A MORTE DE JOSÉLIA
Elmar Carvalho
No domingo, Dia dos Pais, fui a
Campo Maior. Na casa paterna encontrei a minha irmã Maria José, que passou a
minhas mãos um envelope contendo vários recortes de jornais, que ela
cuidadosamente colara num papel de boa qualidade, de modo que esses recortes
estavam em perfeito estado de conservação. Eram pequenas notas tipográficas, do
final da década de 1970, dos jornais Folha do Litoral, Norte do Piauí e O
Estado.
A maioria continha poemas de
minha autoria, do final de minha adolescência. Alguns desses textos, embora não
os renegue, não os recolherei em livro. Havia breves notas sobre o lançamento
do livro Galopando, primeira obra a agasalhar meus versos, e que mais me causou
emoção, por isso mesmo. Também faziam parte do opúsculo os poetas Paulo de
Athayde Couto, Josemar Neres, Paulo Couto Machado e Rubervam Du Nascimento.
E havia, no meio dessa relíquia
de celulose, duas notas sobre o trágico acidente automobilístico em que faleceu
minha irmã Josélia, no apogeu de sua beleza e na plenitude de suas quinze
primaveras. Ali estava uma elegia que escrevi sob o impacto de sua morte, e que
se encontra estampada no meu livro Rosa dos Ventos Gerais. No meio desses
velhos papéis, havia um texto manuscrito, de que já não tinha a menor
lembrança, vazado em nervosa prosa poética, em que eu extravasava as minhas
emoções ao ferir essa tragédia familiar.
Josélia faleceu no dia 2 de julho
de 1978, e mal completara quinze anos de vida. Era bela. Era alegre. Era cheia
de vida. Sua alegria era verdadeiramente contagiante. Exercia feliz e natural
liderança sobre suas amigas. Soubemos que no último dia de aula, quando viriam
as férias de julho, ela abraçou todos os seus colegas de classe, um a um,
meninos e meninas, e lhes disse que fazia aquilo porque lhes desejava umas
férias tão alegres como as que ela teria.
Também escreveu num caderno uma
breve crônica em que pedia que, quando morresse, fosse posto um ramo verde
sobre seu túmulo. Parecia ter a premonição de que morreria no verdor dos anos.
E um ramo verde apareceu no local em que ela foi sepultada. E – quem sabe? -
talvez as suas férias, em outros infinitos páramos de Deus, tenham se
convertido numa eterna festa de paz e beatitude.
Recordo muito bem. Eu estava sob
uma das traves do estádio de futebol de Buriti dos Lopes, em minha posição de
goleiro, quando vi umas moças virem em minha direção. Reconheci que eram umas
amigas de minha família e de minhas irmãs. Logo, salvo engano, a Clotildes
Duarte me disse que minhas três irmãs haviam sofrido um acidente, mas que
estavam bem.
Quando percebeu que eu havia
assimilado o golpe, acrescentou que não iria me enganar; que a Josélia havia
morrido, e que seus parentes iriam me levar a Parnaíba, para eu ficar ao lado
de meus pais. Soube, depois, que meu pai, homem extremamente emotivo e
sentimental, ao saber da notícia estendeu-se no solo, prostrado, arrasado. Um
de meus irmãos teve a presença de espírito e inteligência emocional para cantar
uma música religiosa da predileção dele, que dizia para a pessoa segurar na mão
de Deus e ir em frente.
Imediatamente, o velho se
levantou e criou forças para fugir do desespero. Minha mãe, que sob certos
aspectos sempre fora mais forte e mais contida que meu pai, ficou arrasada, e
ficou prostrada por vários dias. No dia seguinte, o meu amigo Antônio Gallas
escreveu uma de suas Crônicas da Cidade, dedicada a Josélia, que era sua aluna.
O texto foi lido por Gilvan Barbosa, de bela e vibrante voz.
Dessa época, o poeta Jorge
Carvalho encontrou entre os pertences e pequenas lembranças de sua mãe um
pequeno impresso, em sua memória, que me repassou de forma muito atenciosa
através de e-mail. O diretor dispensou os alunos do Colégio Comercial, onde minhas
irmãs estudavam, e eles encheram a catedral, de onde saiu o cortejo fúnebre em
direção ao Cemitério da Igualdade, de nome tão sugestivo quanto apropriado.
Tentei ajudar a levar o caixão.
Mas como o senti pesado, embora minha irmã fosse tão leve em sua beleza
esbelta, em sua espiritualidade alegre. Acho que ele me pesou na alma, porque
eu sabia que aquela era uma viagem de onde não se regressa jamais. A não ser na
saudade dos que nos amam, dos que sentem a nossa falta.
Certamente por isso, meu pai
mandou gravar numa placa, que contém a imagem de seu rosto eternamente jovem,
os imortais versos de Da Costa e Silva: “Saudade! Asa de dor do pensamento!”
17 de agosto de2010
Belo texto! Muito sentimental, deste lamentável episódio que levou minha tia aos braços de Deus em tão tenra idade. Há poucos dias completou 46 anos este fato fatídico!
ResponderExcluirUma perda irreparável, éramos nove irmãos e sentíamos que nossos pais não iriam aguentar a perda de um filho, minha mãe muito católica. Perdemos uma irmã Séfora ainda na plenitude de sua vida, minha mãe com idade avançada foi poupada da triste realidade.
ResponderExcluirEmocionante texto. Josélia está no céu como um bonito troféu.
ResponderExcluirMuito obrigado, meus amigos, por suas lindas e reconfortantes palavras.
ResponderExcluirElmar Carvalho
Belo texto amigo, relembro desse triste fato relatado em seu livro, chamou-me atenção a intuição dela em saber da brevidade pela dimensão terrena. Que Deus a tenha sempre.
ResponderExcluirEverardo-Parnaiba-PI
Esse ramo verde nunca secou e nem secará, pois é memória de uma flor eternamente radiante. Marcelino Barroso
ResponderExcluirExcelente! Um emocionante texto. Fiquei parado, sentindo o vigor e a singeleza dos versos.
ResponderExcluirObrigado a todos os comentaristas.
ResponderExcluirUma dor dessa magnitude se estende pela vida afora, mas as lembranças felizes da pranteada acabam transformando a tristeza em doces recordações. É a vida fazendo o que mais gosta: aliviar os nossos sofrimentos. Parabéns, pelo belo e sentido texto, Poeta!
ResponderExcluirLINDA CRONICA CHEIA DE EMOÇÕES .PARA SEREM GRAVADAS EM LETRA DE FORMA. PARABÉNS
ResponderExcluirChico Miguel.