quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

No que os apontamentos de um ex-imperador romano, depois de várias centenas de anos, e o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, são úteis para ensinar a respeito de nossa necessária reflexão na virada de ano?



No que os apontamentos de um ex-imperador romano, depois de várias centenas de anos, e o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, são úteis para ensinar a respeito de nossa necessária reflexão na virada de ano? 

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)

 

Realizar anotações ou reflexões pessoais, é um antigo hábito e prática dos grandes estudiosos da alma, dos pensamentos e da saúde mental humana, como podemos citar os escritores e poetas – sabidamente, mestres neste ofício, através dos seus personagens, paisagens, momentos, sensações e sentimentos -.

 

Também, neste rol, abranjo os cientistas e pesquisadores da mente humana, filósofos, os bons roteiristas (ou diretores) de clássicos do cinema, dentre outros profundos conhecedores da matéria. 

 

E, nestes dias, apesar de ser um calouro na área, refleti a respeito, trazendo, por consequência, a pergunta simples, clássica e recorrente quando chegamos ao final de todo o ano:

 

- O que poderíamos tirar como lição do ano que está a acabar (2022)?

 

Um exercício simples e comum é o de escrever um pequeno registro ou rascunho dos eventos pessoais mais importantes do ano que passou (seria como uma espécie de chave bastante prática e acessível para o subconsciente).

 

A oração, meditação, a reza e o simples ato de ficar a sós sem às distrações eletrônicas e da vida moderna, podem ser medicinais, dizem.

 

Ocorre que, vivemos realmente (ou é virtualmente?) em tempos estranhos.

 

E, neste aspecto, convém lembrar o tema da desumanização do homem causada pela elevada e constante aceleração das inovações tecnológicas e industriais, substituição do ser humano por máquinas e suas polêmicas contradições, como foi descrito, dentre outras questões, pelo genial Charles Chaplin, no clássico Tempos Modernos, a despeito da película ser de 1936.

 

Seria um prelúdio? Talvez sim, talvez não.

 

Por vez, de uma forma caricata, o personagem Carlitos, em Tempos Modernos, no seu descontentamento com a fábrica e o sistema de trabalho que exercia, nos mostra em tons irônicos, uma profunda mensagem a respeito da desumanização e a perene necessidade do refúgio interno para reflexão como remédio para alguma de nossas aflições e descontentamentos trazidos pelos males da vida moderna, penso.

 

Não por isso, trazendo para o hoje, o exagero de informações (in) úteis na internet e a alta exposição pessoal nas redes sociais, ao tempo que nos distrai das aflições e angústias cotidianas, ao fantasiar a nossa vida através dos momentos alheios, serve para aproximar pessoas distantes geograficamente e liberar substâncias e hormônios agradáveis por meio da viagem pelas telas.

 

De outro lado, mas de forma paradoxal, há o excesso tecnológico que provoca o entorpecimento ao ponto de desprezarmos a não somenos importante prática do autoconhecimento e reflexão (ou do retiro dentro de si) a respeito do nosso mundo real.

 

Incluo, além disso, o chamado metaverso, que é um universo virtual que busca reproduzir a realidade usando tecnologias como realidade virtual.

 

Como exemplo, não precisarei abraçar afetuosamente alguma pessoa na realidade, porque estarei dentro deste mundo paralelo virtual e, como um passe de magia (ou apetando o mouse), o meu “avatar” ou boneco virtual poderá me representar (ou seria presentar?) neste momento tão profundamente humano.

 

Claro que, segundo pregam os defensores do invento, estarei sempre no controle do meu “avatar”, que possui um sem número de vantagens, como ter propriedades no referido mundo, ir às compras, e as coisas seguem assim...

 

Já penso na situação inusitada de um pobre cidadão (como Carlitos) estar esfomeado na vida real e, como um “toque de midas”, ser gentilmente conduzido ao tal do metaverso para receber um grande banquete para ficar sem fome...

 

Ou, como a figura dramática de Carlitos, em Tempos Modernos, aborrecido por fazer a mesma coisa no trabalho e, num belo dia, ingressar no metaverso para tornar-se um grande aventureiro e desbravador dos sete mares, escalando montanhas ou fazendo um grande tour pelo mundo.

 

Menos pior, aqui concordo com uma utilidade, se as guerras ou brigas sanguinárias forem ajustadas e resolvidas pacificamente e exclusivamente neste universo paralelo, rogo...

 

Seria bom, apesar de o invento ser mais propriamente uma fuga efêmera e paliativa para uma realidade artificial, fictícia e volátil criada por grandes conglomerados empresariais... E os efeitos sobre a mente humana são totalmente incertos.

 

Com isso tudo, após analisar alguns trechos do filme de Chaplin, refletir a respeito da internet, os dilemas das redes sociais e do tal metaverso, chamou-me à atenção sobre a vida e obra do ex- imperador romano Marco Aurélio (governou entre os anos 160 e 180 D.C.), que levava a tiracolo um simples caderno de anotações ou diário (este batizado, mais tarde, de “Meditações”).

 

Na verdade, é uma série de reflexões pessoais escritas disciplinarmente por este ex-imperador para o conhecimento de si (ou da alma) durante suas aflições e descontentamentos quando governava e tentava conservar seu gigantesco e complexo império.

 

Tal hábito de rever constantemente seus atos, pensamentos e o mundo ao redor praticado pelo líder romano seria um mero acidente de percurso, ou o motivo de sua venerada administração do império? O fato é que o peso de seu cargo era enorme.

 

Neste ponto acima, deixo para os historiadores profissionais, mas o fato é que Marco Aurélio fazia parte da Dinastia Antonina (muito falada por ter sido um período de estabilidade e paz no Império Romano, apesar dos grandes desafios).

 

Voltando ao diário de Marco Aurélio, o tema do diálogo interior é, por este, muito bem explorado, sobretudo, quando aborda, de forma simples, a complexa e atual questão a respeito da necessidade da análise individual interior e o descontentamento humano:

 

 "(...). As pessoas buscam para si refúgios, casas de campo, praias e montanhas; e tu também desejas isso intensamente.

Mas isso toca inteiramente as mais vulgares entre as pessoas, pois depende de tua vontade, a qualquer momento, fazeres o retiro para dentro de ti mesmo.

Com efeito, em lugar algum, seja em busca de mais tranquilidade, seja visando distanciar-se de negócios e atividades, consegue uma pessoa mais refúgio que dentro de sua alma, isso, sobretudo, quando abriga dentro de si pensamentos cuja contemplação lhe transmite imediatamente completo conforto; digo, a propósito, que conforto ou tranquilidade não é outra coisa senão uma boa ordem [da alma].

Portanto, proporciona a ti continuamente esse refúgio e renova a ti mesmo; e que teus princípios sejam concisos e possuam caráter elementar, para que, tão logo recorra a eles, bastem para repelir por completo a aflição [da alma] e te enviar de volta sem descontentamento às coisas ás quais retornas. (...) [In Marco Aurélio, Meditações, EdiPro, Livro IV, pág. 41].

 

Penso que, Marco Aurélio, no trecho, apesar de várias outras interpretações possíveis, ponderava que os refúgios externos ou distrações materiais não poderiam suprir a necessidade inata humana do exercício do autoconhecimento e reflexões constantes para fins de reparar às aflições ou descontentamentos.

 

E, neste ponto - no que tange a paz interior pelo habitual autoconhecimento e auto-observação - ao que tudo indica, ele era um verdadeiro mestre na teoria e na prática, em virtude do estoicismo, do qual era um aplicado estudante desta filosofia.

 

Porque, ao que tudo indica de parte da obra, aquilo que estava sendo necessário desbastar ou renovar, através da escrita ou íntima reflexão, apesar de ser, às vezes, angustiante, ressurgia, de uma forma ou outra, das profundezas de sua mente (da alma), a despeito da profusão de distrações e responsabilidades que possuía, como guerras, revoltas internas e uma grande burocracia estatal para administrar.

 

Logo, como o ex- imperador, o presente momento para rever o que acertou, alegrou-se, errou e sofreu é deveras benigno. Lembrando ou redefinindo a rota a tomar, se for o caso. Comemorar pequenas conquistas. Tentar substituir mágoas e desilusões por novos projetos, dentre outras opções.

 

Afinal, é (sempre) tempo de evolução e renovação pelo autoconhecimento e reflexões, como anotou e praticou o grande ex-imperador romano e, mais recentemente, retratou Charles Chaplin.

 

Sigamos sempre refletindo e meditando, através, se for o caso, de anotações em um simples caderno.

 

Feliz 2023.

(*) Advogado e escritor.   

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