3 Histórias
de Papagaios
Elmar
Carvalho
1
Numa das reuniões da Academia Piauiense de Letras, o
acadêmico Jesus Elias Tajra me chamou à parte e me disse haver gostado de minha
crônica sobre o canto das rolinhas “fogo apagou”, e que esse texto o fez se lembrar
de um papagaio, que criara em sua adolescência; me revelou um episódio
comovente, que passo a contar.
Numa época em que não havia impedimentos legais à criação de
animais silvestres, em sua infância e adolescência, criou, em gaiolas, algumas
aves, entre as quais um papagaio, nomeado como Louro, que chamava pelo nome
apenas sua avó, sua tia Olga e ele próprio, Jesus.
O papagaio lhe tinha muita afeição e uma consideração
especial, como se o distinguisse das demais pessoas. Somente a ele concedia a
graça de “dar o pé”, o que denota muita confiança e intimidade. Quando o jovem
Jesus Tajra lhe estendia a mão direita, o Louro, muito satisfeito, se
empoleirava no dedo indicador, certo de que era o seu animal predileto ou favorito.
Quando tinha em torno de 16 anos, e cursava o primeiro ou o segundo
ano do antigo curso Científico, o garoto Jesus se apresentou ao Louro, trazendo
um pequeno cachorro, de poucos meses de vida, e não lhe deu muita atenção, como
costumava fazer.
Momentos depois, quando se dirigiu ao papagaio e lhe
apresentou o indicador direito, o Louro, movido, ao que parece, por
incontrolável ciúme ou despeito, aplicou-lhe forte e dolorosa bicada no
polegar. O Dr. Jesus me mostrou a pequena cicatriz, que mais contribuiu para
que ele nunca esquecesse esse fato e o seu desfecho dramático.
Em seguida, de forma algo violenta e precipitada, talvez cego
de ciúme, o papagaio desferiu um veloz voo para fora da área da casa, e
terminou sofrendo fatal acidente, ao se chocar contra a fiação da rede
elétrica. Não vou levantar a hipótese fantasiosa de que tenha sido um quase
suicídio.
Mas considero tenha sido, no mundo dos papagaios, uma
verdadeira tragédia, em sua passional inocência, que muita tristeza e emoção
causou ao garoto Jesus Tajra.
2
Aproveito o ensejo para transcrever o que já escrevi, em
texto memorialístico em homenagem a minha saudosa mãe (Rosália Maria de Melo
Carvalho, *1933 – +2013), sobre um casal de papagaios, que ela criou com todo
zelo e desvelo:
“Décadas atrás, minha mãe ganhou um casal de papagaios. Criou-os com
muito zelo, carinho e estima. Não lhes ensinou palavrões e nem cantigas
indecorosas, como as que hoje nos agridem os tímpanos e a alma em quase todo
lugar. Ensinou-lhes belas e alegres canções, inclusive religiosas, conquanto
não fosse carola, avessa que era a hipocrisias e falsidades farisaicas.
Graças à sua obstinada determinação nesse mister, o Louro e a
Rosa aprenderam um vasto repertório de palavras, frases e cantigas. Era muito
engraçado ouvir-se a algazarra festiva dos papagaios, quando eles estavam de
bom-humor, pois essas aves, como os humanos, cuja voz eles imitam, parecem ter
os seus caprichos, em que alternam momentos de alegre expansão com momentos de
sisuda introspecção, ou mesmo de certa melancolia.
Na manhã do dia em que mamãe morreu, os papagaios começaram a
cantar uma das cantigas que ela lhes ensinou. Como uma espécie de premonição, o
Louro e a Rosa cantaram o seguinte trecho de hino religioso: “Mãezinha do céu,
eu não sei rezar / Eu só sei dizer quero te amar”. O Solimar, um de nossos
vizinhos, acrescentou que, após o cântico católico, uma das aves teria pedido:
“Vovô Miguel, traz o café”, tendo a outra acrescentado que o queria com leite.
Que avezinha mais exigente!...
Pouco antes da chegada do corpo de mamãe, fato ocorrido à
noite, os papagaios novamente cantaram o refrão acima transcrito, e também o
seguinte trecho de melancólica marchinha carnavalesca: “Oh! jardineira por que
estás tão triste / Mas o que foi que te aconteceu? / Foi a camélia que caiu do
galho / Deu dois suspiros e depois morreu”.
O Louro e a Rosa pareciam ter pressentido a morte de minha
mãe e a prantearam a seu modo, em sua inocência animal.
3
Aos 17/18 anos, fiz amizade com uma senhora bem idosa, mãe de
um vizinho e amigo, com a qual gostava de conversar, à boquinha da noite, à
porta de sua casa.
Em certa noite ela nos contou que sua filha, adolescente e de
rara beleza, criara uma curica jandaia, que, embora não sendo um papagaio,
aprendera a falar algumas palavras.
A jovem, além de bela, era uma pessoa encantadora e de boa
índole, alegre e prestativa. Contudo, falecera no esplendor de sua beleza e
adolescência. Sua morte precoce comoveu todas as pessoas da localidade.
A curica acompanhou o cortejo fúnebre e o sepultamento. Após
a cerimônia, do alto de uma faveira em que pousara, voou, no instante em que o
crepúsculo ganhava o seu máximo fulgor e melancolia.
Quando se passaram três dias, reapareceu e sobrevoou a casa
dos pais da jovem morta, que se chamava Iracema. Pronunciou seu nome por três
vezes: – Iracema, Iracema, Iracema. Juntou-se a um bando de jandaias que
passavam, e dela nunca mais se teve notícia.
Muitas décadas depois, ao reler Iracema, o romance indianista
de José de Alencar, lavrado em belíssima prosa poética, fiquei com a leve
impressão de que a minha idosa amiga fantasiara a pungente morte de sua filha
com reminiscência da leitura dessa obra, como se lhe quisesse dar uma beleza
quase mítica. Com o final do romance de Alencar, encerro este relato:
“A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro; mas não repetia
já o mavioso nome de Iracema.
Tudo passa sobre a terra.”
RECEBI a mensagem abaixo, do amigo Claucio Carvalho, que corresponde, na verdade, à quarta história de papagaios:
"Meu irmão Fábio, no tempo de faculdade, namorava uma garota em Recife. Dormia às vezes na casa dos pais dela. Havia lá um papagaio muito afeiçoado a Denise, a então namorada do meu irmão, hoje esposa. O bicho era muito ciumento e sem vergonha. Quando Fábio ia tirar a barba ( fazia isso todo dia, era sub tenente do exército) e esquecia a porta do banheiro aberta, o papagaio chegava de mansinho, aplicava uma bicada bem forte no calcanhar do meu irmão e saía correndo, desengonçado, atrás de Denise, gritando ui, ui, ui. Quando era realizada alguma festinha na casa, os convidados usavam o banheiro externo, localizado no terraço, onde ficava o poleiro do papagaio. Ao perceber alguém se dirigindo ao banheiro, dava o alarme: vais cagar, vais cagar, vais, cagar.
Claucio Carvalho"
Quantas e quantas histórias de papagaios que nos fazem lembrar nossa infância, em casa nunca criamos nada, pois minha mãe trabalhava muito bordado enxovais de bebê e casamento em uma máquina Singer, e a prole era grande, sempre tínhamos senhoras que nos cuidavam, essas senhoras tão maravilhosas eram minha fuga, pois gostava de ir para a casa delas, geralmente tinham papagaios e outros animais. Belas recordações.
ResponderExcluirMuito obrigado.
ResponderExcluirMuito bom. Valeu poeta.
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