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Raimundo, O Grande.
O poeta cuja simplicidade levou a assinar R. Petit.
Filadelfo Chagas Barreto
Advogado e escritor
I
Em março de 1891
não acontecia nada em Belém do Pará.
Havia sete meses
da última comemoração do dia em que a província do Grão-Pará aderira à causa da
Independência do Brasil, em 15 de agosto de 1822. E faltavam sete meses para a
próxima celebração do Círio de Nazaré, ou outubro.
Sete meses pra
trás ou sete meses pra frente, andava tudo calmo em Belém, assim como se
mantinham calmas as águas da Baia de Guajará, na exata medida em que se pode
dizer calmo o braço oriental da foz do Amazonas.
Nesse equilíbrio
entre as duas grandes datas, dia 14 de março de 1891 nasceu Raimundo Araújo
Chagas.
Dizem as fontes
que era filho de Raimundo Araújo Chagas, o que torna pai e filho homônimos.
Difícil, mas não impossível, como pensaria Raimundo, o filho, lá por volta de
1915 em incidente que resultou na sua amizade com Pachola.
Do pai sabe-se
quase nada. De onde vinha, o que fazia, o que comia no café da manhã, nada.
É provável que
fosse vinculado a alguma forma de comércio, e que tivesse alguma ligação com a
cidade de Parnaíba, no Piauí.
O Pará produzia
muita pimenta-do-reino, cujo cultivo havia sido introduzido ali pelos
portugueses já no século XVII. É bem verdade que só a partir de 1930, com a
imigração japonesa, a produção iria tomar corpo até conduzir o Brasil à
autossuficiência na especiaria em 1950. Mas no final do século XIX a produção
já era relevante e era a fonte básica do suprimento nacional.
Madeira era também
item importante na economia paraense e junto com a borracha, ainda em produção
incipiente, formava o segundo pilar das exportações do Estado, que se dava via
navegação de cabotagem até Parnaíba, na época o único porto marítimo relevante
a oeste da Ponta do Mucuripe em Fortaleza, com linhas regulares para os Estados
Unidos e Europa.
Assim,
concentrando-se a exportação do Pará no porto de Parnaíba, é bem possível que
Raimundo Araújo Chagas, o pai, tivesse alguma ligação com este comércio,
porque, muito provavelmente, visitava com alguma regularidade o Piauí.
E essa presença em
Parnaíba pode ser presumida com algum grau de acerto, porque Raimundo, o pai,
havia casado com uma moça nascida em Amarração, na época Distrito de Parnaíba,
hoje cidade de Luiz Correia.
Maria Araújo
Chagas, a mãe do nosso Raimundo, era “dos Araújo”, família muito numerosa e
conhecida na Amarração. Casada com Raimundo, o pai, foi morar em Belém e teria
permanecido ali sem mais novidades, não fosse a morte do marido em 1896.
Viúva, com um
filho de cinco anos, a vida de Maria Araújo Chagas parece que não se
apresentava muito promissora em Belém. A solução seria voltar pra Amarração,
pra junto “dos Araújo” que, na linha econômica do lugar, eram bem posicionados:
tão pobres quanto ali eram todos pobres. Mas estavam em família.
Maria Araújo
Chagas e Raimundo Araújo Chagas, o filho, chegaram em Amarração em 1896.
Amarração, na
época, era apenas uma colônia de pescadores, adicionada de algumas poucas casas
de trabalhadores rurais.
O lugar era
agradável. A colônia não se fixara na borda do mar, mas há cerca de um ou dois
quilômetros da praia, que era destituída de qualquer vegetação. A exceção
ocorria na Praia do Coqueiro, a Leste da Praia de Atalaia. Ali era o único
ponto em que havia coqueiros à beira-mar, além da foz de um pequeníssimo riacho
que, mal e mal, fornecia alguma umidade não salgada ao chão, permitindo o
cultivo de pequenas hortas e a criação de um rebanho mínimo de caprinos que
sustentavam duas, talvez três famílias.
Na Amarração mesmo,
o litoral era nu.
Em compensação, a
partir de um quilometro pra dentro do sertão, inúmeras lagoas (talvez o último
resquício dos Lençóis Maranhenses) ostentavam, cada uma, um colar de vegetação
que criava círculos aprazíveis, sombreados e com água boa. Coqueiros e paus
d’água formavam a folhagem superior e intermediária, à sobra da qual ingazeiras
faziam a festa da meninada no tempo da safra. Em lagoas menores a taboa era
soberana, tomando o próprio corpo d’água, transformado em um capinzal denso e
não muito seguro, com as cobras que se acomodavam ali.
Até a década de
1970 ainda havia muito da Amarração do início do século. As lagoas maiores
haviam sido assenhoradas pelos parnaibanos que mantinham, em cada uma, seu
balneário particular. O Professor José Rodrigues, vizinho do nosso Raimundo em
1930 na Rua Capitão Claro, mantinha um desses oásis. A taboa recuou, mas ainda
hoje está na lagoa do Sobradinho, cerca de dez quilômetros a sudeste da sede de
Luiz Correia, de onde ainda saem pufs,
tapetes e outros artefatos produzidos com seus caules e folhas.
Foi nesse lugar
que Raimundo, o filho, trocou os dentes de leite. O trem ainda não apitava por
lá.
Os registros são
uniformes de que Raimundo sempre foi um bom aluno nos grupos escolares que frequentou.
Vivo e inteligente era, sobretudo, letrado.
Lia, entendia, e escrevia alguma bobagem.
Nas folgas da
escola a brincadeira era o mar, a pescaria também no mar e muito
esporadicamente em alguma lagoa, a canoa e empinar papagaios. Esta última seria
depois mote e referência para soneto de que se vai tratar no tempo certo.
Raimundo deveria
ter uns 12 anos quando a mãe, Maria Araújo Chagas, casou com Francisco
Justiniano Vaz, viúvo que trazia do primeiro casamento seis filhos. Dentre
eles, Oscar Vaz, que depois seria membro da Associação Parnaibana de Expansão
Cultural. Dos outros cinco filhos não se encontrou memória.
Francisco Vaz era
conhecido com o nome assim menor em toda parte, e na Loja Fraternidade Humana.
Venerável da Loja maçônica, também era Cavaleiro Rosa Cruz.
Do casamento
vieram três filhos, meio irmãos de Raimundo: Handarat e Hugo Vaz, que foram,
ambos, funcionários públicos estaduais; e Haydée Vaz, cronista respeitada em
Parnaíba que talvez ainda nos apareça depois.
Por hora
registra-se apenas que um sobrinho neto do Raimundo, encontrou-se com um neto e
dois bisnetos deste, também advogados, em Teresina. Formou-se alguma amizade e
os quatro resolveram aproximar os ramos familiares que não se tocavam havia
mais de cinquenta anos.
O ramo de netos e
bisnetos de Raimundo, pala parte da filha Aglaé, organizaram um almoço de
re-conhecimento. O Sobrinho neto – não vamos expor as pessoas – apareceu
trazendo uma tia cujo nome não ficou guardado. Uma velhota muito animada, bem-humorada,
brincalhona e, imaginou-se, simpática. Mas a velhinha vivia de gracejos e
risadinhas, incapaz de qualquer conversa de mais de dois parágrafos. A cada
ponto ou vírgula mais demorada, desenvolvia trejeitos, requebros, esgares e
arregalares de olhos, puxando toda a conversa para aspectos gaiatos ou de igual
teor de brincadeira que só ela encontrava até em comentários sobre o clima,
tornando impossível uma conversação que pusesse em dia os assuntos dos parentes
havia muito afastados.
O Sobrinho neto,
era legal. Cerca de trinta ou quarenta anos, alto, forte, com uma cabeleira
volteada, sempre muito vigilante com a roupa, até poderia ser uma boa
companhia. Mas, com a tia, ficava muito difícil, principalmente porque o ponto
de contato era a Aglaé, que já contava mais de noventa anos e não estava muito
disposta a dar risadas a partir de coisas cuja graça ela sequer percebia. –
Incompreensível, dizia, com uma cara própria que armava exclusivamente para uso
extra residencial.
O ramo familiar
tocou-se no almoço, mas já no lanche da tarde havia murchado.
Voltando ao nosso
Raimundo: a família mudou-se para Parnaíba quando ele era “rapazinho”, segundo
uma fonte da Academia Parnaibana de Letras.
Foi mantido nos
colégios públicos onde preservou o desempenho histórico.
É razoável admitir
que tenha concluído o ensino secundário, naquela época correspondente ao ginásio
ou a alguma formação profissional.
Parnaíba naquele
tempo já contava com uma escola secundária pública – o Ginásio Parnaibano; e
duas particulares – Colégio Nossa Senhora das Graças e Instituto São Luiz de
Gonzaga, assim mesmo com esse “de” meio intrometido. No tocante aos rapazes o
estudo profissional era ministrado no Curso Comercial do Colégio Nossa Senhora
das Graças e na Escola de Comércio da União Caixeral.
É quase certo que
Raimundo tenha cumprido estudos secundários profissionalizantes porque logo
ingressou no comércio como empregado da Casa Marc Jacob, de propriedade do
francês Marc Desiré Jacob, especializada em exportação de produtos regionais.
Mas entre o estudo
primário e o ingresso na Casa Marc Jacob houve alguma poesia e prosa. Em 1910 –
com dezenove anos – já publicava sonetos em A
Semana. No curso de 1911 publicou crônicas em Auras do Norte, de que era coproprietário. Aparentemente estas três
crônicas e mais o livro Noites Sertanejas,
incursão de R. Petit no teatro, resumem a atividade do nosso amigo fora da
poesia.
O semanário
político, noticioso e literário A Semana
teve a publicação interrompida, voltando em 1916, ainda sob responsabilidade de
Nestor Veras.
Em levantamento
dos escritores compreendidos no circuito literário do Norte piauiense entre 1900
e 1930, R. Petit consta entre os primeiros nomeados, identificado como
comerciante e poeta, posição dupla de que trataremos logo abaixo.
É também nesse
intervalo entre a mudança para Parnaíba e o primeiro emprego que Raimundo
desaparece, dando lugar ao nosso querido R. Petit.
II
Dos intelectuais
parnaibanos em geral, e especificamente de R. Petit, o escritor piauiense
Berilo Neves, desde muito tempo instalado no Rio de Janeiro, disse, em 1942:
“Parnaíba jamais cometeu o erro de fazer do ouro a razão de seu destino e o fim
de sua existência. R. Petit versejava entre dois embarques de cera de carnaúba
e, por entre pilhas de fardos de algodão, explorava seu próprio talento.”
Berilo seria citado por Petit no poema Parnaíba,
que será visto lá pro fim dessa conversa.
E era assim mesmo:
trabalho e arte como uma coisa só. Ou porque trabalhasse com arte, esmerando-se
apaixonadamente no que tinha a fazer; ou porque se esforçasse na produção
literária como quem executa trabalho pesado, R. Petit sempre foi uma mistura
que envolvia de sensibilidade tudo o que fazia.
A dedicação ao
trabalho comum resta provada quando, em 1931, o pianista e parceiro Ademar
Neves, eleito Prefeito de Parnaíba, foi buscar R. Petit no Quiosque Japonês para assumir a Secretaria da Prefeitura, que Petit
ocupou durante todo o mandato do amigo e onde foi mantido pelo sucessor deste
em 1936.
A propósito da
secretaria da Prefeitura é interessante notar que em 1931 as prefeituras não
tinham um conjunto de secretários como hoje. Havia apenas um secretário, que
era R. Petit, responsável pela administração, educação, saúde, transportes e o
que mais houvesse, o que fazia do cargo uma imitação do próprio cargo de
Prefeito, com a diferença de que o Prefeito mesmo exercia apenas as atividades
de articulação e acomodação política, deixando ao secretário a execução efetiva
da administração. Daí que se pode dizer que, não fosse R. Petit um trabalhador
braçal, não seria chamado para um cargo que era uma carroça de trabalho para
levar nas costas.
O sangue suor e
lágrimas que regava sua poesia está flagrante na palavra de estudioso da
literatura na República Velha quando, comentando a criação do quinzenário Auras do Norte, refere ao “poeta
paraense Raimundo de Araújo Chagas, o R. Petit, um dos mais prolíficos poetas
do norte.”
Esse esforço de
trabalhador braçal que R. Petit empreendia rendeu a ele em pouco tempo a
condição de ser “o poeta
mais cantado na Paranaíba”, afirmação do escritor Benjamim Santos que se
referiu a R. Petit como “o poeta que
nasceu no Pará, mas que se fez o mais parnaibano de todos os poetas de
Parnaíba.”
A atividade de R.
Petit no trabalho e na arte não pode ser vista como sonho poético ou inspiração
individual que, por circunstâncias, tenha sido desenvolvida em paralelo ao
trabalho, digamos, econômico.
III
Petit, na verdade,
estava envolvido por seu tempo e não estava sozinho. Ao contrário. Ao mesmo
tempo em que a disponibilidade de um porto marítimo com linha regular para o
exterior fazia de Parnaíba um centro gravitacional da produção econômica de boa
parte do Norte do país, a presença inicial de gráficas, jornais e revistas
atraiu para lá, ou manteve lá, um grande número de intelectuais. Dentre eles R.
Petit que não pode ser considerado um satélite ou um periférico na cadeia
literária. Era figura central.
R. Petit estava envolvido no seu tempo e
seu tempo era o início do século XX, quando Parnaíba era o centro literário do
Norte do Piauí e, também por influência de suas atividades produtivas e de
exportação, atraia intelectuais de outras cidades em outros Estados, como
Viçosa, no Ceará e São Bernardo, no Maranhão. Isso explica a integração de
intelectuais dessas localidades em periódicos parnaibanos, como o semanário
noticioso e literário O Nortista, fundado em 1901 por
Francisco Mores Correia. Ali, poetas como R. Petit e Joao Vieira Pinto
desenvolveriam lutas cívicas e comerciais ao longo do tempo, em relação próxima
com Herculano Santos, que fazia o mesmo em periódicos maranhenses. Herculano, de
1923 a 1924, no Diário de São Luís,
assinou um conjunto de textos sob o título
“Palestras Operárias”.
No grupo de Petit estava também Armando
Madeira, que depois seria membro da Academia Piauiense de Letras. Caixeiro na firma do tio, Benedito Madeira
Brandão, era casado com a poetisa (chamava-se assim a mulher que fazia versos)
Luiza Amélia de Queiros, primeira escritora piauiense.
Este caixeiro poeta confirmava o fato de
os parnaibanos fazerem literatura “entre um despacho de cera de carnaúba e
outro”, como disse Berilo Neves. Era também o caso do poeta R. Petit, a quem
diversas fontes se referem como um dos mais prolíficos poetas do período com
atuação na imprensa parnaibana. Fundou em 1911 o jornal Auras do Norte,
crítico, noticioso e literário. Estavam, aí os poetas Jesus Martins, Nestor
Gomes e José Dutra, além do agente comercial e poeta Antônio Otávio de Melo, o
farmacêutico e poeta Benú da Cunha, e o mecânico e poeta Francisco Aires.
Não bastassem os literatos trabalhadores
já citados, as fontes nos brindam com a seguinte lista:
Antônio Otávio de Melo, agente da Singer, Raimundo Petit,
comerciante, Lívio Pacheco, funcionário público, Francisco Aires, mecânico,
João Vieira Pinto, lavrador, Armando Madeira, caixeiro e, a posteriori,
bacharel em direito, Roberto Lopes, padre, Jesus Martins, jornalista amador e
comerciante, Benú da Cunha, farmacêutico, Edison Cunha, bacharel e professor,
José Euclides de Miranda, delegado, Alarico da Cunha, caixeiro e, logo após,
vice-cônsul português, Francisca Montenegro, normalista, Onesí Couto,
normalista, e Oliveira e Ferres, funcionário público.
Nesse período – 1911 – R. Petit ensaiou
parte de sua prosa através de crônicas, incomum à sua produção concentrada na
arte do verso.
Estavam também no Auras do Norte, F. Oliveira Nunes, fundador do jornal literário O Aspirante em 1909 em Teresina, assim
como Tote Narciso e, desde a primeira edição, Jonas da Silva.
Era tipografo responsável pela impressão
do Auras do Norte, o repórter Américo
Ribeiro, que também imprimia A Semana, em 1910, o periódico 19
de Outubro, de 1922; e O Popular, aberto em 1912, com estrutura
comercial gerenciada pelo poeta Oscar Lopes Franco.
Do grupo de literatos com quem R. Petit
compartilhava seus versos e sua dificuldades financeiras quanto à manutenção
dos veículos que fundava ou dos quais participava como colaborador, Redator
Chefe e em outros postos, alguns compuseram depois à Academia Piauiense de
Letras, como Armando Madeira (cadeira 27, patrono: Honório Portela Parentes),
Luiz de Moraes Correia (cadeira 22, patrono: Miguel de Sousa Borges Leal
Castelo Branco) e Alarico da Cunha (cadeira 6, 2° ocupante).
A todos estes intelectuais, no início do
século XX, abriam-se poucas vias: vincular-se a interesses empresariais;
propalar ideias políticas; lecionar em instituições públicas; ou servir em
funções públicas, por exemplo, Inspetor de Ensino, cargo que Petit ocupou como
se vai referir depois.
Ocupando estes espaços possíveis,
explorando temas ligados às necessidades da praça empresarial, os poetas
Armando Madeira, R. Petit, João Vieira Pinto, José Pires de Lima Rebelo, José
Euclides de Miranda e inúmeros outros se empenharam em levar à imprensa
reivindicações de melhoramento da infraestrutura de suporte da atividade
econômica de Parnaíba. Armando Madeira, aliás, reuniu muitos de seus textos em
volume que chamou Interesses piauienses
(1920).
Na produção literária estes assuntos, aqui
e acolá apontavam, inclusive porque eram também de interesse dos próprios
intelectuais, imersos na vida da Parnaíba. Temas e reivindicações como
melhoramento no rio Parnaíba para incremento da navegação, a interligação de
Parnaíba e Amarração por ferrovia e a construção do porto de Amarração
manifestam-se com alguma frequência.
O PIAUÍ
R. Petit
Caboclo
piauiense, meu irmão,
Pelo
infortúnio e pelo coração;
Pescador
do rio das Garças,
Praiano
de Amarração,
Vazenteiro
do Gurguéia
Boiadeiro
do sertão:
Ouve o
meu canto assim como se fosse
O
ciciar sutil de uma oração.
De
quem és filho?...
– Do
Brasil gigante,
Poderoso
senhor de quatro zonas,
Seus
músculos de atleta são tecidos
Com a
soberba borracha do Amazonas.
A pele
que o reveste
É
armadura de bronze, caldeada
Nas
forjas causticantes do Nordeste.
Onde
habita teu pai?
– Lá
muito longe
Do meu
ninho adorado.
–
Então, tem paciência, meu caboclo,
Sempre
hás de ser um filho abandonado!...
Longe
do lar paterno, como vives,
Caboclo
piauiense, como vês,
Milhões
de vezes pedirás amparo,
Para
seres servido uma só vez...
Pede,
pois, até que um dia,
Teu
papai já aborrecido
De
tantas súplicas feitas,
Atenderá
teu pedido.
Implora,
pede teu porto,
Teu
pai Brasil mora longe
E bem
sabes o rifão:
Quem
vive longe da vista,
Longe está do
coração!...
Apesar de organizados em empresas e nelas
defendendo interesses de infraestrutura comercial para o Norte do Piauí, estes
literatos não tinha apoio comercial forte, o que implicava o fechamento e
reabertura frequentes dos veículos e, ao mesmo tempo, impulsionavam a
criatividade como se via em O Popular,
primeiro a criar três preços diferentes para suas publicações: para pagamento
mensal, trimestral ou em números avulsos. Aí já se via a concepção do sistema
de “assinatura” de jornais, hoje amplamente instaurado.
O agrupamento destes intelectuais não
estava restrito aos periódicos ou à publicação individual de peças e livros.
Nos anos de 1900 até 1920 criavam-se inúmeros Grêmios Literários. Dentre eles,
em maio de 1912, a Associação de Letras,
tendo como presidente R. Petit e vice-presidente, F. Trajud. Entre outros
membros, os poetas A. Freitas, Tote Narciso, bem como Oscar Franco e Rogaciano
Brito.
Um pouco mais
esquematicamente podemos apresentar ou ver R. Petit nos seguintes pontos
específicos.
Em 1911, com o
amigo J. Dutra, lançou o quinzenário Auras
do Norte, qualificado como crítico, noticioso e literário cuja impressão
era de responsabilidade da Tipografia Basto.
Em 1916 um fato
que embora não se possa dizer comercial ou de natureza assemelhada é, sem
dúvida, uma enorme demonstração de empreendedorismo.
Em fevereiro
daquele ano, aos vinte e cinco anos de idade, R. Petit casou-se com Edelzuite
Fiúza Chagas, de família parnaibana. Daí nasceram sete filhos: Hélios, Aglaé,
Paulo Venicius, Maria Emília, Francisco Mucius, José Clóvis e Diana Dulce.
Morava em Parnaíba
na Avenida Capitão Claro, esquina com Avenida Governador Chagas Rodrigues
(antiga Rua João Pessoa). Nessa casa é que tinha o Professor José Rodrigues
como vizinho. Aquele que em 1970 ainda mantinha um “balneário privado” em uma
das lagoas de Amarração.
Depois, a casa,
apesar de ter passado a ser dita “mal-assombrada”, foi adquirida por Olavo de
Justo Pinho, cuja família ainda era proprietária em 2016.
1918 viu surgir a
primeira fase de O Consolador,
implantado por R. Petit em conjunto com Alarico da Cunha. A revista mensal deixou
de circular cerca de três anos depois, voltando, no que se conhece em Parnaíba
como a segunda fase, em 1923, quando
foram agregados ao quadro de empreendedores os amigos J. B. Ramos e Antônio
Otávio de Melo, passando a revista a ser órgão do Centro Espírita Perseverança
do Bem e adotando, em decorrência da nova orientação, um lema de gosto
discutível: “Fora da caridade não há salvação”.
O problema não era
propriamente falta de caridade: era falta de dinheiro e, “fora” do dinheiro...
nada de salvação.
As fases, nos periódicos parnaibanos, eram
muito comuns. O mercado consumia avidamente, mas não tinha grandes patrimônios
investindo em literatura, nem uma classe com renda que bastasse à preservação
dos jornais e revistas que nasciam aos borbotões, de onde se justifica, por
exemplo, o currículo da folha O Popular,
semanário literário e noticioso de propriedade de Américo Ribeiro, com suas
primeira, segunda, terceira e quarta fases, de 1912, 1914, 1915 e 1928,
respectivamente.
R. Petit, com o
amigo Sales Reis e alguns outros, instalou em 1919 O Nortista, mensário na linha de variedades: critico, noticioso e
literário.
1926 foi o início
de grandes projetos partilhados por R. Petit com o amigo Nestablo Ramos,
iniciado com o Paláce Jornal (assim
mesmo, com esse acento meio deslocado) lançado naquele ano, consolidado nos
desenhos e pinturas de ambientação do Quiosque
Japonês e renovado nas ilustrações do livro de poemas Nortadas de 1937. Nestablo Ramos foi desenhista, pintor e artista
gráfico largamente acolhido e louvado em Parnaíba, sendo responsável por
diversas montagens fotográficas que serviram de capa para o Almanaque da
Parnaíba. O editor do Almanaque reconhecia tão fortemente o trabalho de
Nestablo que, em 1942, não se conteve e incluiu na edição referência, elogio e
agradecimento ao trabalho de produção da capa daquele ano.
Além de participar
como fundador, sócio e Redator Geral destes jornais e revistas R. Petit tinha
também uma confeitaria, instalada no mesmo prédio em que o amigo Nestablo
mantinha o Cine Paláce, sendo a confeitaria formalmente chamada Quiosque Japonês, mas universalmente
conhecida por Quiosque do Petit.
Ainda voltaremos aqui, para as mesas e para o cafezinho de um tostão (para
beber sentado e atendido por garçom).
Aí está o R. Petit
trabalhador braçal, às voltas com jornais e revistas que fundava ou dirigia,
nas quais ia aparecendo alguma produção poética.
IV
Encontrar o literato
é um pouco mais complicado.
As empresas deixam
marcas profundas em arquivos comerciais e fiscais do Estado, onde é fácil
navegar.
O poeta tem que
ser procurado entre as páginas soltas de revistas, jornais e livros que não
constam de catálogos guardados em lugares específicos, mas estão dispersas no
povo. Tão mais dispersas quanto mais popular tenha sido a marca deixada pelo
escritor.
De novembro de
1910 a abril de 1911, em A Semana,
foram doze sonetos de R. Petit:
Engano
Separação
Aniversário
O Amor
Vingança profana
A Orgulhosa
Saudade Paterna
Castelo do Amor
Amor de Mãe
Paixão infinda
Soberana
Sempre!...
Partida
Os nomes são
encontrados em estudos superficiais que tratam a vida alheia como mera relação
de datas e coisas. Os textos são menos reproduzidos e, às vezes, impossíveis de
recuperar.
Também A Semana experimentou suas fases,
voltando a circular em 1916 na mesma forma original de semanário político,
noticioso e literário, de propriedade de Nestor Veras.
De abril a junho
de 1911, no Auras do Norte, o que parece
serem as únicas investidas de R. Petit em crônicas:
Auras do Norte
O Beijo
Linguagem da
natureza
Seguindo a linha
do tempo vamos encontrar em 1919 os versos do Hino do Parnayba Sport Club, com
música do pianista, amigo e parceiro Ademar Neves. Aquele que em 1931 iria
buscar o Petit no Quiosque Japonês
para entregar a ele a Secretaria da Prefeitura.
O clube tomava o
nome da cidade, fundada como Vila de São João da Parnaíba em 18 de agosto de
1762. A elevação à categoria de cidade se deu em 14 de agosto de 1844 e, no
centenário desta elevação, em 1944, o hino do Clube seria adaptado transformando-se
na Canção da Parnaíba, sob a mesma
música de Ademar Neves. O poema foi publicado em “O Livro do Centenário de
Parnahyba”, de 1944, página 349. A partitura tinha publicação contemporânea à
composição e saíra no folheto Hymno do Parnahyba Sport Club, de 29/01/1919.
A Canção da Parnaíba foi oficializada como Hino da
Parnaíba
através da Lei Municipal nº 255, de 07/09/1963, sancionada pelo Prefeito
Lauro Andrade Correia, publicada na “Folha do Litoral (do Piauí)” – assim mesmo
com localizador entre parênteses –, em 14/09/1963, 3ª página.
HINO DA PARNAÍBA
Ademar Neves e R. Petit
Ó
Parnaíba!
Teu
nome exprime
Em
nosso peito
Ardor
Sublime,
Que
nos inspira a repetir a doce escala
Da voz
do rio que te envolve e que te embala
Teus
filhos bravos
No
embate rudo
Fazem
do peito
Um
brônzeo escudo
E quem da luta
todo o ardor não liba
ao som do brado:
Salve ó Parnaíba
Possuis
o brilho
da paz
bendita
Que
sobre nos
Fulge
e palpita
Ao
sopro forte do Nordeste a vida canta
Nessa
oficina de labor que nos encanta
Do
nosso esforço
Vem a
surgir
A
glória excelsa
Em teu
porvir.
E quem da luta
todo o ardor não
liba
ao som do brado:
Salve ó Parnaíba
A doce
sombra
Da paz
suprema
Progredir
sempre
É o
nosso lema.
Onde a
bravura destemida, enfim assome,
Nos
lembra o rio que te deu tão grande nome
Teus
filhos bravos
No
embate rudo
Fazem
do peito
Um
brônzeo escudo
E quem da luta
todo o ardor não
liba
ao som do brado:
Salve
ó Parnaíba
Sobre o hino registra-se flagrante
exagero e bairrismo manifesto nas palavras de Alcenor Candeira Filho, da
Academia Parnaibana de Letras. Tratando da produção de R. Petit diz que o Hino
da Parnaíba “é uma das mais belas composições cívicas do Brasil”. Dos
comentários do Acadêmico resulta flagrante que seu entusiasmo decorre, não da
letra, mas da música. Esta, segundo ele, supera fortemente outros hinos que não
contam com “recursos sonoros essenciais em obras dessa natureza”. Depois,
Candeira celebra as “características marciais e solenes, traduzidas na
retumbância de sons de clamor”, coisas que, infelizmente, a letra não é capaz
de transmitir.
Vencido o comentário do Acadêmico e
motivados pelo flagrante ufanismo deste, pode-se pretender que a simples
composição de um hino mostre, já em 1919, o caráter romântico de R. Petit.
Talvez isto esteja certo. Mas o fato é que
Petit era torcedor do Parnaíba Sport Club, como muita gente hoje torce pelo
Flamengo, por Dória, pelo Luciano Huck ou por outra coisa. Compor o hino pode
ser apenas o emprego da capacidade poética em benefício do time preferido, sem
envolver a exacerbação patriótica romântica, razão porque não queremos partir,
já de 1919, classificando nessa escola o nosso querido R. Petit. Isso vai
aparecer pouco tempo depois, como será referido logo a seguir.
A coletânea
poética Ante os Abismos da Vida, de
obras de R. Petit preparada pelo próprio Autor, foi publicada em 1924, impressa
em gráfica de Fortaleza, no Ceará.
No mesmo ano de 1924,
Benedito dos Santos Lima – Bembém – fundou o Almanaque da Parnahyba, anuário
literário e comercial que hoje ainda circula, em cujo primeiro número R. Petit
publicou Variedades, que havia sido
escrito no ano anterior e representa uma das visitas que o poeta se permitiu a
temas brincalhões.
VARIEDADES (1924)
R. Petit
Em
português, ninguém venceu o Dimas,
Foi ele
o grande herói em tal matéria.
Em
francês, conquistou grau dez o Zeca
– O
pançudo mulato da Valéria.
Agora,
o Carlos Vale, em geografia,
Quando
o Job perguntou-lhe: – meu rapaz,
Qual o
rio que banha a capital
Do
futuroso Estado de Goiás?
O Vale
embatucou de tal maneira
Que
até quase desmaia na cadeira!...
Para
amparar, porém, o companheiro,
O bom
Dimas, a rir, lá da outra banca,
Mostrou-lhe
os ramos do fio VERMELHO
Feito
no cós da ceroulinha branca.
O
Vale, então, a calma recobrando,
Disse
logo com voz animadoura:
Dentre
os rios de todo este Brasil
É banhado Goiás,
pelo celoura.
No entanto publicou
também Judas, soneto que se mantinha
ainda ligado à brincadeira – malhação do judas –, mas está composto em tom bem
diferente, mostrando já agora duas linhas que seriam uma constante na obra de
R. Petit.
Primeiro: a forma
de soneto, utilizada na grande maioria, quase totalidade, da poesia de Petit. A
forma fixa
em quatro estrofes, as duas primeiras em quadras (ou quartetos), e as duas
últimas em tercetos, ou blocos de três versos cada.
Segundo: a linha nitidamente romântica
e, dentro desta, a crítica de costumes em que o poeta sempre apontará a
degradação moral que entende observar e vivenciar permanentemente na sociedade
em que está imerso. R. Petit não irá encontrar em sua poesia a realização do
final bom idealizado. Ao contrário, aquele final estará sempre frustrado pela
perversidade dos que são objeto de seu foco poético – pessoa ou sociedade.
É uma postura de tristeza permanente,
pessimismo e lamentação, forte na segunda fase do romantismo que chega a ser
chamado de ultrarromantismo – o mal do século –, firmemente ligado a Byron.
Porém, Petit mais me parece estar,
nessa época, em uma transição entre o romantismo e o realismo, igual se vê, por
exemplo, no maranhense Aluísio Azevedo, cujo Uma Lágrima de Mulher de 1879, trazendo o personagem masculino com
os devaneios do romantismo gravemente assentados na personalidade e ainda capaz
de morrer de amor, como de fato morre; a ele contrapõe a degradação de costumes
do personagem feminino; para depois, em O
Mulato, de 1881, firmar-se em três personagens masculinos de corte
nitidamente realista, contando apenas com resquícios do romântico no personagem
feminino sem, contudo, dar a este o ranço da decadência e conferindo a ele uma
capacidade de adaptação marcadamente realista; tudo que se consome na mais
absoluta realidade em O Cortiço, de
1890.
Observe-se que a transição operada
no final do século XIX é, na régua dos movimentos de arte e neles o da
literatura, contemporâneo ao que o poeta teria a desenvolver nos primeiros dias
do século XX. Demais, Aluísio estava em São Luís do Maranhão em O Mulato, e Petit em Parnaíba sempre.
Tempo e espaço semelhantes.
É possível que se esteja cometendo
uma terrível injustiça contra R. Petit, julgando o todo de sua obra a partir de
uns cinquenta ou menos poemas, que foi tudo que conseguimos ler. Talvez os
livros inéditos Taberna dos
Sentimentos, Acendalha, Ronda do Tempo
ou Búzio de Tritão; ou mesmo a poesia
publicada a que não tivemos acesso, Ante
os Abismos da Vida, Livro de Miss
Piauí, ou o teatro Noites Sertanejas
mostre coisa diversa.
Se R. Petit teve
tempo, como Aluísio Azevedo, para completar a travessia... desculpa aí Raimundo.
Seu neto não é má pessoa. Só não teve fontes suficientes.
Aí vai o soneto:
JUDAS (1924)
R. Petit
Antes
de vir o Sol, a vila já alarmada,
mostra
em cada garoto um grande espadachim,
que
anda de rua em rua, em louca disparada,
atrás
de um Judas vil, de crânio de capim;
De um
Judas moleirão de cara amarrotada,
de
pança desconforme e cheia de estopim,
que
liga um buscapé a uma bomba encerada,
pronta
para estrugir, em honra do festim.
Num
bulício infernal, a garotada infrene,
espera
com prazer, do sino a voz solene
para
então reduzir em cinzas o espantalho!...
E os
vampiros reais, os judas elegantes,
vivem
sempre a cantar, como viviam dantes,
desdenhando do
Bem, da Vida e do Trabalho.
Como se disse, há características românticas de
sobra, principalmente no segundo terceto. Esta mesma característica estará
óbvia na composição mais vezes publicada e mais citada de R. Petit, Papagaios de Papel que teremos
oportunidade de mostrar adiante.
O mesmo Benedito dos Santos Lima, criador do Almanaque da Parnaíba, serviu para
nomear a publicação O Bembém em cuja
edição de 21 de agosto de 2008 (ano 1, nº 8, p.5) o escritor Benjamim Santos
publicou uma seleção que ele próprio fez, de poemas de R. Petit.
Estavam ali Judas,
transcrito acima e O Homem que
originalmente fora publicado em 1925 no Almanaque da Parnaíba. Nesse ano o
Almanaque publicou apenas este quarteto escrito por R. Petit no ano anterior.
O HOMEM (1925)
R. Petit
Garboso rei supremo das quimeras,
Que vieste, por momentos, como eu vim.
A este orbe, onde por grande que pareças,
Um dia hás de ter sempre o mesmo fim
que têm as borboletas, os
vampiros,
as lesmas, as serpentes e os
abutres.
No entanto, à luz de exemplos tão
frisantes,
somente de vaidades, enfim, te
nutres.
Se
comercias, ninguém mais honesto
no
serviço do peso ou da medida.
Tens
filho? — Hás de supor que os teus parecem
as almas
mais perfeitas desta vida.
Contudo
és grande: regulaste o tempo,
mediste a
terra, devastaste o espaço.
Tudo tens
feito aos rasgos do teu gênio
seguido
pela força do teu braço.
E assim
te elevas, orgulhosamente.
Do mundo
gozas todos os conceitos.
Tudo
sabes fazer, mas, por desgraça,
não sabes
conhecer os teus defeitos!
Baixa,
pois, desce até chegar aos vermes.
Busca o
teu nível, sofre e te consola.
Não
julgues nunca que és alguma cousa
diante do
pobre que te pede esmola.
Humilha-te,
portanto, ante os humildes.
Sonda tua
alma, purga os teus pecados.
“Os que
se humilham neste mundo, no outro
serão pelos feitos exaltados”.
A continuidade da
contribuição de R. Petit no Almanaque da Parnaíba traz, em 1926 e 1927, uma
dificuldade de classificação das obras publicadas às quais, infelizmente, não
tivemos acesso.
Teria sido fácil
ver as publicações. Conseguimos contato que nos abriria acesso aos exemplares
dos dois anos do Almanaque. Mas o Corona vírus, sempre ele, nos trancou em casa
e não pudemos ir a Parnaíba, onde não só os dois anos do Almanaque, mas esperam
por nós todos os volumes, do primeiro ao mais recente.
Mas, voltando ao
que dizíamos, a dificuldade é de classificação do que foi publicado.
Croquis no anuário de 1926, e as doze produções
estampadas no Almanaque de 1927, cada uma delas com o nome de um dos meses do
ano, Janeiro, Fevereiro, Março e assim até Dezembro,
estão classificadas por diversas fontes na categoria de “cromos”.
Em artes gráficas chama-se
“cromo” a arte-final, ou “past-up”, que é a montagem da composição gráfica que
se quer imprimir, pronta para ser fotografada sobre a chapa de impressão, hoje
em offset ou processo similar. Para R. Petit e seus contemporâneos, na
clicheria, linotipo ou componedor, conforme fosse. O cromo pode ter apenas
texto, apenas imagem, ou a combinação dos dois.
Sendo aquilo o cromo, por
metonímia passou a ser chamado de “cromo” o próprio material gráfico impresso a
partir do modelo ou arte-final, desde que formado por texto e imagem. Com este
nome foram popularizadas as estampas coloridas massificadas nos álbuns de
“figurinhas”, inicialmente chamadas “cromos”, e ainda hoje por quem seja mais
tradicionalista.
Se este é o caso da produção de
R. Petit em 1926 e 1927, é possível que se constitua em textos poéticos curtos
combinados com desenho ou ilustração, que não se pode deixar de imaginar seriam
do sempre presente Nestablo
Ramos. Cada cromo estaria, então, posto na abertura de cada um dos
meses do calendário que sempre abre o Almanaque. Invariavelmente as primeiras
páginas do anuário, depois do expediente e identificações de costume, trazem um
texto para cada mês do ano, sempre versando o tema escolhido para aquela
edição.
No Almanaque de 1942, por
exemplo, há o nome de cada mês seguido da identificação do santo católico de
cada dia, completando o que seria o “cromo” específico daquele mês. Em seguida
ao cromo, de janeiro a dezembro, “Fatos da História Piauiense” colhendo
acontecimentos históricos verificados no respectivo mês.
Seria conveniente examinar os
originais dos “cromos”. Se é o que estamos imaginando, teríamos, da lavra do
nosso poeta, alguma coisa talvez parecida com o que chamamos de haicai.
Se estivermos certos quanto ao
que sejam os “cromos” de R. Petit publicados em 1927, deveríamos trazer para
esta mesma categoria as produções que Caio Passos, da Academia Parnaibana de
Letras, classifica como “Postais”.
Desta nova categoria – postais –
encontrou-se, sem data de publicação, uma série composta por apreciações sobre
um tema fixo.
Mulher
É um
poema mais lindo do que o mar,
Quem o
lê vive cantando
Ou aprende logo a
chorar.
Mulher
É uma
taça finíssima de cristal
Não há
quem sorva o líquido da taça
Sem sentir o trato
de um veneno mortal!
Mulher
É um
mágico instrumento sedutor
Que a
mão do Homem fez vibrar, criando
Toda a escala
cromática do Amor!
Mulher
É um
verdadeiro céu da humanidade,
Mas
quando o céu se turva e os raios descem
Ninguém vence o
furor da tempestade!
Mulher
É um
astro de força indefinida,
Atrai
a si inúmeros satélites
No giro que
descreve ao longo desta vida.
Mas é preciso ver
que essa identificação do que sejam os “cromos” não pode ser concluída tão
simplesmente, porque o mesmo Caio Passos que identifica os tercetos acima como
“postais”, os quais segundo vimos entendendo seriam “cromos”, chama por este
mesmo nome produções que são, sem nenhuma dúvida, sonetos, e faz essa nomeação
ao trazer poemas que diz “salpicados de humor”:
A LÓGICA DA
PRECAUÇÃO (1930)
R. Petit
A
Julica e o Nicanor
Amavam-se,
loucamente,
Um
dia, o moço, imprudente,
Pediu
um beijo de amor.
E
insistiu – Deixa, consente...
Um
beijo não tem valor!
Logo,
a moça, bruscamente,
Disse
a tremer de pudor:
Não!...
Minha boca humilhada,
Em sua
boca não pousa...
Se um
beijo não vale nada,
Como
você mesmo atesta,
Não
vou lhe dar uma cousa
Quando
esta cousa não presta.
APARÊNCIA (1930)
R. Petit
Palma...
Oh de casa... oh de fora,
Quem
bate? É o João da Luzia,
O que?
Vem chegando agora?...
Pode
entrar... vem cá, Maria...
E a
cabocla cor de aurora,
Recebe-o,
como queria,
Estão
sós. Valeu a hora!
Beijam-se
em mútua porfia.
Logo,
a velhinha prudente,
Corre
à sala de repente,
A
temperar a garganta,
Entra
e vê os namorados,
Serenos,
distanciados...
É um justo olhando
uma santa!...
Parece que vamos
ter que ficar devendo a identificação do que sejam os tais “cromos”.
Assumindo este
“débito” vemos que, enquanto 1927 trouxe cromos
em todos os meses da agenda, em 1928 o Almanaque publicou quatro sonetos,
nomeados pelas estações do ano: Inverno,
Primavera, Verão, Outono. Além
disto, também publicou Atualidades,
outro soneto.
Encontramos o
soneto Inverno reproduzido no Panorama Estudantil, órgão do Centro
Estudantal Parnaibano (assim mesmo, estudantal, e não estudantil) de junho de
1939, acompanhando comentário do poeta cearense Paixão Filho sobre a obra de R.
Petit.
INVERNO (1928)
R. Petit
O
inverno no sertão, que cousa boa!
Na
casa da fazenda, que alegria!
Na melhor
baixa eis a melhor lagoa,
Que a
gente busca ao despertar do dia.
Na
roça o milharal, disposto à toa
Encobre
a verde e densa ramaria
Do
alvo feijão e, enfim da melancia,
Que o
afanoso aldeão presa e abençoa.
No
curral sempre o leite (e que franqueza!)
Na
mesa a feijoada; e a macaxeira
Acompanha
o café da sobremesa...
E o
canto da roceira, ao som da enxada,
Faz
com que a gente de qualquer maneira
Despreze o leito
às três da madrugada.
Ainda em 1928 no semanário
comercial e literário A Praça fundado
no ano anterior por Benedito dos Santos Lima, circulou em 1º de novembro mais
um soneto: Moda Bárbara.
Livro de Miss Piauí, segundo livro de poesias de
Petit, foi publicado em 1929, impresso em Teresina, na gráfica da Imprensa
Oficial.
Dois sonetos
saíram no Almanaque da Parnaíba de 1929: O
Patriotismo e Nuvens e sombras, ambos
escritos em 1928; acompanhados de Selas e
Selos, este em quartetos.
Patriotismo foi
escrito a propósito da abertura, em
1928, de todo o comércio de Parnaíba no dia 13 de maio – abolição da
escravatura, tida por R. Petit como uma das maiores datas nacionais.
Seguem os dois sonetos publicados em 1929.
PATRIOTISMO (1929)
R. Petit
Como
se educa um povo que precisa
Saber
honrar a pátria idolatrada?
Será
vivendo em mangas de camisa,
Pesando
babaçu, cera e mais nada?
Será
vivendo em lubrica pesquisa,
Trilhando,
do interesse, a negra estrada;
Esquecendo
o passado, a história ousada
Dos
vultos que esta pátria diviniza?
Se
assim é, viva o povo interesseiro,
Em vez
de escolas, abram-se bazares,
Em vez
de Amor e Pátria, haja o dinheiro...
Depois
disto em um gesto varonil,
Rompam-se,
alegre, em todos os lugares,
Os compêndios de
História do Brasil.
NUVENS E SOMBRAS
(1928)
R. Petit
Nuvens...
Sombras dispersas pelo espaço,
Que o
vento, às vezes, para o além desterra,
Sombras...
Nuvens que passam sobre a terra,
Seguindo,
fielmente, o nosso passo.
Sombras...
Além do vale ou além da serra...
Nuvens
róseas, azuis ou de ouro baço...
Nuvens
de dor que este meu peito encerra
Sombras
que dormem sobre o meu regaço.
E o
sol do Amor, divino eleito,
Quando
virá, radiante de beleza,
Vencer
as sombras densas de meu peito?
Oh!
Vento da Alegria, bem com calma,
Levar
as nuvens negras da Tristeza
Que pesam sob o
céu desta minh’alma.
1930 é o ano em
que secou a fonte que – trancados em casa –, tínhamos no Almanaque da Parnaíba.
Mas ainda encontramos referência de ali ter sido publicado o soneto Hibernal.
Entretanto,
perdido o Almanaque, outras fontes referem a outras produções de R. Petit. No
mais das vezes referem ao ano de publicação, mas não indicam o veículo, como se
vê nesses sonetos.
O CANÁRIO DE
BERTHA (1931)
R. Petit
Júlia
tinha um canário, tu bem viste,
mas
Bertha tinha um outro extraordinário
que
muitas vezes o seu canto ouviste
como
se fosse um sonho imaginário.
Júlia
tratava os dois de modo vário!
Tanto
assim que o de Bertha fez-se triste
porque
ela dava alpiste ao seu canário
dando
arroz ao de Bertha em vez de alpiste.
Como o
canário original de Bertha,
entristeci,
vendo na vida incerta
esse
grupo de cínicos que existe,
que
estende a mão de amigo sendo algoz,
vão
criando canários com arroz
e alimentando
amigos com alpiste...
FASES DO ANO
(1934)
R. Petit
Janeiro!
Eleva-se o rio.
Fevereiro
— alaga os campos.
Março
e Abril! Noites de frio,
bordadas
de pirilampos.
Maio!
Festa... sacramentos.
Junho
— geme o órgão dos ventos,
buscando
o luar de agosto.
Setembro
e Outubro. É o verão.
Novembro,
espalha alegrias
nas
praias de Amarração.
Natal!
Dezembro. O ano expira.
Trezentos
e muitos dias
só de ilusões ...
de mentira!
Em Nortadas, livro de poemas ilustrado com
desenhos do sempre amigo Nestablo Ramos, publicado em 1937 no Rio de Janeiro
pela Irmãos Pongetti, viu-se pela primeira vez o que se tornaria o poema mais
vezes publicado e mais citado de R. Petit:
PAPAGAIOS DE PAPEL
(1937)
Aos vaidosos
R. Petit
Quando
eu era pequeno, venturoso,
Meus
lindos papagaios empinando,
Dizia:
– Não há nada mais pomposo
Que um
papagaio de papel voando.
Cresci!...
Hoje,
tristonho, pesaroso
Esses
brinquedos de papel, olhando,
Logo
descubro o vulto carunchoso
Dos
que sobem a tudo se apegando.
Tipos
que sobem de alma feita em trapos,
Mostrando
ao mundo, despreocupados,
Uma
cauda nojenta de farrapos.
Tipos
de Nulidade tão cruel!
Que só
sabem subir encabrestados
Como esses
papagaios de papel.
Petit continuou
produzindo muito, com sua característica de fazer poemas entre um despacho de
cera de carnaúba e outro.
Agora, enquanto
ocupava em duas administrações seguidas a Secretaria da Prefeitura de Parnaíba,
publicou:
SAUDADE (1941)
R. Petit
Eu
vivo como o mar, bebendo os rios,
rios
da Dor que crescem, com certeza,
em meu
ser, quando o inverno da Tristeza
chega
e vence ao cair dos tempos frios.
Eu
vivo como os pássaros sombrios,
dos
quais a tempestade em luta acesa
roubou
dos ninhos frágeis e macios,
isolando-os
da própria natureza.
Eu
vivo como as águas das cascatas
que a
força eterna de um tremendo fado
desfia
em prantos no painel das matas.
Eu
vivo sem viver, esta é a verdade,
pois
não pode viver um torturado
que se alimenta
apenas da saudade!...
DEIXEM!...
R. Petit
Deixem
que eu viva ao léu como um rochedo
Sobre a praia sem fim: ermo, esquecido,
Frio, imóvel, tristonho, adormecido,
Como se fosse a imagem de um segredo.
Deixem que viva assim como o arvoredo
Da margem de uma estrada, aos céus erguido,
Que o viandante ao passar, fere, sem medo,
Rouba um galho! e se afasta distraído.
Que eu seja a sombra humilde dos ascetas.
Deixem que eu sofra!... A dor em que me inundo,
Gema na
voz da lira dos Poetas.
Se eu
vivo entre emoções e fantasias,
Pois
deixem que eu me acabe pelo mundo,
Em
soluços, em preces e harmonias...
O coitado do Petit
não podia imaginar que dali a pouco seria posto “ao léu como um rochedo”. Mas
isso fica pra um pouquinho mais adiante.
V
Como se tem dito
algumas vezes, R. Petit era empresário. Comerciante. Nesta condição mantinha,
como também já vimos, uma confeitaria, instalada no mesmo prédio em que o amigo
Nestablo Ramos mantinha o Cine Paláce, sendo a confeitaria formalmente chamada Quiosque Japonês, mas universalmente
conhecida por Quiosque do Petit, ornado
por desenhos de Nestablo Ramos.
Ficava na Rua 28
de Julho, hoje Calçadão da Marechal Deodoro, esquina da Rua Pires Ferreira,
onde hoje está o Edifício Pedro Alelaf. Na época era onde funcionava o
Cine-Paláce, de Nestablo Ramos. O cinema tinha como operador Manoel Linhares,
depois substituído por Marinheiro. Sendo cinema mudo a fita era acompanhada por “orquestra”, formada por quatro músicos:
Hermes Magalhães, Benedito Jacó e os irmãos José Palhaço e Pedro Palhaço.
O Quiosque do Petit era ponto de reunião
da intelectualidade, principalmente à noite, quando estavam ali Edson Cunha,
Bembém, Lily Pery, Francisco Ayres, Joel de Oliveira, Alarico da Cunha, Benu
Cunha, Jesus Martins, Rodrigues Pinaré (que fazia sonetos e quintetos sem
vogais), Godofredo Correia Lima, Eduardo Saldanha e, dentre outros mais, Cazuza
Porto que advertia sempre: “Você precisa é ter uma faca. Homem sem faca é como
galo sem esporões, até galinha dá nele”. A gargalhada era garantida sempre.
A propósito de
Rodrigues Pindaré: fazia sonetos sem vogais!
Não é bem o que
parece. Chamavam-se assim as composições poéticas que excluíam uma determinada
vogal. Um soneto inteiro sem a letra “a”, ou sem a letra “e”, e por aí vai.
Dizem que por
espírito de concorrência com Pindaré, Petit teria composto alguma coisa neste
modelo. Na verdade, parece que a produção foi o resultado de um “desafio entre
camaradas”, saindo da pena de Petit cinco sonetos sem vogais. Infelizmente não
encontramos estes poemas. Mas encontramos o último terceto do quinto soneto,
encerrado pela indicação dos cinco motes utilizados que teriam sido propostos
por Pindaré.
E se
este ser me prende e me consome
Deste
ser mais venero e inda mais amo,
O corpo, o riso, o
olhar, a fala, o nome.
No Quiosque, além
de café a um tostão servido na mesa para beber sentado como já se disse,
servia-se poesia, charada, piada sarcástica e todo tipo de bobagem que um bando
de homens pode produzir quando se reúne sem a presença de mulheres. Naquele
tempo, claro, muito mais comedidamente que hoje.
Petit chegava a
apresentar ali poemas ainda inéditos, no curso das tertúlias, como foi o caso
de Solidão.
SOLIDÃO
R. Petit
Solidão!
Voz do além, canto da esfera,
Prece
dos astros, luz do sol poente,
Riso
de flor no fim da primavera,
Hálito
d’alma de um poeta crente!
Alma
da noite, estática e sincera,
Coração
da floresta seducente,
Ninho
da paz onde a virtude impera,
Suspiro
do luar opalescente!
Imagem
da saudade adormecida,
Altar
da poesia sedutora,
Flor
da tristeza do jardim da vida;
Tu és,
oh imensurável solidão,
A
fonte onde minh’alma sofredora
Vive sempre a
beber inspiração...
Caio Passos diz
haver presenciado essa avant première
de Solidão e informa que Petit teria
afirmado que o soneto comporia o livro Búzio
de Tritão. Caio Passos diz ainda que Petit teria se referido ao Búzio como o que seria seu segundo livro.
Se isto é fato, ficaria estabeleceria que o Quiosque
do Petit funcionou em algum tempo entre 1924, quando foi publicado Ante os Abismos da Vida, o primeiro
livro, e 1929, quando saiu Livro de Miss
Piauí que acabou sendo o segundo livro de Petit, considerando a hipótese de
Tritão ter sido deixado pelo poeta
para mais adiante.
Mas o Quiosque ainda
funcionava em 1931, porque nesse ano é que Petit foi “pescado” lá para ir
assumir a secretaria da prefeitura.
VI
Ainda precisamos
dar conta do Petit Inspetor de Ensino,
ocupação a que referimos muito acima, quando ainda estávamos tratando da
diversidade de atividades do poeta.
O
Inspetor de Ensino chegou ao Piauí junto com o Alvará de 3 de maio de 1757 que
criou as duas primeiras escolas primárias do Piauí, na Vila da Mocha, depois
elevada a cidade com o nome de Oeiras, depois primeira capital do Estado.
Interessantes
estas duas escolas: uma, ensinar a Doutrina Cristã, ler, escrever e contar, aos
meninos. A outra, Doutrina Cristã, coser, fiar, fazer rendas etc., às meninas.
A
posição do Inspetor Escolar envolvia um sem número de capacidades e,
principalmente, certo apego à educação e à formação dos alunos.
Em
alguns casos, pessoas confundem o Inspetor Escolar com o Inspetor de Alunos.
Eram duas coisas bem diferentes.
O
Inspetor de Alunos, cargo tão antigo quanto o outro, foi muito utilizado pelo
Estado Novo getulista, orientado no sentido de vigiar de perto cada aluno, bem
ao gosto da ditadura fascista desejosa de controlar inteiramente o indivíduo,
inclusive desde muito cedo. Depois, também a ditadura militar de 1964 fez uso
intensivo desses inspetores, antipáticos como o Sandes e o Dagmar, que na
segunda metade dos anos de 1960 azucrinavam os alunos no Colégio Estadual
Zacarias de Gois, o Liceu, em Teresina.
Estes
antipáticos não eram criação de Getúlio. Apenas foram muito utilizados por ele
e por todo sistema abusivo posterior. Já haviam sido comparados, por exemplo, a
um porco, como se vê n’O Ateneu de
Raul Pompéia.
João Numa, inspetor ou bedel,
baixote, barrigudo, de óculos escuros, movendo-se com vivacidade de bácoro
alegre, veio achar-me indeciso, à escada do pátio. “Não desce, a brincar?”
perguntou bondosamente. “Vamos, desça, vá com os outros.” O amável bácoro tomou-me
pela mão e descemos juntos.
O
pobre do João Numa até tentava ser legal, ocupando-se com o ânimo pessoal, e
íntimo, dos alunos. Mas, na visão destes últimos, só via a situação de cada um
porque estava olhando, vigiando.
Contrariamente
a esse “amável bácoro”, o Inspetor de Ensino ocupava cargo de natureza
técnico-científica (DASP, processo 3.816-25). Não vigiava ninguém, senão a
qualidade do ensino ministrado.
Há
quem pense que se tratava apenas de comparecer periodicamente a alguma escola,
fazer umas perguntas cretinas aos alunos e ir embora. Não era assim. O Inspetor
fazia mais perguntas aos professores que aos alunos. Devia relatar o nível de
preparo e de dedicação de cada mestre, assistir aulas e corrigir falhas
pedagógicas, observar e incrementar a ligação entre a escola e a comunidade
onde estava, principalmente quanto aos pais dos alunos. Depois disto, ainda
tinha que verificar a suficiência dos meios físicos postos à disposição da
escola inspecionada.
Pois
bem: Petit era Inspetor de Ensino.
Responsável por
parte da zona Norte do Estado, certa vez fazia inspeção em Esperantina, onde
morava o poeta Antônio Sampaio. Este correligionário de R. Petit conta:
Concluída a
inspeção na cidade, Petit requisitou à Prefeitura – Prefeito Antônio Diniz
Chaves –, transporte e outros meios para a inspeção pelo interior do Município.
Recebeu um cavalo
e os complementos necessários pra andar no bicho, além do guia responsável por
orienta-lo pelos caminhos perdidos dos matos. O acompanhante veio e foi
apresentado como sendo o “negro Pachola”.
Petit não brincava
com escravidão. Havia gritado alto em Patriotismo
porque abriram o comércio de Parnaíba num 13 de maio, uma das maiores datas
nacionais, dizia.
O “negro”
imediatamente virou “pajem” e com esse título frequentava todas as repetidas
vezes em que Petit contava e recontava essa história, divertindo-se e, na
maioria das ocasiões, provocando gargalhadas no final.
Pachola era um
tipo leve, de físico e ânimo. Conversador, brincalhão e imitador de tudo quanto
havia no mundo, ou pelo menos no mato: “chorava” como Juriti, gritava como
papagaio, “botava cachorro em raposa” latindo alto, fazia mil.
Petit não era
exatamente um sujeito expansivo. Não consta que fosse mal-humorado, mas era
pacífico, mais pra pensador que pra falador. Mas não se aborrecia com os trinados,
uivos e latidos do Pachola.
O pajem, além de
assoviar e gritar, às vezes desaparecia entre as moitas ou nos capões de mato e
ficava sumido por um tempo. A princípio Petit teve algum receio, mas logo
entendeu a utilidade daquilo porque, além de não se afastar a ponto de submeter
o Inspetor a qualquer risco, Pachola vinha do mato com algum preá, um inhambu
ou bicho parecido que não só ele, Pachola, mas também o poeta podia comer,
melhorando um pouco o passadio de quem se aventura nas brenhas, pra onde só se
leva comida seca. Charque é um luxo, rapadura um tranquilizante e farinha a
base.
Lá pelo segundo
dia Petit já conversava um pouco e, muito espaçadamente, já ensaiava um leve
sorriso frente aos procedimentos ou conversas fiadas do Pachola.
Indo já muito
dentro do sertão, Pachola sumiu outra vez.
Petit continuou
andando por um caminho que era um pouco mais largo que as trilhas habituais. O
cavalo já podia andar sem um controle muito atento e sem que as mangas do
paletó do cavaleiro encontrassem espinhos e garranchos nas beiras do caminho.
Caminho mais
largo... chegando a uma leve curva Petit ouviu a buzina de um carro!
Difícil, mas não
impossível, como a homonímia entre ele e o pai.
O cavalo foi
prontamente contido no freio e puxado mais pra dentro do mato.
Espera, espera, e
nada do carro passar. Vamos em frente.
Adiante, mais
outra curva, nova buzina de carro. Para o cavalo, puxa pra dentro do mato,
espera o carro que não vem, volta a andar.
E a coisa tanto se
repetiu que Petit resolveu parar mesmo e esperar o reaparecimento do Pachola
pra manda-lo ir um pouco à frente prevenindo uma trombada com o carro que
buzinava mas não passava.
Estava ali quieto
no cavalo e este quase dentro do mato, aparece finalmente o Pachola.
– Ôh Pahcola, onde
anda esse carro que buzina e não aparece nunca? Vai na frente pra ver.
– Nhôr?
– O carro Pachola,
que já buzinou diversas vezes e não aparece. Vai ver o que é.
– Nhôr? A buzina?
– Sim, a buzina:
– Nhôr não, dotô,
era eu brincando de ser “automove”.
Um riso inocente
invadia o rosto inteiro do Pachola. Lábios, olhos, trejeitos, tudo no Pachola
ria numa inocência de querubim. Petit parou de cismar, parou de tanto pensar e
entregou-se a uma gargalhada que o mato nunca tinha ouvido.
Tornaram-se
camaradas. O pajem em Esperantina, o poeta em Parnaíba, aqui e acolá se encontrando
nos matos de Esperantina onde cachorro acuava raposa ao meio dia e carro
buzinava nas veredas.
VII
Mas temos que
voltar ao poema Deixem.
Deixem que eu viva ao léu como um rochedo
Pouco tempo depois
dele, Petit sairia de Parnaíba e não voltaria mais. A família ficou e se virou
como Deus foi servido.
Essa saída de
Petit de Parnaíba tem linhas muito pouco claras. Mas há uma certeza: são duas
versões, ou duas maneiras distintas de ver a mesma coisa.
Na família há uma
história nunca totalmente contada de que Petit teria sido expulso de Parnaíba
depois de receber um diagnóstico de hanseníase, que dita assim, com esse nome,
não assusta ninguém. Mas com o nome de Lepra assustava muita gente em Parnaíba
onde estava instalada a Colônia do Carpina, hospital ou algo muito parecido com
um centro de isolamento compulsório para os pacientes da hanseníase.
Em Parnaíba um
diagnóstico de lepra correspondia a uma sentença de prisão perpétua porque
ainda não se dispunha de nada que controlasse a doença – depois veio a
Talidomida que controlava a doença mas geraria uma infinidade de crianças
malformadas. Além de não haver remédio, havia a maldição Bíblica que contava
mais de dois mil anos, era terrível, e apoiava a conduta médica, sob a
concepção de que a doença seria insuportavelmente transmissível e impossível de
controlar por atitudes não farmacológicas. Dois mil anos de má fama não são
dois dias.
Genu Aguiar de
Moraes Correia, parnaibana, autora do livro A
Mulher e o Tempo, conta (fls. 283/287) casos escabrosos de uso do
diagnóstico de lepra – real ou inventado – para expulsar pessoas de Parnaíba,
tendo sido vítima mesmo o Desembargador Cristino Castelo Branco, cuja filha
“acusaram” de leprosa. O cara aposentou-se aos 55 anos e foi-se com os diabos (e
com a família), morar no Rio de Janeiro.
Então: a família
diz que Petit recebeu o diagnóstico e logo em seguida a visita de Mirócles
Veras que era Prefeito, médico e chefe de Petit – na época Secretário Municipal.
Com todo esse
poder Mirócles teria expulsado Petit da cidade.
Mas parece que não
teria sido uma expulsão claramente declarada. Mirocles acenou a Petit com
alternativas e consequências: poderia ficar em Parnaíba e ser recolhido “preso”
logo no dia seguinte pela manhã, uma vez que a doença era de notificação
obrigatória às autoridades de saúde do Estado, e o procedimento era internar
incondicionalmente o doente na Colônia do Carpina, de onde ele não sairia nem
morto, pois o sepultamento dos pacientes mortos era feito no próprio hospital,
instalado em terreno amplo onde havia muito espaço pra este fim.
Como consequência,
a família seria socialmente isolada, os filhos perderiam os empregos que
tivessem, as filhas perderiam os namorados, noivos e o que mais tivessem e
jamais recuperariam ou teriam qualquer pretendente. A mulher passaria a presenciar
o sofrimento dos filhos que, ademais, seriam impostos a ela própria.
Vamos combinar:
esse Mirócles era um cara legal.
E era e se achava
mesmo. Ele foi legal mesmo porque, se não fosse ter essa conversa amistosa com
o Petit ele não teria tido tempo de correr.
Mas teve, e
correu.
Há quem diga que
um dos filhos teria acompanhado o poeta até a estação do trem, alta madrugada,
apenas com uma pequena mala, escondendo-se nos vãos das portas e nas colunas da
estação e mais uma infinidade de complementos horríveis. Talvez isso tenha
acontecido, mas não há identificação de qual dos filhos teria cumprido essa
função de coiteiro. O fato é que o “criminoso” fugiu. E sumiu.
Outra versão é a
que está registrada em notas na Academia Parnaibana de Letras, em uma homenagem
ali prestada a R. Petit.
A linguagem
utilizada nas notas é um pouco antiga e na reprodução do texto que vimos havia
alguma coisa de erro que, tudo indica, não estava no original. Mas vamos
corrigir alguma coisa (alguma incongruência vai passar) e transcrever o texto
porque as palavras empregadas servirão para compatibilizar as duas linhas de
apreciação.
Diz o Acadêmico:
E foi nessa árdua missão de bem servir a
dois ilustres Prefeitos, que o inolvidável Petit, sentiu-se doente.
Algo de apreensivo dançava em seu
espírito, espírito que sempre viveu embalado de sonhos e poesia.
Mirócles Veras, homem de coração grande e
generoso, como médico e como prefeito, mandou seu modelar auxiliar, o trovador
exuberante, por conta da municipalidade, fazer um tratamento especializado em
São Paulo, pois Parnaíba, na época, não dispunha de grandes recursos no campo
da medicina. Com o decorrer do tempo e graças à ciência médica, Petit estava
restabelecido, apto a voltar ao convívio da comunidade parnaibana, mas o poeta,
ainda abalado pelo trauma que o assustou, não mais voltou à sua Parnaíba, terra
que era sua, toda sua, desde criança, quando Dona Maria, o seu anjo tutelar,
balançava a sua rede ao sussurrar da aragem do mar de sua Parnaíba querida e
nunca esquecida.
Faz sentido:
Mirócles, como se
viu, evitou que Petit fosse “preso” no dia seguinte. Homem de coração grande e
generoso.
Petit não era
médico e sempre vivera por perto de Parnaíba. Não tinha porque conhecer um
leprosário em São Paulo, nem porque imaginar que seria preciso ir tão longe.
Mirócles, médico, pode ter recomendado o destino e ter dado algum suporte para
o Petit se arrumar nos primeiros tempos de desterrado – por conta da
municipalidade.
O Acadêmico diz
que “Petit estava restabelecido, apto a voltar ao convívio da comunidade
parnaibana”, mas não diz nunca que ele estivesse curado, porque não havia como
estar. E diz que o que manteve Petit em São Paulo foi “o trauma que o
assustou”. Uma proposta de segregação perpétua dele e da família é um belíssimo
trauma e assusta qualquer valente.
E haja eufemismo.
Aí aparece uma
questão adicional: quando teria acontecido esse convite pra ir embora.
A indicação mais
usual é que teria se dado em alguma madrugada de 1944.
Ademar Neves, que foi buscar Petit no Quiosque Japonês para fazê-lo
Secretário, foi prefeito de 30/01/1931 a 11/03/1934.
Foi sucedido por Mirócles Veras. Este,
como diversos jornais e revistas da terra teve duas fases: de 12/03/1934 a
31/12/1936, e depois, de 16/11/1397 a 09/11/1945. Portanto era Prefeito em
1944.
Entre uma fase e outra houve Joaquim Antônio
Gomes de Almeida, de 01/01/1937 e 15/11/1937. É provável que R. Petit não tenha
sido mantido na secretaria neste período, uma vez que na Academia Parnaibana de
Letras há registro de que Petit desempenhou a “a árdua missão de bem servir a
dois ilustres Prefeitos”. Mas é quase certo que Petit tenha acompanhado as duas
fases do Prefeito, em consequência do que Mirócles seria muito próximo dele
ainda em 1944 e poderia ter feito a visita do bota fora.
A mulher de Petit, Edelzuite, e a filha
Aglaé, ainda nos anos 1960 e 1970, inúmeras vezes faziam referência ao Doutor
Mirócles, como sendo “muito de casa” até a mudança da Aglaé para Teresina.
Se considerarmos que essa mudança tenha
ocorrido por volta de 1944, teremos uma data compatível com a saída de R. Petit
e com a segregação social da família, decorrente de o diagnóstico haver
“vazado” depois da “fuga” do criminoso.
Mais uma coisa: o hino do Parnahyba Sport
Club foi modificado para Canção da Parnaíba em 1944 e assim integrou o “O Livro
do Centenário de Parnahyba”, que foi publicado quando do centenário da elevação
da vila à categoria de cidade, em 14 de agosto, o que deixa a Petit todo o
primeiro semestre do ano para ter trabalhado no livro antes de receber o
convite pra ir embora.
Somando mais um pedacinho a essa confusão
de suposições, há uma manifestação de João Câncio Rodrigues Neto em 2016.
Segundo ele, quando o pai Olavo Pinho mostrou interesse em comprar a casa de R.
Petit, na Rua Capitão Claro, ouviu muitos conselhos para não comprar, porque a
casa era mal-assombrada. A “assombração” bem poderia ser o diagnóstico.
Claro que não é assim que vamos chegar a
uma data certa. Mas a referência mais comum parece razoável: alguma madrugada
de 1944.
Apesar da razoabilidade é preciso considerar
outras coisas. Primeiro partimos de uma afirmação Caio Passos de que R. Petit,
mesmo depois de sair de Parnaíba, teria continuado colaborando com o Almanaque
da Parnaíba até a morte. Se isso é verdade, fica justificada a adaptação do
Hino do Parnaíba Sport Club em 1944, mesmo com Petit já “expulso”.
Depois, deve-se considerar que a filha
Aglaé casou-se em novembro 1941, e não há notícia de que Petit estivesse
presente no casamento. A primeira filha nasceu em 1942, quando Aglaé e Nicanor
ainda moravam em Parnaíba. Não há registro de Petit ter visto a neta. Quando a
segunda filha nasceu, em 1943, o casal já morava em Teresina, e não há nada que
diga que o Petit tenha feito qualquer manifestação acerca do nascimento da
neta. Ao contrário, parece que ele nem teve conhecimento disto.
Então, fica muito mais razoável admitir
que Petit tenha saído de Parnaíba antes de novembro de 1941, sendo interessante
ver que de novembro de 1937 até novembro de 1945 o Mirócles era Prefeito de
Parnaíba. Então, fosse em 1937 ou em 1944 ou em qualquer época entre essas duas
ocasiões, o Mirócles poderia ter feito a visita do bota fora.
Só não parece razoável que ele tenha saído
antes de 1937 porque o livro Nortadas
foi publicado em 1937 e, aí sim, há diversas fontes que informam que Petit
estava em Parnaíba quando publicou o livro.
VIII
Apesar de
“expulso”, Petit continuava querido e admirado em Parnaíba.
A
poesia rendeu a ele diversos reconhecimentos feitos por via da própria
literatura, não só em republicações de seus poemas, referências em estudos
literários acerca da arte na República Velha, como na produção de inúmeras
peças poéticas expressamente compostas em homenagem a ele, tanto enquanto vivo
como depois de seu falecimento.
Nas
letras, reconhecimento importante veio da Academia Parnaibana de Letras, criada
em 28 de julho de 1983, sendo no próprio ato de criação designado R. Petit como
Patrono de sua Cadeira nº 9. O primeiro ocupante da Cadeira foi o ex-governador
do Estado, engenheiro parnaibano Alberto Tavares e Silva.
Da
Administração Pública, além da oficialização de um seu poema como Hino da
Parnaíba, da conferência post mortem
de Medalha do Mérito Municipal através do Decreto nº 2.642, de 08/08/2016 (Diário
Oficial do Município de Parnaíba de 09 de agosto de 2016), veio a atribuição de
seu nome a uma rua (Decreto nº 01, de 21/02/1983, alterado pelo Decreto nº 03,
de 04/03/1983).
A Rua R. Petit
fica em Parnaíba, no bairro Reis Veloso. Começa na Avenida São Sebastião, entre
a Rua Lions Club e a Rua Dom Paulo Hipólito, terminando na BR 343 que liga
Parnaíba a Luiz Correia.
Além das inúmeras
referências feitas a R. Petit por contemporâneos de Parnaíba e por estudiosos
de tempos recentes, é relevante apresentar manifestação de 14 de março de 1991
que a filha Diana Dulce de Araújo Chagas chamou “Pequeno tributo a um grande
poeta”, onde são encontrados alguns trechos de poesias de R. Petit e são feitas
referências a livros não citados em outras fontes.
NORTADAS (1937)
R. Petit
E o
poeta, em sua dor, é como o vento.
Ninguém
sabe em seu vivo sofrimento
Quando
ele chora ou quando está cantando!...
(em Nortadas)
SEIXOS ROLADOS
R. Petit
Sou
como os seixos rolados,
perdidos,
desamparados
No rio
infrene da vida.
(em Acendalha)
DUAS LÁGRIMAS
R. Petit
Eu
faço o papel da praia
Onde o
mar da sorte, enchendo,
Avança,
foge e desmaia.
(em Acendalha)
BONDADE DIVINA
R. Petit
E
enquanto o cosmonauta busca os astros,
O
poeta, nas asas da ilusão,
Vaga e
se altea entre os milhões de mundos
Do céu
da inspiração
(em Ronda do Tempo)
SINOS
R. Petit
Vivem
os sinos como os Poetas
Que
desta vida nada querem.
Cantam
somente quando lhes batem,
Vivem
somente quando lhes ferem!...
(em Búzios de Tritão)
PARNAÍBA
R. Petit
Longe
de Parnaíba, da cidade
Que me
serviu como segundo berço,
Rezo a
Nossa Senhora da Saudade
Os
mistérios divinos do meu terço.
Vivo a
rezar pela prosperidade
Dessa
terra de luz e de alegrias,
Que
ergueu ao reino da imortalidade,
Berilo
Neves e Simplício Dias.
Rezo
com calma, com profunda calma,
Por
esse povo bom de alma esteta,
Pelo
sol do Equador que encheu minh’alma
E pelo
rio que me fez poeta.
Ó rio
Parnaíba! Violeiro,
Cantador
do Nordeste apaixonado,
Que eu
vivia a escutar o dia inteiro,
Eu
bendigo a grandeza do teu fado.
No
teclado de espumas desse rio,
Ecoa a
voz piedosa da saudade,
Soluçando
num cântico sombrio,
Aos
pés dessa poética cidade.
Parnaíba!
Minh’alma te venera,
Áurea
canção repleta de estribilhos,
Beijo
o teu nome, como bem quisera,
Beijar
teu chão que é o berço de meus filhos.
(em Búzio de Tritão)
Assim, por estas
linhas que combinam o tempo com a variedade de trabalhos e ofícios, o convívio
com o alto empresariado e a melhor intelectualidade de Parnaíba, andou R.
Petit.
É possível formar
uma lista, ainda que sob risco de ser incompleta, dos livros de R. Petit,
embora permaneçam algumas dúvidas sobre a real existência de alguns deles como obras
compostas na intenção de formar um livro.
Tal lista deveria
indicar:
Livros publicados:
Ante os Abismos da Vida – poesia,
coletânea, 1924, Fortaleza;
Livro de Miss Piauí – poesia, 1929, Teresina, Imprensa
Oficial;
Nortadas – poesia, 1937, ilustração por Nestablo
Ramos, Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti;
Noites Sertanejas – teatro.
Livros referidos
em fontes, sem demonstração de publicação:
Acendalha
Ronda do Tempo
Búzio de Tritão
Taberna dos Sentimentos
IX
R.
Petit, mesmo morando em São Paulo, continuou colaborando com o Almanaque da
Parnaíba, diz Caio Passos que até a morte.
Em
21 de julho de 1969 o velho R. Petit foi poetar em lugares mais altos, perto de
gente mais civilizada, lançando versos em outros salões mais calmos onde, é
quase certo, não transitaria mais entre fardos de algodão nem precisaria
procurar tempo entre um despacho de cera de carnaúba e outro.
Teria
sido em Sorocaba. Ou teria sido em São João da Boa Vista.
Uns
dizes isso, outros dizem aquilo. Mas tenha sido aqui, ali ou em qualquer lugar,
o ruim é que foi em São Paulo, e Petit nunca mais voltou a Parnaíba, a terra
que ele cantava e cantava outra vez por inúmeros motivos. Dentre estes, porque
era a terra de seus filhos, como está em Parnaíba
que transcrevemos pouco acima.
Parnaíba!
Minh’alma te venera,
Áurea canção
repleta de estribilhos,
Beijo o teu nome,
como bem quisera,
Beijar
teu chão que é o berço de meus filhos.
Dizem que era
paraense.
Mas só a criança
era paraense. O meninote, o estudante do grupo escolar, o ginasiano, o caixeiro
do Marc Jacob, o poeta, o empresário, o inspetor, o secretário, todos esses R.
Petit eram piauienses e do Pará talvez nem se lembrassem.
Cantou Parnaíba, o
Piauí, cantou muita coisa.
Devia ser um cara
legal.
Ninguém junta
tanta gente, ninguém faz tantos amigos, ninguém continua tão querido tantos
anos depois de ser convidado a ir embora, ninguém faz tanto de tudo sendo um
chato.
Devia ser um cara
legal.
Agosto de 2021.
130º ano do
Advento.
Talvez o maior texto que postou
ResponderExcluirVerdade. Quase um livro.
ResponderExcluirMuito grande. Família Araújo ainda famosa em Luis Correia e tenho aum amigo do tempo do colegial da Família Petit de Parnaiba! Nesse início do século XX parecia Parnaiba mais promissora com seu "porto" do que a cidade de São Luis.
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