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LEITURAS
COMPARTILHADAS DE HISTÓRIAS DE ÉVORAS
DE ELMAR CARVALHO
Francisco Carlos Araújo
O LENDÁRIO ZÉ LOLÔ
(Capítulo XVIII, páginas 87 a 90)
Por que
escolhi esse texto?
De
certa forma, a decisão de escolher esse texto se deu por três motivos.
Primeiro, porque o assunto nos leva a lembrar as “histórias de assombrações”
que ouvimos quando criança e na adolescência. Eu, quando ainda muito pequeno,
testemunhei pessoas adultas falando da existência de criaturas sobrenaturais
que andavam perambulando pelas matas, ruas, estradas, rios. Falavam que já
tinham visto, por exemplos, o lobisomem, caipora, a mulher chamada não-se-pode,
o cabeça de cuia etc. Essas histórias, naturalmente, nos causavam muito medo
nesta nesse faixa etária, e, talvez também, junto às pessoas adultas. Esses
boatos nos deixavam mais quietos em casa; evitávamos demorar na rua um pouco
mais durante à noite.
O
segundo motivo, deve ao fato de eu ter escrito uma crônica memorialística
alusiva à minha adolescência quando minha família ainda residia no bairro
“Morro da Esperança”, zona norte de Teresina, no final da rua Alcides Freitas,
bem próximo ao rio Poti, onde fica localizado o “Monumento Motorista Gregório”
(na época inexistia a Av. Marechal Castelo Branco). Nesse texto, intitulado “O
MORRO DOS VENTOS DA ESPERANÇA” (Capítulo IV, págs. 249/253 do nosso livro “O
MENINO, O RIO E A CIDADE”), eu falo de algumas de minhas lembranças, dentre
elas um boato de um certo lobisomem que aparecia em um beco que servia de
travessia entre as ruas Alcides Freitas e Manoel Domingos.
E
por último, escolhi o mencionado texto por ser um tema instigante,
interessante, e, principalmente, por se tratar de um gênero da literatura
chamado de Realismo Fantástico, ou Realismo Mágico. Poderia ter escolhidos os
textos dos capítulos XXII e XXIII (A serra encantada 1 e Serra encantada 2) que
também se enquadram também nesse gênero. Mas, pelas razões já conhecidas,
preferi mesmo foi o “O LENDÁRIO ZÉ LOLÔ!”.
Antes
iniciar meus comentários, quero salientar que Histórias de Évora do poeta e
romancista Elmar Carvalho é, segundo minha opinião, um dos melhores romances de
autores piauienses que li nesses últimos cinco anos. O autor do premiado livro
Rosas dos Ventos Gerais, Noturno de Oeiras, Cromos de Campo Maior, Lira dos
Cinquentanos, Confissões de um Juiz, foi muito feliz nesse desafio de escrever
ficção e estrear no gênero do romance. Veja o que disse o ilustre escritor
piauiense e pós-doutor em Literatura Brasileira Cunha e Silva Neto sobre o
romance Histórias de Évora:
“Preferindo
seguir a linha de uma ficção de corte mais tradicional, até na linguagem, com
ressonâncias de autores portugueses ou brasileiros, mas ao mesmo tempo
incorporando ao seu texto contribuições da narrativa contemporânea, (...),
Elmar Carvalho logrou êxito nessa combinação do antigo com o novo, o que, de
certa maneira, sem forçar, se poderia aduzir que na obra em questão existem
traços distintivos inegáveis de pós-modernidade.”
Ainda sobre o romance Histórias de Évora, o
escritor maranhense de Presidente Dutra/MA e Coordenador do blog Folhas
Avulsas, Dr. José Pedro Araújo Filho, manifestou-se da seguinte forma:
“
(...). Agora, não satisfeito com tudo o que já fez pela literatura piauiense,
vem o trovador nos surpreender com uma obra romanesca: Histórias de Évora. E
Elmar Carvalho vem até nós, munido da sua fonte inesgotável de criação,
presentear-nos com uma obra ficcional de estreia densa e deliciosa.”
Mas
deixemos para os críticos literários e estudiosos a incumbência de analisar e
estudar essa magnifica obra do escritor Elmar Carvalho: Histórias de Évora.
Agora, vamos ao que me cabe
nessas Leituras Compartilhadas de Histórias de Évora de Elmar Carvalho, que é
comentar o texto intitulado “O LENDÁRIO ZÉ LOLÔ”.
(Iniciar a leitura O
LENDÁRIO ZÉ LOLÔ - Capítulo XVIII, páginas 87 a 90)
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O
REALISMO FANTÁSTICO OU REALISMO MÁGICO
Conforme
eu disse anteriormente, o referido texto se enquadra no gênero literário
conhecido como Realismo Fantástico ou Realismo Mágico. E o que significa esse
gênero?
Segundo
um estudo¹
de Carolina Marcello, Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes, que
o Realismo Fantástico ou Realismo Mágico surgiu no século XX, e que até hoje
arrebanha cada vez mais um público maior de admiradores desse gênero.
Paulatinamente,
esse gênero literário foi sendo divulgado pelo mundo, inclusive influenciando
grandes escritores europeus como Franz Kafka ao escrever seu livro Metamorfose,
e Milan Kundera.
O
Realismo Fantástico é, conforme a mestre Carolina, uma mistura da “visão
realista do mundo com elementos mágicos que são inseridos em cenários
cotidianos.”
¹ Documento de autoria de Carolina
Marcello (localizado na internet).
O realismo
fantástico se manifesta nas artes, inclusive na literatura, onde os elementos
da realidade se combinam com a fantasia, sonho e magia, engendrando uma
produção harmônica. Por exemplo, fatos históricos ou mitológicos, lendas e
folclore se combinam para produzir algo inédito, com o objetivo de analisar
outros conhecimentos da realidade, utilizando-se de representações diferentes
da ordenação lógico-científica.
No mesmo
documento, Carolina Marcello elenca as principais características do Realismo
Fantástico:
- Alguns
elementos da ordem do fantástico são inseridos em cenários realistas e
cotidianos, como se fossem comuns;
- Esses
elementos são encarados com alguma naturalidade, sem provocarem grande
surpresa, choque ou apreensão;
- Não existe
uma explicação racional para os acontecimentos fantásticos, que apenas ficam
abertos a interpretações subjetivas;
- O tempo não
é tratado de forma linear, podendo estabelecer ligações entre o presente e o
passado, como se os eventos ecoassem entre si;
- Está relacionado
com temas ou figuras que fazem parte do imaginário comum de um determinado
local, muitas vezes integrando suas crenças e mitos.
Na literatura
latino-americano, os autores que se destacaram no realismo fantástico ou
realismo maravilhoso são Gabriel García Marquez (Cem anos de solidão)
e Jorge Luis Borges (Ficções, livro de contos,
e O livro dos seres imaginários), Mario Vargas Llosa, Julio Cortázar
e Isabel Allende.
No
Brasil, o primeiro autor a escrever o gênero realismo fantástico foi o mineiro Murilo
Rubião, com seus contos narrando histórias de dragões e coelhos falantes,
cenários de remotos reinos, seres esquisitos, bem como descrições de cenários
do quotidiano, destacando epígrafes bíblicas na abertura dos contos. O seu primeiro livro foi “O Ex-Mágico”,
em 1947.
José J.
Veiga, natural de Corumbá de Goiás (GO) é outro grande nome do realismo
fantástico brasileiro. Veiga escreve suas histórias baseadas narrativas faladas
no cotidiano para criar novos espaços fantásticos em pequenas cidades
situadas em distantes lugares, que são invadidas de forma surpreendente por
seres extraterreste, cães, bois.
No Piauí, o
romance de ficção intitulado FLOR MARIA do escritor teresinense Joseph Paz,
publicado recentemente, se enquadra, salvo melhor juízo, perfeitamente no
gênero do realismo fantástico ou realismo mágico. O autor mistura folclore,
seres sobrenaturais e religiosidade com a história da Revolta da Balaiada com
um resgate de uma bela moça que residia com seu pai em São José das Cajazeiras,
na margem esquerda do rio Parnaíba, atual de cidade Timon.
O sequestro
foi praticado por um chefe de um bando de revoltosos de nome Raimundo, que
tinha o apelido de Cara Preta. Seu esconderijo ficava situado em algum lugar da
Chapada do Corisco, hoje Teresina, capital do Piauí. O pai da moça e um oficial
do exército de Duque de Caxias, aquartelado em Caxias, resolveram resgatá-la. O
escritor descreve fantásticos relâmpagos que caem repentinamente atacando esses
dois valentes homens. No final do romance acontecem coisas extraordinárias
como, por exemplo, o aparecimento de “seres parecidos com o cabeça-de-cuia,
sendo mais alto do que os homens, com escamas na coluna, entre elas, duas
enormes entre os braços e o tronco, que pareciam asas. Também possuíam olhos
verdes, peles caboclas ou cafuzas ou negras, revestidas de plantas fluviais.
(...) Eles pulavam dos rios como fogos de artifícios e entravam na mata a
correr, saltavam nas copas das palmeiras, quase voavam e levavam chicotes
grossos feitos de cipós verdes e vermelhos para laçar os homens.”
Ainda
sobre esse gênero da literatura no Piauí, o ilustre escritor e poeta Elmar
Carvalho vem contemplar aos leitores, amantes do realismo fantástico ou
realismo mágico, no seu livro HISTÓRIAS DE ÉVORA com três extraordinários
textos. O primeiro, intitulado O lendário Zé Lolô (Capítulo XVIII). O segundo,
A serra encantada 1 (Capítulo XXII. E por último, A serra encantada 2 (Capítulo
XXIII).
O Capítulo XVIII trata de uma
história fictícia ocorrida em Évora sobre um homem de nome José Malaquias, mas
é conhecido como Zé Lolô, onde muitas pessoas da cidade acreditavam que ele se
transformava em um lobisomem. O homem era negro, “cabelos e barba eram
desalinhados, opacos e duros como crinas de cavalo. O caminhar era desengonçado
e bamboleante como o de um símio.” Sobre outras características daquele
estranho homem, o romancista Elmar Carvalho foi incisivo em seu texto:
“De estatura
abaixo da mediana; no entanto era forte, entroncado e de membros grossos e
curtos. Tórax musculoso e repartido. Os bíceps eram avantajados, como se fossem
os de um pequeno Maciste, que eu conhecia através da tela panorâmica do velho
Cine Galileia. Trajava uma esgarçada camisa de mangas curtas, aberta ao peito,
o que deixava à mostra os braços e o peito de densos pelos hirsutos.”
O ponto
culminante desse texto se dá quando um certo caçador de nome Francisco Cardoso
narrou ao Marcos Azevedo, protagonista do romance Histórias de Évora, uma
fantástica história sobre o Zé Lolô. Cabe aqui ressaltar que Marcos procurou o
mencionado caçador para obter subsídios sobre aquele estranho homem que diziam
que virava lobisomem, uma vez que o nosso protagonista decidira escrever uma
série de artigos sobre algumas figuras lendárias populares e folclóricas de
Évora para serem publicados em um periódico mimeografado e também no jornal
mural da sua escola.
Conforme o referido texto, o tal caçador
narrou ao Marcos essa misteriosa história, que transcrevo a seguir:
“ (...) que
certa feita foi fazer uma caçada, numa noite de quinta para sexta-feira. O céu
estava um tanto nublado, e nem sempre a lua cheia se mostrava em toda sua
glória. Mas, no momento em que os cachorros latiram desesperados, a acuar um
bicho, ela saiu de uma grande nuvem escura, e brilhou com toda intensidade. O
caçador viu que eles rodeavam um grande animal, de espécie que ele jamais vira.
O bicho era
peludo e tinha o tamanho de um urso, embora não fosse gordo e demonstrasse ter
muito mais velocidade e agilidade. Em determinado momento, o homem viu as suas
orelhas grandes e pontudas, e os seus olhos brilhantes e vermelhos como dois
tições em brasa viva. Apontou-lhe a arma e atirou. A assombração, que só podia
ser um lobisomem, soltou um alto e pavoroso esturro de ódio e dor. Deu um
enorme pulo por cima dos cães, e seguiu mata adentro como um raio. As pegadas
eram enormes e não se pareciam com a de nenhum outro bicho da região.”
O caçador jurava,
com “a mão sobre a bíblia”, o que acabara de contar não era mentira, e que o
bicho que ele viu na mata era um lobisomem, ao tempo em afirmava que aquela
horrenda criatura era o Zé Lolô, pois dias depois este apresentava com um ferimento
no ombro. No entanto, o caçador com receio de ser chamado de tolo, concluía sua
narração declarando que talvez fosse “história de caçador”.
CONCLUSÃO
Conforme
o exposto acima, o texto O LENDÁRIO ZÉ LOLÔ se enquadra perfeitamente no gênero
da literatura chamada de realismo fantástico ou realismo mágico, uma vez que a narrativa
contada pelo emérito escritor e poeta Elmar Carvalho em seu livro de romance
HISTÓRIAS DE ÉVORA contém todos os elementos ou características que esse gênero
exige. De igual modo, os textos correspondentes aos capítulos XXII e XXIII (A
serra encantada 1 e A serra encantada 2), constantes nesse mesmo livro também
se revestem das referidas características do realismo fantástico.
Parabéns, Dr. Elmar Carvalho.
Como a gente aprende e revive nossa cultura com o realismo fantástico. Obrigado, Elmar! Parabéns!
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