De (pé) perto, ninguém é normal
*Fabrício Carvalho Amorim Leite
Encontrei um velho amigo no shopping. Há anos, a vida nos jogou para lados diferentes. Eu me tornei um convencional gravatadinho, enquanto ele, o Heli, para minha surpresa, havia se transformado em influencer descolado, com um ótimo gogó e persuasivo, daqueles com milhares de seguidores.
Ao ver Heli, de imediato me lembrei do lance no parque. Heliogábalo, cujo nome por si só evoca muitos brios, era o mais franzino de nossa escola.
Por isso, como uma cadeia alimentar, atraía a atenção de um valentão que o perseguia sem trégua. Num dia (quase) trivial, o bambambã, cujo nome omitirei para não lhe dar cartaz, gritou:
- “Fale em voz alta, Heliogábalo, paralelepípedo! ”.
Pobre Heli, que, por medo, correu como uma gazela fugindo de um predador, perdendo seus óculos novinhos e encontrando abrigo no escuro túnel do escorrega-bunda, onde chorou até o final das aulas.
O cerco revelou a todos sua hipopotomonstrosesquipedaliofobia de Heli – o irônico termo médico para o medo de palavras longas e difíceis. Esse foi o motivo do meu espanto com a radical transformação do amigo.
A cena confirmou a minha suspeita de que todos nós temos pequenas “anormalidades”, obsessões ou medos. Por exemplo, até o meu gato Tigrão mostra sua birutice em nunca se alimentar na tigela, preferindo espalhar ração na terra antes de comê-la.
“Quem te ensinou esses modos, Tigrão? ”. Sempre pergunto, ousando decifrar os enigmas do subconsciente felino, apesar de sua pose de esfinge.
Não são apenas os humanos e gatos que têm suas esquisitices. Um pombo achou legal escolher que meu carro seria seu alvo, bombardeando-o todo o dia com a precisão de um caça F-35.
Outro amigo, talvez um CEO sobrecarregado, limita sua presença em qualquer atividade a exatos trinta minutos - como se um segundo a mais significasse um assalto a seu precioso tempo. E, talvez, até busque um dia a onipresença divina.
E há aqueles que, com a pandemia, foram contaminados por um medo quase cômico de maçanetas de banheiros, tornando engraçada a situação de entrarem nos banheiros, trancarem a porta, mas não conseguirem sair...
Neste momento, eu mesmo, curtindo os efeitos de uma psicose crônica, rabisco com rapidez uma lista megalomaníaca de manias e fobias de todos os que cruzam o meu caminho, imaginando-me um cronista das doidices dos humanos ou não humanos.
Assim, aqui estou eu, de pé em frente do espelho: “Caramba, vou adiar novamente a lista completa das manias e fobias”, - uma loucura (de escrever em pé) à Ernest Hemingway.
Melhor deixar para lá.
Afinal, de (pé) perto, ninguém é normal.
(*) cronista e contista
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