Elmar Carvalho
Umas três semanas atrás, quando estive em Parnaíba, fui
visitar o poeta e escritor Claucio Ciarlini. Como o seu condomínio residencial
fica a poucos quarteirões do Cemitério da Igualdade, convidei-o a me acompanhar
a uma visita que faria ao túmulo de minha irmã Josélia, falecida logo após
completar quinze anos de idade.
Tendo ele aceito o convite, adentramos o vetusto campo santo,
de nome tão bem-posto, embora nele se vejam, de forma contrastante, túmulos
suntuosos, verdadeiros mausoléus, ao lado de sepulturas bem humildes, algumas
em completa ruína. Fomos ao túmulo onde foi sepultada minha irmã; nele se
encontra afixada uma fotografia em que ela aparece risonha e bela, como de fato
era. Na placa singela, meu pai fez inscrever os imortais versos do excelso
bardo Da Costa e Silva: “Saudade – asa de dor do pensamento”.
Ato contínuo, pervagamos entre vários túmulos, tentando encontrar
o de minha prima Verônica Mendes Melo, nascida em Piripiri, em 13 de setembro
de 1930, também falecida no apogeu de sua beleza e mocidade. Sobre sua morte,
no livro “O Ponta-de-Rama”, informa seu irmão Fabiano Melo: “Bionca, como era
chamada em casa, sempre foi pessoa alegre, extrovertida e bonita. Na plenitude
da graça e na pujança de seus vinte e um anos, o espectro da tragédia
interrompeu sua vida. Acidentada, veio a falecer em Parnaíba a 12 de março de
1951”. Em vão procurei o seu jazigo, que anos atrás encontrara como que por
acaso.
Ante esse insucesso, convidei Claucio para visitarmos os
túmulos do professor Amstein, excêntrico e algo mitômano, um de meus PoeMitos
da Parnaíba, sobre o qual publiquei longa crônica biográfica e memorialística
no Almanaque da Parnaíba e na internet, e o da poetisa Luiza Amélia de Queiroz,
que lhe fica próximo, perto da alameda principal.
Na segunda metade da década de 70, talvez em 1977 ou 1978,
fiz parte de uma agremiação literária fundada, nessa época, pelo poeta e
jornalista Fonseca Mendes. Em nossas reuniões ele se referia a figuras
proeminentes da literatura parnaibana. Numa dessas vezes, enfocou a vida e a
obra da poetisa Luiza Amélia de Queiroz Brandão, dando destaque especial ao
fato de que ela pedira, num de seus poemas, para ser sepultada à sombra de uma
gameleira.
Enterrada no Cemitério da Igualdade, o seu pedido não pôde
ser atendido. Contudo, tempos depois, de forma para mim misteriosa, uma
gameleira rebentou de dentro de seu túmulo, em circunstâncias que desconheço.
Tornou-se uma magnífica árvore, de verde vivo, reverberante e de copa
exuberante. É uma encantadora gameleira, que dá sombra e beleza ao jazigo da
poetisa.
Em seu notável livro “Personalidades atuantes da História de
Parnaíba – Ontem e Hoje”, a professora Aldenora Mendes Moreira assinala:
“Luíza Amélia conseguiu ler os
principais autores de sua época, superou as dificuldades do meio, acumulou
vasto conhecimento, lutou contra a própria família, para melhor se firmar e
para melhor garantir sua liberdade de expressão; marcou presença e conquistou
espaço; única mulher a figurar no quadro de Patronos das Academias: Piauiense e
Parnaibana de Letras, transpondo, assim, os degraus da imortalidade, com
justiça, chamada: Princesa da Poesia do Piauí (...).”
Sem dúvida, deve ter enfrentado as incompreensões e
preconceitos de familiares e contemporâneos, numa sociedade patriarcal, em que
a mulher devia se restringir a prendas e afazeres domésticos, como também
reconhece a professora Rosana Cássia Kamita, da Universidade Federal de Santa
Catarina, na “orelha” do livro “Georgina ou os efeitos do amor e outros
escritos inéditos – Luiza Amélia de Queiroz”, EDUFPI/2018, organizado por
Algemira de Macedo Mendes e Daniel Castelo Branco Ciarlini:
“Ser mulher e escritora no século XIX
foi um desafio aceito por Luiza Amélia e hoje temos a possibilidade de voltar
aos seus poemas, e não apenas para que sejam lidos, o que por si só já valeria
a publicação, mas para que possam ser pesquisados, avaliados e virem a ocupar o
espaço merecido na literatura.”
Por muitos considerada a primeira e a mais importante poetisa
do Piauí, ela tem feito parte de quase todas as antologias poéticas de nosso
Estado. É citada em todos ou quase todos os livros sobre a história da
literatura piauiense. Portanto, é uma alta personalidade literária de nosso
estado, e merece todas as nossas homenagens e reconhecimento. Ela mesma fez a
descrição de seu porte físico e dotes espirituais no soneto:
Um retrato
D’estatura elegante, porte airoso,
E a tez levemente amorenada,
A boca não pequena e nacarada,
O olhar meigo, triste e langoroso.
O cabelo corrido, mas lustroso
Moldurando-lhe a face descorada
O nariz retangular, a fronte levantada,
Prometendo um gênio grandioso.
Amando com paixão, sem ser amada,
Um homem que seus dons não aprecia,
E capaz de por ele dar a vida!
Eis a triste mulher qu’a sorte ímpia
Para cúm’los de males atrevida
Deu-lhe vasta e ardente fantasia.
Nasceu na cidade de Piracuruca, em 26 de dezembro de 1838,
filha de Manoel Eduardo Queiroz e Vitalina Luiza de Queiroz, mas passou a maior
parte de sua vida em Parnaíba. Casou-se em primeiras núpcias, em 1859, com José
Pedro Nunes, e em segundas, viúva, com Benedito Rodrigues Madeira Brandão, em
1888. Morou no célebre sobrado de azulejo, perto do Porto das Barcas.
Faleceu em Parnaíba, perto de completar 60 anos de idade, no
dia 12 de novembro de 1898. Foi sepultada, como dito, no Cemitério da Igualdade.
Seu túmulo, embora sem luxo e sem ostentação, é uma obra de
arte, um sóbrio mausoléu, que recebe a bênção da beleza e da sombra de sua
frondosa e exuberante gameleira. Há alguns anos, quando o vi pela última vez, estava
em bom estado de conservação.
Contudo, para minha consternação, se encontrava agora em situação
de quase ruína, sujo, com as lápides deslocadas, inclinadas, quase a desabarem.
Caso venham a cair, já fragilizadas pelo tempo, pelo vento, pelas chuvas e pelo
sol, com certeza se quebrariam. Talvez sequer possibilitassem uma restauração, sempre
muito mais cara, que uma simples conservação ou manutenção.
Dessa forma, o rejunte e a cimentação das lápides, na forma
adequada, com a remontagem no prumo e no esquadro, é o serviço ideal, urgente e
necessário. Eu e o Claucio Ciarlini tiramos várias fotografias, para documentarmos
o estado precário em que se encontra o belo jazigo da grande poetisa
brasileira.
Coloquei a notícia dessa minha preocupação em vários grupos
literários de Parnaíba, mas praticamente só obtive o silêncio e a inércia. Esperava
que alguma pessoa levasse o caso às autoridades competentes em Parnaíba. Ante o
fato de que nenhuma providência concreta fora tomada, expus o caso na reunião
virtual da Academia Piauiense de Letras, para que os presidentes desta entidade,
Zózimo Tavares, e do Conselho Estadual de Cultura, Nelson Nery Costa, tentassem
fazer alguma coisa, sobretudo levando a notícia às autoridades culturais do
Piauí.
Incontinenti o acadêmico Nelson Nery, em gesto que merece
toda a nossa louvação, em aparte que lhe concedi, disse que eu entrasse em
contato com alguém de Parnaíba, que ele pagaria, com dinheiro de seu próprio bolso,
o conserto do túmulo, nos moldes em que falei acima, já que o caso é de muita
urgência, ainda mais em face do período chuvoso que já se aproxima.
Contudo, posteriormente, conversei com o acadêmico e
presidente do sistema Fecomércio/SESC/SENAC, Dr. Valdeci Cavalcante, e ele me
disse que patrocinaria o conserto do mausoléu de Luiza Amélia, através de uma
construtora.
Para poupar o amigo Nelson Nery da despesa que ele se dispusera
a bancar, exultei com a oferta do mecenas Valdeci Cavalcante, que é parnaibano
e admirador da poetisa e de seu túmulo.
Agora, no momento em que eu pingava o ponto final nesta crônica, o meu caro amigo Antonio Gallas Pimentel, poeta, escritor e jornalista, acaba de me transmitir, por telefone, a informação de que o Dr. Paulo Armando, assessor de Valdeci Cavalcante, já fizera a análise do estado do túmulo, e já ia iniciar os trabalhos de conserto e restauração da última morada terrena de Luiza Amélia de Queiroz Brandão, dama ilustre das Letras Piauienses.
É possível que alguém tenha colocada uma semente de gameleira em seu túmulo, fazendo brotar tempos depois a referida planta. É triste ver a decadência de alguns túmulos e mausoléus, que se degradam com o tempo e se não tiver nenhum apoio familiar, ficam em completa ruínas, principalmente em casos como o da poetisa Luiza Amelia, onde o jazigo já possui mais de um século. Precisa haver apoio das autoridades municipais na conservação de seus cemitérios, mas sei que o dinheiro público anda escasso por vários motivos, que não conseguem ajudar nem os vivos, valor àqueles que já se foram.
ResponderExcluirBom dia querido poeta!
ResponderExcluirParabéns por essa sua crônica. Os poetas, os artistas e pessoas ligadas às artes precisam ser lembrados, se não passam pela vida sem serem curtindo e admirados pelo novos.
Um ótimo texto, como todos os que saem da sua ativa e criativa pena, meu caro Poeta. E uma atitude digna e meritória qual seja a de mover seus contatos para preservar a última morada da grande piracuruquense que tanto admiramos. Concordo o seu filho: o aparecimento da gameleira, brotando de dentro do túmulo da poetisa, deve ser obra de algum admirador. Ou seria um trabalho de alguma divindade para identificar o lugar exato onde dorme eternamente Luíza Amélia.
ResponderExcluirMuito obrigado, caro amigo José Pedro.
ResponderExcluirSuas palavras são judiciosas, e sempre sábias. Abraço.
Excelente texto em uma justa homenagem, coroada com a benfazeja intervenção de pessoas preocupadas com os valores da cultura parnaibana e piauiense.
ResponderExcluirObrigado, caro professor Marcelino.
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