A poesia de Gerciane e Dayse:
Anotações
Ernâni Getirana (*)
Realiza-se em Teresina, Clube dos
Diários, de 24 a 27 de maio, o I SALEM – Salão de Letras da Mulher. Diga-se de
passagem, um auspicioso evento, pois a chamada ‘literatura feminina’ está em
alta em todo o país já há algum tempo. Nada mais justo. Quem vem acompanhando o
debate em torno das questões de gênero sabe que no que diz respeito à
literatura, o terreno é íngreme, desafiador, sobretudo quando estão em questão
disputas numa sociedade contaminada secularmente por vieses sexistas, machistas
e elitistas, dentre outros.
Mas não vamos, aqui, tratar
propriamente disso. E sim da poesia de duas jovens poetas cuja poesia nos chega
geralmente via redes sociais, embora já tenham também publicado em antologias
no formato livro físico: Gerciane Lima e Dayse Benício. Não pretendemos fazer
propriamente uma análise aprofundada do trabalho poético de ambas, mas tão
somente pinçar algumas nervuras para onde sua poesia parece apontar. Trata-se
de uma primeira aproximação analítica da escrita poética dessas jovens.
Só para situar, Gerciane e Dayse
têm raízes familiares no município piauiense de Pedro II, mas nenhuma ali
reside. A primeira escreve em sua maioria poemas curtos; ao passo que a
segunda, longos. Mas isso em nada breca a poeticidade de ambas. Ao contrário,
esse modo de compor os poemas que elas adotam (inconscientemente, diríamos) é
mais uma qualidade do que um eventual defeito. O poder de síntese que vemos
numa ‘dialoga’ com o modo mais discursivo da outra.
Ambas, e é isso o que importa,
têm algo fundamental em qualquer poeta que se preze: a preocupação com a
linguagem. O uso da linguagem como um esquadrinhador do humano. Ou, em outras
palavras, tanto Gerciane quanto Dayse ao fazerem (cada uma a seu modo) uso
consciente das possibilidades expressivas da língua portuguesa (ambas são
leitoras compulsivas), nos conduzem, seu leitores, a enveredar pelo âmago do
Ser, de nós mesmos como participantes da empreitada humana. Estaríamos, aqui,
filosoficamente no pensamento de Schopenhauer (1788-1860), para quem “O mundo é
minha representação.”
Algo que apontaríamos, por outro
lado, como peculiar a cada uma das poetas seria isto: enquanto Gerciane, ao
abordar o abismo da complexidade humana, por vezes puxa um barbante que nos
traz algo entre a ironia fina e o humor; os poemas de Dayse nos apresentam uma
realidade humana que nos faz suspender um eventual riso que fosse. Mas, de
novo, por uma ou por outra via, são qualidades das poetas citadas ao comporem
seus respectivos poemas densamente arraigados (e denunciadores) ao drama
humano. Nesse sentido, diremos que elas são herdeiras daquela linhagem de
poetas que já superaram a ‘bolha romântica’, termo aqui tomado no sentido
trivial e simplório.
Quando dizemos que os poemas de
Gerciane e de Dayse nos remetem a nós mesmos, pois os questionamentos que
trazem são também nossos; que seus poemas são chaves de acesso ao que de outra
forma nos escaparia, estamos dizendo que ambas intuem o papel do poeta que é o
de apontar, indicar algo que só poderá ser notado, delineado através da leitura
dos poemas enquanto índices do humano (no sentido de Pierce (1839-1914)). Elas
sabem que a leitura do poema não esgota o que o poema diz. O que o poema se
propõe a dizer só ele diz. O poema, ele mesmo é como que um deslizamento da
linguagem em si mesma, exatamente no contato das superfícies entre a linguagem
e o seu produtor/captador/poeta/leitor. Que as duas poetas estejam no SALEM do
ano que vem.
(*) Ernâni Getirana é professor,
poeta e escritor. É autor de vários livros, dentre eles “Debaixo da Figueira do
Meu Avô”. Escreve nesta coluna às quintas-feiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário