infantil, ali onde era o Pavilhão Mourisco. Criança que não tivesse onde ficar podia encontrar o livro que lhe faltava, coleção de selos, moedas, jogos de mesa, sonhos, histórias e as explicações de professoras prontas e atentas. [..] Também ensinei História do Teatro na Fundação Brasileira. O resto da minha atividade didática está nas conferências em que sempre procuro transmitir algo.

 

Sobre a leitura: Vivo constantemente com fome de acertar. Sempre quase digo o que quero. Para transmitir, preciso saber. Não posso arrancar tudo de mim mesma sempre. Por isso leio, estudo. Cultura, para mim, é emoção sempre nova. Posso passar anos sem pisar num cinema, mas não posso deixar de ler, deixar de ouvir minha música (prefiro a medieval), deixar de estudar, hindi ou o hebraico, compreende? [...] O meu interesse pelos livros transformou-se numa vocação de magistério. Minha mãe tinha sido professora primária, e eu gostava de estudar em seus livros. Desses velhos livros de família, as gramáticas, sobretudo a latina e a italiana, me seduziam muito. Assim também as partituras e livros de música.

 

Sobre a vida pessoal: Casei com vinte anos. Tenho três fllhas: Maria Elvira, Maria Matilde e Maria Fernanda. As três são bibliotecárias, mas a minha biblioteca não está fechada. Maria Fernanda você conhece como atriz, não é mesmo? As três têm em comum uma bondade comovente, mas são de temperamentos completamente diferentes. Tenho cinco netos. Viúva, casei em 1940 com Heitor Grilo, um homem admirável pela sua capacidade técnica em sua extraordinária fé no ser humano, em sua ânsia de tudo elevar. Basta dizer a você que, nesta primeira e única doença que tive e que me segurou cinco meses, ele não arredou pé, um momento de carinho, gesto e palavra prontos, apesar de suas inúmeras responsabilidades e ocupações. Conheci-o quando fui entrevistá-lo certa vez. Depois ... nunca mais o entrevistei. Entendemo-nos até calados. [..]. Estudei canto e violino. Abandonei. Era preciso ganhar a vida e poesia se pode criar até numa viagem de bonde. Mesmo nas reuniões em que muita gente discutia eu era capaz de me ausentar em meu mundo e construir.

 

Sobre a Bíblia: Só viajo com a Bíblia. Bíblia é uma biblioteca. Tem tudo: história, poesia, religião. Já disse que, se tivesse que escolher o meu livro para uma ilha deserta, levaria a Bíblia. Ou um dicionário.  

 

Sobre a palavra: Se eu inventei palavras? Não. Isto nunca me preocupou. No inventar há uma certa dose de vaidade. "Inventei. É meu". O que me fascina é a palavra que descubro, uma palavra antiga abandonada e que já pertenceu a tanta gente que a viveu e sofreu! [...]. Tenho pena de ver uma palavra que morre. Me dá logo vontade de pô-la viva de novo. Solombra, meu novo livro, é uma palavra que encontrei por acaso e que é o nome antigo de sombra. Era o título que eu buscava e a palavra viveu de novo.

 

Sobre amigos: Tenho amigos em toda parte. Mas sou feito o Drummond que é tão amigo quase sem a presença física. Esse meu jeito esquivo é porque eu acho que cada ser humano é sagrado, compreende? E esse pudor de invadir, esse medo do perto. Eu sou uma criatura de longe. Não sei se me querem, mas eu quero bem a tanta gente! Sou amiga até dos mortos. Amiga de muita gente que nem conheci. Você não imagina quanta gente eu levo ao meu lado. E fico emocionada quando penso como uma criatura só recebe tanto de tantos lados, de tantas pessoas, de tantas gerações!

 

Sobre viajar: Cada lugar aonde chego é uma surpresa e uma maneira diferente de ver os homens e coisas. Viajar para mim nunca foi turismo. Jamais tirei fotografia de país exótico. Viagem é alongamento de horizonte humano. Tenho, nos lugares mais diferentes, amigos à minha espera. [...]. Você já reparou que, entre centenas, em cada país, nós temos sempre aquela pessoa, que, sem mesmo saber, espera por nós e, quando nos encontra, é para sempre? Por isso é que eu gosto tanto de viajar, visitar terras que ainda não vi e conhecer aquele amigo desconhecido que nem sabe que eu existo, mas que é meu irmão antes de o ser.

 

Sobre idiomas e folclore: Viagens, folclore e idiomas são uma espécie de constante em minha vida. Comprei livros e discos de hebraico. Estudei hindi, sânscrito. O desejo de ler Goethe no original me obrigou a estudar alemão. Não estudo idiomas para falar, mas para melhor penetrar a alma dos povos. [..] Gosto de estudar o que me dá conhecimento melhor das pessoas, do mundo, da unidade. Através dos idiomas e do folclore, vejo até que ponto somos todos filhos de Deus. A passagem do mundo mágico para o mundo lógico me encanta.

 

Sobre o futuro: Nunca esperei por momento algum na vida. Vou vivendo todos os momentos da melhor maneira que posso. Quero realizar coisas, não para ser a autora, mas para dar-me, para contribuir em benefício de alguém ou de ou de alguma coisa.

 

Sobre a juventude: A juventude de hoje? Acho que são meninos que não têm tempo de crescer. Saltam do apartamento fechado para a calçada de mil solicitações, sem armadura, sem objetivo, sem a necessária religiosidade. A vida passa a ser uma coisa zoológica. Muitos crescem zoologicamente. Inventam modas, mas como não têm essência de verdade, as modas não pegam. As frustrações crescem. Felizmente muitos se realizam apesar de tudo. Cada geração acredita que traz uma nova voz e uma nova mensagem.

 

Sobre educação: Educação, para mim; é botar, dentro do indivíduo, além do esqueleto de ossos que já possui, uma estrutura de sentimentos, um esqueleto emocional. O entendimento na base do amor.

 

 

 

 

Para concluir

 

 

                Estão presentes nos poemas de Cecília Meireles não apenas os temas de natureza lírico-confessional, como a solidão, o amor, a morte, o eterno e o efêmero, mas também os de natureza política e social. Vamos encontrá-los no Romanceiro da Inconfidência, sua obra mais conhecida. Nela Cecília Meireles aborda os acontecimentos de Vila Rica à época da Inconfidência Mineira. Referindo-se a esse texto, diz Murilo Mendes:

“De fato, o Romanceiro da Inconfidência, publicado há alguns meses, resulta de uma combinação homogênea entre força poética, domínio da língua, erudição e senso do detalhe histórico valorizado em vista de uma transposição superior, própria ao código da poesia. [...]. Eis no melhor sentido, uma amostra de poesia social de alta categoria.” (MENDES, 1987)

Como educadora sempre se preocupou com os problemas da infância, quando exercia o magistério. Além de escrever inúmeros poemas infantis, como Ou isto ou aquilo, A bailarina, O Eco e tantas outras, em 1934 criou a primeira Biblioteca Infantil do Brasil, instalada no antigo Pavilhão Mourisco, no bairro Botafogo do Rio de Janeiro. 

Era uma mulher à frente de seu próprio tempo.  Deixou uma obra que transcende sua atividade de poeta. Como defensora da Escola Nova no Brasil, dirigiu no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, no período de 1930 a 1934, uma página diária dedicada aos assuntos de ensino, o que a levou a empenhar-se ativamente nesse movimento de renovação. (MEIRELES, 1987).

 

RERERÊNCIAS

 

ANDRADE, Mário. Em face da Poesia Moderna. In Cecília Meireles: Obra Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1987, p.37

 

BLOCH, Pedro. Pedro Bloch Entrevistas. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1989.

 

DAMASCENO, Darcy. Poesia da sensível e do imaginário. In Cecília Meireles: Obra Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1987, p 18.

 

MEIRELES, Cecília. Obra poética, volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1987, p.63

 

____________ Problemas da Literatura Infantil. São Paulo: Global, 2016.

 

MENDES, MURILO. A poesia social. In Cecília Meireles: Obra Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1987, p.52.

 

SÁBER, Rogério Lobo. Cecília Meireles: uma travessia poética. In Revista Memento, v. 2, n. 2, ago. - dez. 2011. Revista do Mestrado em Letras Linguagem, Discurso e Cultura – UNINCOR - ISSN 1807-9717, p.150

 

http://www.tirodeletra.com.br/entrevistas/CeciliaMeireles.htm. Acessado em7/11/2021  

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Sobre o jazigo de João Paulo Diniz

Fonte: Jornal da Parnaíba/Morais Brito


Sobre o jazigo de João Paulo Diniz

 

Vicente Miranda

Escritor e historiador

 

Nobre amigo Elmar, permita uma breve reflexão sobre o passado de pessoas que contribuíram para a colonização do norte, destacando nossa querida Parnaíba. Nesse sentido, venho reafirmar meu entendimento de que a fé católica muito influiu nos costumes, inclusive na vontade de erigir capelas que servissem tanto para a celebração do culto religioso como, igualmente, para local de sepultura cristã, visto que cemitérios eram destinados a escravos e mendigos.

Como prova desse sentimento, não poderia deixar de destacar o registro do óbito de Manoel Ferreira Fidalgo, português natural da freguesia da Vila da Ajuda, Bispado de Coimbra, que faleceu em 27 de junho de 1813, in verbis:

Aos vinte e sete dias do mês de junho de mil oitocentos e treze annos sepultousse em huma catacumba nesta Matriz de Nossa Senhora das Graças da parte do evangelho o Capitão Manoel Ferreyra Fidalgo natural da Freguesia da Villa da Ajuda, Bispado de Coimbra filho legitimo de Manoel Ferreira Godinho e de Maria Carvalho, viuvo por falecimento de Anna Joaquina da Silva Lopes, da idade de sescenta e seis annos sem sacramentos por não chamarem envolto em habito de São Domingos. Fez testamento. Foi acompanhado pela Irmandade de Nossa Senhora da Graça... O Vigario Antônio José de Sampaio (Freguesia de Nossa Senhora das Graças, Livro de Óbitos 4 )

Quanto a João Paulo Diniz, também empreendedor de charqueadas na antiga Vila de São João da Parnaíba, já em 1774 o cura José Lopes Pereira falava no “Oratório de João Paulo Diniz” “nos arrabaldes dessa Villa”. De fato, dentre outros muitos registros, em 14 de outubro de 1776, aquele vigário registrou (liv. 1 fl. 15) o casamento de Thomaz da Silva Carvalho, natural de Ilha Terceira, filho de João da Silva Carvalho e Lourença da Assumpsão, com Raimunda Cândida dos Prazeres, natural de Campo Maior, que viera para trabalhar nas charqueadas de João Paulo Diniz. O registro diz precisamente que a cerimônia ocorreu “no oratório particular de João Paulo Diniz, nos arrabaldes desta Villa de São João da Parnahyba”. Esse oratório ainda existe próximo à subida da ponte que liga à Ilha Grande e, ao meu ver, é local mais provável do jazigo do Mestre de Campo João Paulo Diniz, que era casado com dona Rosa Joaquina Pereira.