PADRE DEUSDETE E O TIME SANTOS DE LIVRAMENTO
Elmar Carvalho
Logo ao iniciar a caminhada, deparei-me com o colega Carlos
Barbosa Dias, que vinha em sentido contrário. Fiz meia-volta e o acompanhei.
Envergava ele, que é natural do interior de São Paulo, uma camisa do Santos,
que voltou à moda com os seus meninos alegres, moleques e bons de bola.
Perguntou-me se eu torcia pelo Santos.
Em resposta, contei-lhe o seguinte: quando eu tinha de treze
para catorze anos de idade, morei na bela e bucólica cidade de José de Freitas,
durante um ano. Foi um período muito feliz de minha vida. Quase todo dia, pela
manhã, saía a passear, com o Carlos de dona Irá e o Itamar, e mais algum de
meus irmãos ou outro garoto da vizinhança.
Às vezes, alguns de meus colegas iam pegar vim-vim, com o uso
de visgo colocado em uma haste posta na gaiola do “chama”; outras vezes, íamos
escalar o morro do Fidié, que na época não era conhecido por esse nome, mas
simplesmente como morro, que hoje preferiria chamar de Morro do Livramento, em
homenagem ao nome antigo da localidade e a sua padroeira; muitas vezes nosso
destino era o açude Pitombeira, de onde pulávamos do velho trampolim.
Também banhávamos no olho d' água, perto do cabaré Jumento
Velho, lá para as bandas do mercado público. Invariavelmente, à tarde, ia jogar
futebol num campinho que havia na frente da casa do grande marceneiro Zezé
Barros, que também era um peladeiro. Esse campo ficava dentro de uma quinta,
tinha terreno arenoso, e era rodeado por belas e frondosas árvores, entre as
quais uma imensa mangueira.
Gostava muito desse campo, pois, sendo eu goleiro, a areia
macia me possibilitava enfeitar as defesas, projetando-me no espaço, quase a
levitar, na construção de belas pontes, que hoje classificaria de estaiadas.
Certa vez, jogando na periferia da cidade, e sendo então pequeno e franzino,
alcei um verdadeiro voo, para cair com a bola encaixada em meu peito. Essa
estripulia acrobática arrancou delirantes aplausos de um torcedor, que gritava
que eu parecia um “passarinzim”.
Tempos depois esse terreno onde jogávamos foi comprado pela
família do Pedro e do João Rocha, e as peladas foram proibidas. Por isso, certa
tarde, em que estávamos batendo bola, perto da casa da família Santana, fomos
avistados pelo padre Deusdete Craveiro de Melo, que era meu professor de
Português, no segundo ano ginasial, e diretor do Colégio Antônio Freitas. O
padre, de dentro do seu famoso fusca, me perguntou a razão de estarmos jogando
na rua. Expliquei-lhe que o nosso campo fora fechado.
Ele, então, sugeriu que fizéssemos outro, na frente do
cemitério velho, conhecido por cemitério dos ricos, como se a morte fizesse
algum tipo de distinção social, e acrescentou que nos daria uma bola de couro,
as traves, apito, e os tornos para marcação do campo. Liderei os garotos da
vizinhança e fizemos o campo. O padre cumpriu a promessa, inclusive mandando
fincar as traves e os tornos.
Diante disso, fiz uma carta ao Armazém Paraíba, narrando
esses fatos, e pedi uma equipe de um time de futebol. Um ou dois meses depois,
quando eu já perdia a esperança, a empresa mandou deixar a farda do Santos em
minha casa. Depois, encetei uma campanha para a aquisição dos calções, o que
também deu certo. Pouco depois, minha família retornou a Campo Maior, mas tenho
notícia segura, através de meu amigo Francisco Costa, freitense, fiscal do
Estado e radialista, de que esse campo ficou em atividade durante muitos anos.
De modo que, respondendo à pergunta do magistrado Carlos Dias, paulista e torcedor do Santos, posso dizer que sou santista desde menino, desde que joguei num time chamado Santos, que ajudei a criar, na aprazível e querida cidade de José de Freitas, outrora Livramento.
9 de abril de 2010
O impressionante é a identificação do ora leitor com os fatos narrados nesta crônica saudosista e com o final feliz. Pois, voltei instantâneamente no tempo. Recordar é viver. Até breve.
ResponderExcluirAmigo Fabrício, muito obrigado por suas belas palavras, que me lustraram a alma.
ResponderExcluirQue delícia de texto, opss , uma obra prima. Também morei em José de Freitas e tenho ótimas lembranças de lá!!!
ResponderExcluirNice post thank you Nichole
ResponderExcluir