Poeta, contista, cronista, romancista, memorialista e diarista. Membro da Academia Piauiense de Letras. Juiz de Direito aposentado. *AS MATÉRIAS ASSINADAS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES, E NÃO TRADUZEM OBRIGATORIAMENTE A OPINIÃO DO TITULAR DESTE BLOG.
quinta-feira, 2 de novembro de 2023
Caçando Pedrinho
Caçando Pedrinho
*Fabrício Carvalho Amorim Leite
E era onça mesmo!
Com isso, inicia-se a saga de Pedrinho e sua turma, no Sítio do Picapau Amarelo, de Lobato, preparando-se para a arriscada aventura de enfrentar a famosa e terrível onça da Toca Fria, em Caçadas de Pedrinho.
A sequência é violenta, com tiros de canhão, facas e coronhadas. Nos últimos momentos do animal, assim atacada de todos os lados, a onça não teve remédio senão morrer. Estrebuchou e foi morrendo. Quando deu o último suspiro, Pedrinho, no maior entusiasmo de sua vida, entoou um canto de guerra: - Ale guá, guá, guá...
Hoje, vejo a narrativa com um tiquinho a mais de maturidade. Afinal, é uma obra de 1933. E a selvajaria ainda é própria dos humanos.
No entanto, há um fetiche em cravar as garras na obra de Lobato, sob a batuta da onipresente, e radical patrulha do cancelamento.
São sentimentais (ou afoitos ao julgar), e colocam o Sítio na mira das teclas e críticas.
Caçam as palavras politicamente incorretas ou ofensivas - e conseguem, às vezes, fazer com que editoras cortem trechos devido à pressão econômica.
Como bisbilhoteiro que sou, descobri que há sessenta e cinco palavras relacionadas a caça, caçadas, caçadores e setenta menções a onças em Caçadas de Pedrinho.
Em seguida, imaginei o título da obra sendo abatido pelo safári digital, transformando-se em “(Caçadas) de Pedrinho”, tachado.
Acaso, se houvesse a revisão da obra, cortando-se só essas palavras, jamais liberariam a tal caçada do infrator Pedrinho, dando-lhe, de brinde, um belo sermão e conduzindo todos ao delegado.
Não seria incrível criar uma Delegacia de Censura de Diversões Públicas na Internet (DCPI), seguindo-se com o parecer: “O presente livro, retrata maus-tratos contra uma onça indefesa, cometidos por crianças, em um livro infantil, com linguagem bastante antiecológica e cruel para o século XXI. Portanto, ao nosso ver, opinamos pela Não Liberação”.
Felizmente, mesmo com risco de Lobato, Pedrinho e sua turma serem caçados e cancelados, não considero ofensivo para as crianças lerem o texto original. Isso porque a formação de um bom leitor crítico requer a premissa de não aceitar tudo que lê.
Quando criança, assisti a muitos episódios do Sítio e, mesmo assim, não me tornei um exímio caçador de onças ou especialista no ramo de safáris.
Aliás, não sou de gabolices. E o mais próximo que chego de ser um bom caçador é atirar com espingarda de chumbinho em circos, abatendo bombons e chocolates.
Ah, como amaria que Emília, com seu pó de pirlimpimpim, me transportasse para o Sítio do Picapau Amarelo original, me livrando desta tediosa e cruel expedição de caça.
E era Pedrinho mesmo!
(*) cronista e contista
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