Medalha do Mérito Conselheiro Saraiva
Recebi ontem, à noite, a Medalha do Mérito Conselheiro
Saraiva, juntamente com várias outras pessoas, de diferente áreas de atividade, entre as quais o odontólogo, professor da UFPI e acadêmico (APL) Plínio Macedo.
A honraria foi entregue pelo prefeito Dr. Pessoa. Estavam presentes os agraciados e
vários de seus familiares, bem como vários gestores da prefeitura de Teresina e
alguns dos membros do Conselho para concessão da Medalha, dentre os quais Reginaldo
Miranda e Fonseca Neto, ambos meus confrades na Academia Piauiense de Letras.
Falou em nome de todos os homenageados o médico Carlos Iglesias, com muita
eloquência e pertinência, enaltecendo o sentimento de gratidão de todos nós.
Sou radicado em Teresina desde agosto de 1982, mas nesta cidade estive em vezes anteriores, desde a minha meninice.
Julgo oportuno transcrever abaixo minha crônica "As fontes luminosas da Frei Serafim", como uma forma de homenagem a esta amada, bela e mesopotâmica cidade:
As fontes luminosas da Frei
Serafim
Elmar Carvalho
No começo de 1975 fiz curso de
três meses no Centro de Treinamento Correio Paulo Bregaro, no Recife, para
posterior ingresso no quadro de servidores da ECT – Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos. Na Mauriceia ou Veneza Brasileira, fiz poema em que
exaltei a sua beleza; recitei-o em auditório, fui o orador de minha turma, e,
jovem, entusiasmado, com a poesia a borbulhar em meu cérebro, quase me sentia o
próprio Castro Alves, quando passava pelas velhas pontes e me deslumbrava com o
Teatro Santa Isabel e os velhos sobrados.
Mas logo retornei a Campo Maior e
nunca mais revi o Recife, a não ser nos versos de Manuel Bandeira. Em junho
desse ano fomos morar em Parnaíba, que me encantava com as suas belas praças da
Graça e de Santo Antônio, com seus belos e suntuosos solares, e sobretudo com a
sua rica e linda paisagem natural. Contudo, já em 15 de setembro de 1975,
assumi o meu cargo de monitor postal em Teresina, onde passei a residir até o
início de 1977, quando fui cursar Administração de Empresas (UFPI) em Parnaíba.
Meu pai pediu a uma prima dele
que me hospedasse por um ou dois meses, até eu receber meus primeiros salários
e pudesse pagar uma pensão. Assim foi feito. Essa família que me acolheu morava
na Avenida Frei Serafim, quase defronte ao cruzeiro, perto do antigo seminário,
quando o logradouro começava a descer uma ladeira, levemente curva, em direção
à ponte sobre o Poti, que então era uma só. Após esses dois meses, me mudei
para a pensão de dona Teresinha Cardoso, localizada na “baixa da égua”, perto
da Casa Saló, da Praça do Liceu e da sede do Sambão, onde conheci figuras
interessantes; mas aí já seriam outras histórias ou outros quinhentos.
Voltemos, pois, à bitola delineada pelo título.
O primeiro governo de Alberto
Silva já melhorara bastante a urbanização de Teresina, com a construção de
grandes edificações e obras estruturantes, inclusive abrindo novas e arrojadas
avenidas. Melhorou a iluminação de antigas praças e ruas. Construiu o estádio
Albertão, chamado pela crônica esportiva de o “Colosso da Redenção”, em referência
ao bairro onde foi edificado.
A Frei Serafim foi uma das
avenidas que passou por um verdadeiro processo de embelezamento. E todo dia,
durante esses dois meses, mais ou menos, eu a percorria a pé, em quase toda a
sua extensão, do cruzeiro até um pouco depois da imponente igreja de São
Benedito, quando ia para os Correios, ou quando dessa empresa federal voltava
para a casa de meus parentes.
Na casa de meus anfitriões, aos
dezenove anos, tive um bom e grande contato com a literatura e a história piauienses.
Eles tinham dois livros do Herculano Moraes – Visão Histórica da Literatura
Piauiense e Nova Literatura Piauiense (1975), ambos editados pela editora
Artenova (salvo engano), do poeta piauiense Álvaro Pacheco – e Trechos do Meu
Caminho, obra memorialística do barrense Leônidas de Castro Melo, editada pela
COMEPI. Depois consegui um exemplar deste último, que considero um dos melhores
livros de memórias, que vim a ler e reler com muito gosto, e sobre o qual
escrevi uma crônica, publicada na internet.
Os livros do Herculano, apesar de
eventuais senões, que se lhe queiram apontar, me proporcionaram o meu mais
abrangente contato inicial com a literatura do Piauí. Passei a conhecer a
biografia de seus principais escritores e poetas, e li antológicos textos de
nossos mais festejados literatos. Assim, posso dizer que o Herculano Moraes,
que só vim a conhecer pessoalmente nos anos oitenta, me prestou um grande
serviço no final de minha adolescência.
Retomando minha temática
principal, repito que percorria a Frei Serafim quatro vezes ao dia nos dois
turnos de meu trabalho, contando a ida e a volta. Um dos turnos terminava às dez
da noite. Numa das vezes em que eu retornava, por volta das 22 horas, quando já
estava no quarteirão anterior à residência, me deparei com um linda, esbelta e
alta mulata, que me olhou com certa intensidade e insistência.
Vencendo a minha timidez, quando
nos contatos iniciais, a abordei. Não querendo desta feita entrar em detalhes,
direi apenas que descemos, os dois já aconchegados, a ladeira que ia em direção
ao rio Poti. E em terreno baldio que ficava, creio, entre o estacionamento da
Unimed e os edifícios em homenagem aos poetas Torquato Neto e Mário Faustino,
pude desnudar aquele monumento em forma de mulher. Ninguém, nada, nenhum
bandido ou inseto nos incomodou.
Ante suas caprichosas curvas e
volutas voluptuosas, esmeradas, senti um alumbramento, o mesmo que deve ter
sentido o poeta Manuel Bandeira, quando viu uma mulher nuinha em flor pela vez
primeira. Ainda a tive em meus braços mais uma ou duas vezes. Numa dessas
ocasiões, sem que eu nada lhe perguntasse, ela me confessou que saía para esses
encontros não era em troca de nada, mas apenas por prazer e por amor. Não mais
a revi. Mas dela me ficou a lembrança de um amor lírico, livre, sem conforto e
sem colchão, sem cetim e sem espuma. Feito na terra desnuda, sob a luz das
estrelas, dos vaga-lumes e entre matagais.
Como dito, todo dia eu caminhava
com meus passos jovens, apressados e vigorosos na avenida, então revitalizada e
ornamentada, com pedras portuguesas, elegante sistema de luminárias, com
canteiros e fontes luminosas, um verdadeiro bulevar. Eu preferia seguir pelo
passeio central, para mais forte sentir o frescor verdoengo das sombras das
árvores e os respingos refrescantes das fontes luminosas, que então jorravam
com muita força e beleza.
E jovem, emotivo e sentimental, cheio de esperança e de poesia, ao passar pelas fontes e ao vislumbrar as copas das árvores, que formavam uma exuberante alameda, eu julgava atravessar um espécie de arco triunfal do simples e puro existir, com amor e alegria, sem ambição por cargos e nem ganância por metais, porém com a mente referta de sonhos e quimeras.
Que bela descrição de parcela da nossa querida Teresina! A crônica me trouxe uma imagem perfeita dos acontecimentos. Parabéns, Elmar!
ResponderExcluirMuito obrigado, caro Gerson, por seu comentário, mormente por ser você teresinense e um intelectual de escol.
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