domingo, 4 de setembro de 2022

Seleta Piauiense - Hardi Filho

 

Fonte: Google

Os (A)normais (*)

 

Hardi Filho (1934 - 2015)

 

Os poetas têm

a cara suja de sonho,

um ar absorto

e olhar de quem ama.

Os poetas têm

uma aparência imbecil

que incomoda os normais

do tempo e da moda.

Os poetas incomodam

os normais

que fazem as guerras

fria e quente;

os normais

que explodem o povo

descaradamente;

os normais

que sugam e massacram

as massas torpemente;

os normais

que usurpam o poder,

torturam e matam

corpo e mente.

 

Por tudo isso os (a)normais

do tempo e da moda

abominam

e temem os poetas:

essa constante ameaça de amor.

 

Brasil – 1979

Fonte: Teoria do Simples – Projeto Petrônio Portella - 1986

(*) Em minha crônica memorislística Tempos Republicanos, conto o seguinte sobre esse belo poema de meu saudoso amigo Francisco Hardi Filho:

Era um casarão antigo, meio fantasmagórico, onde antigo morador, um engenheiro, havia suicidado. Numa das portas, fora escrito um belo, porém elegíaco, melancólico poema da autoria de meu amigo Hardi Filho, em que a tinta parecia escorrer, como gotas de sangue. Nesse vetusto solar, de história trágica, escrevi o meu poema A Casa no Tempo, infestada de esgarçantes rasga-mortalhas, de esvoaçantes e lúgubres morcegos, de almas penadas, de correntes arrastadas, de gemidos e ruídos misteriosos.

 

Nessa casa, hoje demolida, a república foi extinta, em virtude de casórios e do retorno do Nadal ao Paraná, sua terra natal. Mas, em minha saudade, a casa com a república, como digo no meu poema, “... sempre persistirá / nas músicas passionais de algum boteco / criando ressonâncias que repercutem / insistentemente como eco”.    

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