Conversa com o poeta Virgílio Queiroz
Elmar Carvalho
Conheço o poeta amarantino
Virgílio Queiroz desde meados dos anos 1980. Nessa época, num hotel da Avenida
Des. Amaral, situado numa das esquinas ao pé do Morro da Saudade, ele nos
contou anedotas jocosas de sua terra natal, em que as figuras populares e folclóricas
eram protagonistas. Era bem-humorado, bom de copo e de papo, como ainda o é.
Agora, ele me mandou a seguinte mensagem escrita, por WhatsApp:
“Já vivi e já morri por dezenas
de vezes e perdoem-me minha (in)credulidade. Não me interesso mais por questões
profundas sobre a vida e regimes políticos e sociais. Estou no fim e já baixei
a guarda. Não adianta lutar, a batalha é inglória. Os meus livros ficarão
inéditos e minhas ideias sepultadas. A vida vai continuar apesar dessa minha
metamorfose ambulante. E tudo passa e nós não morremos cedo ou tarde. Apenas
morremos. Como fênix morri e renasci. Agora, jogo-me ao fogo dos deuses do
esquecimento. Não haverá obra, não haverá sobra, apenas essa tolice de dizer
que apesar do ódio, existe o amor. Grande besteira que não chega nem à beira do
que posso pensar.”
Respondi-lhe haver notado certa
sombra de pessimismo em suas palavras, mas que talvez fosse apenas reflexo da
realidade pura e simples, que nos assola. Lhe disse já estar também um tanto
desencantado, mesmo com a literatura, que já não me dá o mesmo prazer que me
deu outrora, sobretudo nesta época em que já não temos bons leitores, em que
todo mundo virou escritor. Aduzi que não tenho prazer com o ato de escrever,
mas apenas com o texto final, quando algum leitor gosta, ou quando a minha
implacável autocrítica me indica que fiz um bom texto.
Virgílio respondeu:
“Realmente. Lembro-me que esse
‘pessimismo é moda em 73’. Naquele tempo existiam poucos cantores e bons
letristas. Poucos e bons. Hoje, muitos e poucos [bons]. Grandes
articulistas/jornalistas, embora pouco. Muito pouco. Hoje, milhões se dizem
jornalistas e, com eles, a falta de ética, de conhecimento, de
responsabilidade. De certa forma, acabou o pedantismo dos semideuses do saber.
É, estou entrando no fogo dos deuses do esquecimento."
Repeti que já não há leitores,
mas apenas escritores; que todo mundo se acha no direito de deitar falação
sobre tudo e sobre todas as coisas. Citei Umberto Eco: “As mídias sociais deram
o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar,
depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade”. Falei que a
Bíblia nos adverte para não chamarmos nossos irmãos de tolos, mas o fato é que
pessoas sem o devido preparo estão emitindo opiniões sobre assuntos complexos,
que não dominam ou não conhecem bem. Sem falar nas chamadas fake news.
Resolvi “me citar-me a mim
mesmo”: “Desmanchei / com minhas mãos / que os criara / os deuses em que cria”.
Expliquei que nos tempos bíblicos havia os ídolos de metais, de barro, de
madeira, mas que agora os ídolos eram cantores, políticos, moedas, carros,
roupas e outros abjetos objetos. Para ilustrar o que dizia, resolvi escrever o
poeminha abaixo, que imediatamente lhe enviei:
Meus ídolos
Eram de barro
E se
quebraram;
Eram de
madeira
E sem eira nem
beira
Se queimaram.
Meus ídolos
Eram somente
Ídolos e não
deuses.
Virgílio Queiroz, flamenguista
como eu, não poderia perder a deixa; matou no peito, chutou com força, de
forma rápida e certeira, e marcou um gol de placa, encerrando com chave de
ouro, cravejada de diamante e outras pedras preciosas, o nosso diálogo:
“'OS ÍDOLOS SÃO DE BARRO’. Aos
vinte anos eu lia Nietzsche e era repreendido pela minha irmã Fátima (de
saudosa memória). Ela, muito religiosa, não entendia esse meu gosto literário.
Para ela o ateísmo de Nietzsche se fazia presente em todo o seu pensamento e
obra, numa constante e inexplicável batalha contra os ensinamentos cristãos (o
ANTICRISTO). E eu, como forma de criar animosidade, dizia: os ídolos são de
barro."
“Meus amigos da COMPROMOTEC”, este é um bordão que uso há várias décadas, geralmente quando preciso fazer um anúncio bem humorado para amigos ou familiares. Mas a autoria da frase não é minha… o autor é o entrevistado da coluna, Virgílio Queiroz, na época (1982) coordenador da Comissão Provisória do Movimento dos Tecnólogos (Compromotec), na UFPI. Ele iniciava seus discursos em assembleias sempre com essa frase… Eu achei bem curioso e acabei assimilando-a em situações mais relaxadas - e nunca mais deixei de usar! Isso mostra o poder da palavra e sua imensa capacidade de se perpetuar! Abraços para os dois poetas!
ResponderExcluirMuito obrigado, caro Marcos.
ResponderExcluirUma realidade e assino embaixo...
ResponderExcluirEu gosto muito de ler e tenho uma Neta que é psicologa e gosta muito de ler e me incentivar pra.ler mais.Meu primo sou sempre sua admiradora.
ResponderExcluirParabéns aos dois amigos: Elmar e Virgilio
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